Ele era diferente, não se parecia em nada com os homens da comunidade em que Dállia vivia antes de ser vendida ao marido. Tank parecia rústico e ao mesmo tempo os olhos traziam uma força diferente, dilacerante, algo que a atraia.
Mas os dias passaram e ele nem sequer a olhou, nem mesmo uma única vez. Tank passava por ela como se ninguém existisse, somente ele e Amara. De certa forma, havia beleza naquele desprezo, era como se Tank e a irmã pudessem viver em um mundo próprio, algo só deles, onde as risadas e as músicas se espalhavam pela casa de um jeito que Dállia achava lindo. Em uma manhã, depois que o marido saiu para o trabalho, ela se aproximou devagar do quarto de Amara, a música estava alta e os irmãos conversavam animados enquanto comiam algo que Tank havia comprado. Eles não comiam nada que ela cozinhasse, não importava o quanto Dállia se esforçasse para agradar, Tank sempre passava em algum lugar e trazia marmitas que dividia com a irmã. Se esforçou para ouvir o que falavam. — Não acha que devíamos oferecer para a Dállia? Ela estava chorando ontem, tenho certeza. A irmã de Tank tinha a mesma idade que Dállia, mas Amara tinha sonhos, uns tão bonitos que faziam a esposa de Russo sorrir quando escondida lia os cadernos da enteada. Já o rapaz não possuía a mesma doçura, aliás não sabia o que era gentileza. — Ela é suja, foquinha. Mulheres como ela não choram, manipulam as pessoas e só isso. Se ela quiser croissant de chocolate é só ela fazer um serviço extra para ele. Tank quase nunca falava com Russo, e jamais o chamava de pai, o odiava! Mas havia uma promessa que o impedia de derramar o sangue do pai, apesar da vontade que tinha. — Ela é tão bonita, por que ela faz isso? Por que deixa ele fazer aquelas coisas com ela? — É um serviço, foquinha. Só um trabalho, homens, todos eles só querem isso. E se tem quem venda nós compramos. Amara se surpreendeu com aquela fala do irmão, amava Tank, o achava perfeito e não imaginava que ele seria capaz e fazer algo assim com uma garota. — Até você? — Eu sou homem, Amara. E eu disse todos os homens. Não nos casamos por amor, isso é coisa de mulher, nos casamos para ter acesso rápido ao que gostamos. — Você não me ama? — Você sim, foquinha! Você é pura, não é como aquilo lá fora. Vai estudar, sair desse lugar, ser livre e feliz. Nunca, eu nunca vou deixar nenhum homem se aproximar de você. Nem ele, nem ninguém. Naquela tarde, Dállia descobriu que a fascinação de Russo por meninas não era apenas com ela, mas se estendia a própria filha. Compreendeu por que Tank nunca deixava a irmã sozinha, nem por um minuto. Sentiu inveja e pensou com os olhos inundados que seria bom ter um irmão. Moravam em uma espécie condomínio, um lugar afastado da estrada principal, depois de um tempo eles se mudaram para um rancho, disso ela se lembrava. Havia cavalos quando chegou com Russo, mas estava tão assustada que não conseguia lembrar se existia outros animais, ou trabalhadores. Mas havia algo que ela se recordava, uma coisa que a fez passar meses sem nem mesmo estender as roupas fora de casa. Russo a segurou pelos cabelos e pressionou o seu rosto contra o vidro escuro do carro. — Está vendo esses homens? Eles são ainda piores do que os de Nova Yorque. Vão te fazer picadinho no meio da lama se tentar fugir. Ela não pensava em fugas, não existia para onde ir e quando não há saída, qualquer lugar é bom. Apesar disso, concordou com os olhos vermelhos pelas lágrimas que ela não deixou escapar. Dállia colocou a mão no nariz, no banco de trás Amara gritou assustada, mas foi abraçada pelo irmão. Tank não se importava que o nariz da madrasta estivesse sangrando, para ele, Amara era o único ser humano dentro daquele carro. Com o tempo, ela havia descoberto isso sobre o rapaz, ele não se enxergava da mesma forma que ela o via, ao contrário, Tank parecia viver para a irmã e apenas isso, não cuidava de si mesmo. Ele não se importava em vestir sempre as mesmas roupas, desde que Amara tivesse quantos vestidos ela quisesse. A menina possuía uma estante imensa com livros, luminária dourada, cadernos coloridos e canetas especiais e Dállia pensava que a garota parecia uma princesa igual a dos desenhos que ela assistia escondida na casa da tia. Já Tank tinha um quarto com um pedaço de madeira que usava para pendurar as poucas roupas que possuía e um colchão que ficava sobre alguns pedaços de papelão. Depois que passaram a morar naquele rancho, as coisas melhoraram, Russo passava a maior parte do dia fora e Dállia aproveitava para fingir que morava sozinha, não precisava de nada só dela mesma para poder sonhar. Ao menos era o que pensava até o dia em que roubou um dos vestidos de Amara. Uma festa de aniversário! Preparou para si mesma o seu primeiro bolo de aniversário, limpou tudo e forrou a mesa com uma toalha bonita, usou palitos de fósforo para simular as velas, pequenos palitos que ela colocou enfileirados e quando acendeu o primeiro as faíscas se espalharam para os outros. — Parabéns, Dállia! Falou para si mesma e comeu o bolo lambuzando a boca de chocolate geladinho. Jogou o restante no lixo, não podia ter aquele tipo de luxo, o marido não gostava de doces. Tomou um banho, colocou o vestido da enteada e foi até o cesto de roupa suja, pegou a camisa de Tank. Cheirou como se aquele perfume tivesse o poder de dar vida a ela, se pudesse escolher um príncipe com quem dividiria a valsa do seu aniversário, seria ele, com certeza seria! Vestiu a camisa em um travesseiro, ligou uma música lenta e dançou sozinha. Mas isso até ser flagrada.Tank voltou para casa após o treino ser cancelado, detestava todas as vezes que isso acontecia, mas Dylan não era um soldado comum, tinha manias estranhas, não avisava quando faltaria e vivia correndo atrás da mulher como um cachorrinho abandonado.Ninguém achava Zoey bonita o bastante para receber tanta atenção, mas jamais alguém ousou falar isso, ao menos não para o chefe de treinamento. Seria como pedir para passar uma longa temporada no centro médico e talvez, nem voltar.Abriu a porta com um humor péssimo, odiava aquela casa e tudo o que ligava ao pai. Russo nunca foi um pai amoroso, mas as coisas tinham piorado muito desde que a mãe de Tank faleceu.Respirou fundo e entrou, teria ido direto para o quarto se a música que vinha do quarto da irmã não tivesse chamado a sua atenção.— Amara, droga! Faltou à aulaReclamou apenas em pensamento, não quis chamar atenção da irmã, achou que a pegaria em flagrante. Precisava que ao menos Amara tivesse um futuro, que alguém daquela família f
Um amor impossível, os dois sabiam, não podiam continuar. Russo era um homem da máfia, um homem marcado por dores que o transformaram, temido pela sua capacidade de matar sem sentir, odiado por todos, até mesmo pelos filhos.Ela tentou falar, mas ele a segurou mais forte, mais perto, subiu a mão pelas costas de Dállia, ela tremeu.Tremeu porque nunca havia sentido nada parecido, nem mesmo teve chance de conhecer o amor.Antes aprendeu sobre dor, crueldade, submissão.Mulheres como ela não podiam amar, como aprender sobre algo que nunca viu?O rapaz deslizou a mão, que antes segurava o rosto dela, gostou da textura da pele.Uma mulher podia ser tão suave?Aproveitou com carícias lentas. Cuidadoso, quase como se tivesse medo de machucá-la.Os olhos acompanharam a mão, deslizou o polegar pelo pescoço delicado, desenhou os ossos da clavícula exposta pelo vestido. Aquela visão parecia incendiar sua alma.Segurou a coxa da menina e ergueu a perna de Dállia a fazendo enlaçar sua cintura. Pre
Tank chegou segurando uma caixa enorme, não olhou para Dállia, só colocou o embrulho sobre a mesa e ela ousou falar com ele pela primeira vez desde que o rapaz a deixou no quarto abraçada ao próprio corpo.— O que é isso?Tank não sabia o que responder, havia demorado horas escolhendo o vestido que achava que ficaria perfeito no corpo dela. A menina era linda, mas estava sempre usando roupas sensuais.Parecia um anjo vestindo roupas que simplesmente não combinavam com ela.Sabia que o pai a obrigava a se vestir daquela forma, já tinha visto várias vezes ele chegar suado e colocar as mãos no corpo da menina. Ela não era sua esposa, era uma boneca que ele tinha comprado.O rapaz achou que também podia pagar, talvez um presente, mas por alguma razão achava que aquele vestido delicado combinava bem mais com a madrasta do que as roupas que o pai jogava no chão gritando para que ela vestisse.— É para você, por aquele dia. O pagamento.Dállia sentiu o coração despedaçar no peito, as lágrima
Deveria ser apenas uma manhã típica, Dállia se levantou feliz, preparou o café da manhã, colocou as roupas na máquina de lavar. A rotina que seguia era sempre a mesma, acordar às 4 da manhã fazer tudo sem nenhum barulho e por fim, vestir as roupas que o marido gostava que ela usasse. Já não se importava. Colocou a saia de couro sintético, ficou sem a calcinha, era assim que Russo gostava. Primeiro, preparou o café. Forte e muito doce como o marido gostava. Depois, esquentou os pães, cortou as frutas e sorriu quando encontrou uma caixa de morangos escondida no fundo da geladeira. Ela amava morangos, mas Russo não comprava.— Desde quando cadelas comem morangos? Se quiser te compro ração. Foi o que ele disse quando ela pediu. Havia segurado aquela vontade por meses, por fim pediu. A primeira e a última vez que pediu algo a Russo.Mas Tank sempre trazia, pelo menos uma vez por semana. E naquela manhã os morangos estavam lindos. Pegou um e enfiou na boca de uma vez. O cheiro de c
Dállia percorreu o caminho que separava a casa de Russo até onde a multidão se aglomerava com o coração batendo tão forte no peito que não conseguia respirar. Com o olhar perdido na multidão, ouviu cada palavra da acusação contra Tank.Ele havia ofendido uma garota. Uma mulher da máfia que havia acabado de ser resgatada. Olívia! Gravou o nome e focou nas palavras do capo. Um homem de porte comum, mas que a deixava com medo até de olhar, Amara também estava lá, os soluços da menina fizeram com que Dállia também sentisse vontade de chorar, não podia. As lágrimas são reservadas para pessoas que tem alma e ela não tinha. Assim como Dalila ela só servia a um propósito, mas diferente da personagem bíblica, ela não era bonita o bastante para que a prostituição servisse como arma, no caso dela, só valia um prato de comida. De tudo o que ouviu, do pouco que entendeu, a última frase do capo foi a que fez seu coração parar. — Esse homem não vai morrer hoje, mas provavelmente não sobreviverá
Chamou, mas quando Olívia a olhou, um mundo de memórias invadiu sua mente. Pedir ajuda? Que ingenuidade! Pedir ajuda é o meio mais rápido para piorar o próprio sofrimento, já havia experimentado isso, conhecia as regras do mundo, para Dállia, só havia dois tipos de pessoas do mundo, as que se divertiam com o sofrimento alheio e, as que, além de assistir, gostavam de tirar proveito da fraqueza. Não podia expor Tank ainda mais. Tentou correr, fugir, mas a sandália que estava usando estourou o fecho no segundo passo. A dor do tornozelo torcendo se espalhou pela perna em uma onda de choque a fez gemer. Segurou a perna, tentou se levantar, mas já era tarde. Olívia estava ali. — Você está bem?— Estou, tudo bem, desculpa eu confundi você com outra pessoa.Os olhos vermelhos a entregaram muito antes de tentar se justificar. O medo a consumia, não podia confiar. E se isso ao invés de ajudar, terminasse de condenar a única pessoa no mundo que nunca a feriu?Se descobrissem, se soubessem qu
Dállia sentia como se o olhar de Olívia tentasse decifrar seus pensamentos, desmascarar seus verdadeiros motivos. Mas Olívia não podia entender. Ninguém podia. Ela tinha apenas uma certeza, salvar Tank. A qualquer custo e como alguém poderia compreender aquilo?Foi então que Olívia disse algo que fez Dállia ter ainda mais certeza de que não estava sendo compreendida. — Você acha que ele te enxerga e que, mesmo sendo a pior coisa do mundo, ainda é o melhor que você merece.Olívia tinha certeza de que o desespero de Dállia não era o desespero de uma madrasta, imaginou que Tank também a forçava, talvez pai e filho dividissem a mulher, estava tão acostumada com a perversidade humana que pensou que o olhar triste de Dállia fosse resultado disso, de quem aceita o pior dos destinos e ainda é grata por ele. Já Dállia ouviu achando que Olívia era extremamente alienada, Tank nunca foi a pior coisa. Ele era sua salvação, sua luz em meio à escuridão. Como era possível que aquelas pessoas conv
Dállia sabia o que estava fazendo, perguntou arrumando a postura, cruzou a perna direita sobre a outra fazendo a saia justa subir ainda mais. Tinha aprendido com o primeiro dono. Muitas vezes foi obrigada a ser enfeite de mesa. Era assim que ele a chamava. O dono dela, também era o dono do morro e costumava fazer noites de jogatina na laje do sobrado em que morava. Os convidados eram os chefões do tráfico, os cabeças que comandavam a área, acompanhados de seus seguranças armados, esses eram conhecidos como frentes. Além deles, circulavam os vapor, os responsáveis por vender a mercadoria na ponta, e os fogueteiros, sempre atentos para avisar sobre a chegada da polícia. O ambiente era regado a ostentação, bebidas caras e olhares afiados, onde cada palavra dita poderia custar caro.Ela? Dállia era o enfeite de mesa. Estava ali para enfeitar e qualquer um podia colocar a mão. Era isso que o primeiro marido dizia. — Podem pegar, usar à vontade, até tirar pedaço, mas sem levar para casa