Em silêncio, chamei seu nome. Leon se virou, por um instante lançando o olhar na direção em que eu estava, mas não se atentou a mim. Deu meia-volta e começou a andar na direção do balcão. Contive o desejo de gritar por ele enquanto começava a caminhar. Antes que eu pudesse me aproximar, a mulher de verde me segurou levemente pelo braço, obrigando-me a desviar os olhos do meu alvo.
— Sua comanda, senhora — falou.
Peguei o pequeno papel, apenas para tirar a mulher do caminho. Quando voltei a cabeça para a frente, vi a porta que dava à cozinha se fechar às costas de Leon. Um vislumbre era tudo o que eu conseguira ter.
Marchei até o balcão, mas fui impedida de prosseguir quando outro funcionário levantou a palma no ar.
— O bufê é por ali — disse, apontando para a direção oposta.
—
Espero que você esteja certo. Acho que vamos descobrir. Se não tiver razão… isso tem que servir para algum propósito. Confio em você. Saberá o que fazer. Não entre em contato. Duas serpentes não deveriam habitar o mesmo ninho. Já estive nele por tempo demais, de qualquer forma. E se eu estiver sendo uma idiota de novo… O espantalho estará esperando no campo, mas não por muito tempo. Ajude-o.Visão: a casa de design moderno na serra.Passei pelo portão de ferro. As luzes dentro da casa continuavam apagadas. Sempre apagadas.Olfato: sujeira deixada no ar, com uma nuvem avermelhada, após os pneus do Range Rover percorrerem a estrada crua de barro.A casa esperava que sua dona retornasse ao lar. Meu lar.Audição: meus passos lentos sobre os seixos que formavam caminho para a porta da frente.Mas era o lar de mais a
Agora me lembrava, muito vagamente, de que, quando criança, às vezes me referira ao meu irmão como “espantalho”. Espantalho porque, assim como o personagem do livro infantil, Ariel supostamente não tinha um cérebro. Esse não chegara a ser seu apelido, mas… e se o espantalho mencionado fosse mesmo Ariel?“Ajude-o”. Natasha sabia onde ele estava.Eu aguardava no Range Rover, com os olhos semicerrados para protegê-los do sol da tarde. Quase não havia dormido, e agora permanecia na frente do prédio da agência de publicidade, esperando que Dani descesse para o almoço.Durante a noite inteira, após encontrar o telefone do meu irmão, eu supusera uma série de possibilidades. Ariel poderia ter deixado seu celular com Natasha. Mas por que ela o esconderia?“O espantalho está esperando no campo”. O campo era onde Dorothy e
O ar se recusava a entrar nos meus pulmões. Apenas um vislumbre fez com que eu desse meia-volta e corresse, fugindo do apartamento. O horror me consumia feito chama em lenha seca.E então parei.“Meu nome”. Meu nome estava lá, pregado a um cadáver. Um cadáver que provavelmente seria encontrado em breve.Sentindo as lágrimas forçando caminho para fora, obriguei-me a me virar outra vez. Não queria voltar, não queria vê-la de novo. Mas precisava.Cobri a boca. Meus passos de volta foram ainda mais apressados. Queria terminar com isso logo. Tentei não me focar no rosto horrível dela. Agora reconhecia o ruído da corda. Aproximei-me, mal acreditando no que estava fazendo, agarrei a folha de papel e a arranquei. Quis me livrar dela imediatamente, mas não podia, não ali.No chão, jazia tombada uma cadeira que provavelmente fazia parte
Agarrei-me com ainda mais força à faixa de proteção, como se ela fosse a única coisa que ainda me matinha de pé.— Não é possível — resmunguei. — Nunca segurei uma arma. Não sei atirar. Eu não saberia…— Você agiu por instinto. Sei lá como esse tipo de situação afeta a cabeça das pessoas. Eu… sei que algo muito ruim teria acontecido a nós cinco naquele dia. Aqueles caras não estavam de brincadeira. Gaspar detestava cada um de nós por um motivo diferente; era um imbecil, um imbecil armado.Eu começava a conceber a possibilidade. Na minha realidade, eu fugira. Leon acabara morto; Ariel, paraplégico; Gaspar, coxo. Mas nesse mundo…— Por que fugiu de mim naquele dia? — perguntei, rapidamente, tomando cuidado para não subir o tom de voz. —
Tive o mesmo sonho de costume. Coloquei o pé para fora do carro, agora desligado. As chaves ainda nas minhas mãos. Olhei meu reflexo no vidro da porta. Eu parecia humana, os outros, não; eram sombras mais uma vez. Cada um fez o mesmo, abriu sua respectiva porta, saiu.Os monstros esperavam. Não tinham rosto, mas eu sabia que sorriam. Agora que os faróis do carro estavam desligados, estavam envoltos em ainda mais escuridão. Vozes ecoavam ao redor de mim; eu não sabia se falavam comigo ou uns com os outros. Fechei os olhos por um breve momento.“É um pesadelo”, pensei. “Literalmente um pesadelo. Não há do que ter medo.”Do outro lado do Doblò, uma das silhuetas começou a andar na direção dos monstros; soluçava, isso eu conseguia identificar. O monstro no meio dos demais soltou um rugido ameaçador e, com sua garra, envolveu a silhu
Na metade do caminho de volta, Giu recebeu uma ligação do pai. Respondeu imediatamente que estava a caminho e, ao desligar, pediu que eu a conduzisse para a escola do filho.— A diretora disse que ele passou mal durante o recreio. Preciso buscá-lo.Uma vez diante do colégio, abri as portas de trás para que o menino entrasse. Ele realmente não parecia bem, estava pálido e abraçado com o próprio corpo. Giu se sentou nos bancos traseiros com o filho, testando a temperatura da testa dele com a mão. Eu a levei direto para a casa dela. Pelo espelho retrovisor, observava de relance o semblante preocupado em seu rosto; o garoto descansava a cabeça em seu colo, enquanto ela afagava os cabelos curtos e claros dele, olhando distraidamente para fora da janela.Quando chegamos e desembarcamos, Giu me encarou com um olhar culpado.— Natasha, eu…— Não se
— Conversar? Aqui?!— Me diga por que mandei aquele vídeo para você.Ele me estudou de cima a baixo.— Isso é uma espécie de teste?— Teste?Estalou a língua.— Não vamos conversar sobre isso. Já nos resolvemos. Libere a porta.Seu rosto ficou sério. Seus lábios muito finos praticamente desapareceram. Era magro demais para conseguir me tirar do seu caminho à força, ainda mais com aquele apetrecho sob o braço.Peguei o cordão com símbolo de serpente de dentro da bolsa e o apresentei a ele.— O que sabe sobre isto? — perguntei. Meu tom era de insistência.Ele olhou para o objeto na minha mão, e então para mim; as sobrancelhas franzidas.— O que há de errado com você?— Responda.— Sei lá! Isso é
À minha frente, um jazigo. Eu costumava gostar de visitar cemitérios quando mais nova. Lá pelos nove anos, assistira ao sepultamento de minha avó. Havia sido um dia triste para toda a família, especialmente para minha mãe; entretanto, eu me sentira inspirada durante toda a manhã.Enquanto os familiares prestavam suas condolências uns aos outros ou se despediam da senhora no caixão, eu caminhava por entre as lápides, analisando a data de nascimento e de falecimento de cada pessoa sepultada. Fazia as contas, “quantos anos essa moça tinha quando morreu? Será que sofreu? Será que foi de repente? Acreditava em vida após a morte? Tinha posses? Sentiu medo, arrependimento, alívio?”. Quem visitava o cemitério, via a terra para onde todos eram mandados quando seu tempo no mundo expirava. Como criança, eu via personagens. Cada nome entalhado, cada fotografia