Tank voltou para casa após o treino ser cancelado, detestava todas as vezes que isso acontecia, mas Dylan não era um soldado comum, tinha manias estranhas, não avisava quando faltaria e vivia correndo atrás da mulher como um cachorrinho abandonado.
Ninguém achava Zoey bonita o bastante para receber tanta atenção, mas jamais alguém ousou falar isso, ao menos não para o chefe de treinamento. Seria como pedir para passar uma longa temporada no centro médico e talvez, nem voltar. Abriu a porta com um humor péssimo, odiava aquela casa e tudo o que ligava ao pai. Russo nunca foi um pai amoroso, mas as coisas tinham piorado muito desde que a mãe de Tank faleceu. Respirou fundo e entrou, teria ido direto para o quarto se a música que vinha do quarto da irmã não tivesse chamado a sua atenção. — Amara, droga! Faltou à aula Reclamou apenas em pensamento, não quis chamar atenção da irmã, achou que a pegaria em flagrante. Precisava que ao menos Amara tivesse um futuro, que alguém daquela família fosse feliz, ficou irritado, mas só até encontrar Dállia dançando com um dos travesseiros. Nunca conversou com a menina que o pai colocou dentro de casa chamando de esposa, nem pretendia, mas quando a viu dançando, algo mudou dentro dele. Tank sentia o peito arder, queimar enquanto o coração pulsava desesperado. Um desejo impuro, incômodo, que se espalhava como veneno. Não fazia sentido, não deveria existir. Mas estava ali. Crescendo. Prestes a devorá-lo. A enxergava como alguém sem valor. Ela não merecia nada. Nem amor, nem compaixão. Não depois de ter se casado com Russo. Não depois de ter se vendido tão barato. Um teto e algum conforto. Um preço pequeno demais. Tank precisava acreditar nisso. Se agarrar a essa justificativa. Porque, se não acreditasse, o que sobraria? Não sou diferente dele, não sou mais do que um verme sujo. Pensou enquanto a olhava dançar, os olhos fechados, o vestido velho de Amara, um sorriso doce no rosto. A carne fervia, os instintos gritavam. E ele queria. Queria como um animal encurralado deseja fugir. Como um homem à beira do desespero deseja um último gole d'água. Insano, forte, inevitável. Ela não é ninguém! Tank tentou acreditar nisso. Mas era mentira, sabia disso. E então, como se a confusão dele se encontrasse com a dela, Dállia o olhou. Os olhos tão vazios que Tank pode se ver dentro deles. Nenhum pedido, nenhuma dor, só o abandono, uma entrega muda de quem já não tem mais o que perder. E aquele olhar despedaçou a alma do rapaz, não por ela, mas por si mesmo, ele estava lá, dentro daquele buraco escuro, tão sem esperança quanto ela, machucado, se agarrando a irmã como quem se prende a uma missão. Exatamente igual a um último soldado em uma guerra perdida ainda atira sem nem saber ao certo pelo que está lutando. Aquela ausência de medo, de esperança, de tudo. Um abismo. Tank quis se atirar com ela naquele precipício. Ela é só um objeto! Uma boneca que pode ser comprada em qualquer esquina. O pensamento frio de um homem que acreditava que mulheres como Dállia serviam apenas para satisfazer o corpo. Um passo. Sentia o desejo correr nas veias, um trovão dentro do peito. Dállia apertou o travesseiro, como quem se segura ao príncipe que a protegeria. Mas não era medo do que ele poderia fazer. Era medo do que ele a fazia sentir. Vergonha. Desejo. Um nó impossível de desfazer. — Dança comigo. A voz dele saiu quase como se fosse uma confissão. Os olhos castanhos piscaram. Não respondeu. Mas também não se afastou. Tank se aproximou devagar e tirou o travesseiro das mãos da menina, sorriu quando olhou a própria camisa vestida naquele pedaço de espuma. Jogou o travesseiro de lado, segurou a cintura da menina com uma mão e apoiou as costas de Dállia com a outra. A pele estava quente. Quente demais. Eles dançaram, não ao ritmo da música, nem olhando o tempo. Apenas os corpos se movendo juntos, os corações batendo forte. Dállia ergueu a cabeça, olhou para ele como se encontrasse o seu lugar no mundo. Tank a segurou ainda mais firme, mais perto, entrelaçou os dedos aos dela. — Você é tão pequena Falou sem pensar, mas então o pensamento se corrompeu. É só dinheiro. Ela é jovem demais. Isso vai dar errado. Ela é linda. O desejo e a culpa lutavam dentro dele como dois lobos famintos, mas o corpo já tinha escolhido, o coração foi tomado, a alma entregue. Subiu pela curva delicada das costas dela, até tocar o rosto delicado. Ela era tão jovem. Mas estava quebrada. Tanto quanto ele. A única diferença era que ela ainda era capaz de sonhar, de se entregar a fantasia, assim como estava fazendo antes do sonho se tornar realidade. Dállia teve sua valsa, a primeira na vida, e seu par tinha sido o filho de Russo, mesmo que só na mente dela, a menina havia girado por aquele quarto se sentindo uma princesa nos braços do seu par. Agora que Tank havia tomado o lugar do travesseiro, tudo tinha mudado. Para ela, um presente. Para ele, um erro sem volta. — Você ama o meu pai? Não sabia por que queria perguntar. Mas queria. Então ela o calou. Não com respostas. Mas com um pedido. — Me beija? Um pedido doce e assustado. Tank precisou respirar mais fundo. Passou o polegar pelos lábios de Dállia. Se abaixou devagar. Até as bocas se encontrarem. Os braços se fecharam ao redor do corpo dela. O desejo e a culpa sussurravam. Mas, nada mais importava. Dállia gemeu contra ele, o corpo pequeno se moldando ao seu. O nome dele escapou dos lábios pequenos. O cheiro doce fez Tank esquecer de tudo. E ali, naquela dança sem música, naquele espaço entre o pecado e a redenção, não havia mais certo ou errado. Só desejo. Só necessidade. Só o agora.Um amor impossível, os dois sabiam, não podiam continuar. Russo era um homem da máfia, um homem marcado por dores que o transformaram, temido pela sua capacidade de matar sem sentir, odiado por todos, até mesmo pelos filhos.Ela tentou falar, mas ele a segurou mais forte, mais perto, subiu a mão pelas costas de Dállia, ela tremeu.Tremeu porque nunca havia sentido nada parecido, nem mesmo teve chance de conhecer o amor.Antes aprendeu sobre dor, crueldade, submissão.Mulheres como ela não podiam amar, como aprender sobre algo que nunca viu?O rapaz deslizou a mão, que antes segurava o rosto dela, gostou da textura da pele.Uma mulher podia ser tão suave?Aproveitou com carícias lentas. Cuidadoso, quase como se tivesse medo de machucá-la.Os olhos acompanharam a mão, deslizou o polegar pelo pescoço delicado, desenhou os ossos da clavícula exposta pelo vestido. Aquela visão parecia incendiar sua alma.Segurou a coxa da menina e ergueu a perna de Dállia a fazendo enlaçar sua cintura. Pre
Tank chegou segurando uma caixa enorme, não olhou para Dállia, só colocou o embrulho sobre a mesa e ela ousou falar com ele pela primeira vez desde que o rapaz a deixou no quarto abraçada ao próprio corpo.— O que é isso?Tank não sabia o que responder, havia demorado horas escolhendo o vestido que achava que ficaria perfeito no corpo dela. A menina era linda, mas estava sempre usando roupas sensuais.Parecia um anjo vestindo roupas que simplesmente não combinavam com ela.Sabia que o pai a obrigava a se vestir daquela forma, já tinha visto várias vezes ele chegar suado e colocar as mãos no corpo da menina. Ela não era sua esposa, era uma boneca que ele tinha comprado.O rapaz achou que também podia pagar, talvez um presente, mas por alguma razão achava que aquele vestido delicado combinava bem mais com a madrasta do que as roupas que o pai jogava no chão gritando para que ela vestisse.— É para você, por aquele dia. O pagamento.Dállia sentiu o coração despedaçar no peito, as lágrima
Deveria ser apenas uma manhã típica, Dállia se levantou feliz, preparou o café da manhã, colocou as roupas na máquina de lavar. A rotina que seguia era sempre a mesma, acordar às 4 da manhã fazer tudo sem nenhum barulho e por fim, vestir as roupas que o marido gostava que ela usasse. Já não se importava. Colocou a saia de couro sintético, ficou sem a calcinha, era assim que Russo gostava. Primeiro, preparou o café. Forte e muito doce como o marido gostava. Depois, esquentou os pães, cortou as frutas e sorriu quando encontrou uma caixa de morangos escondida no fundo da geladeira. Ela amava morangos, mas Russo não comprava.— Desde quando cadelas comem morangos? Se quiser te compro ração. Foi o que ele disse quando ela pediu. Havia segurado aquela vontade por meses, por fim pediu. A primeira e a última vez que pediu algo a Russo.Mas Tank sempre trazia, pelo menos uma vez por semana. E naquela manhã os morangos estavam lindos. Pegou um e enfiou na boca de uma vez. O cheiro de
Dállia percorreu o caminho que separava a casa de Russo até onde a multidão se aglomerava com o coração batendo tão forte no peito que não conseguia respirar. Com o olhar perdido na multidão, ouviu cada palavra da acusação contra Tank.Ele havia ofendido uma garota. Uma mulher da máfia que havia acabado de ser resgatada. Olívia! Gravou o nome e focou nas palavras do capo. Um homem de porte comum, mas que a deixava com medo até de olhar, Amara também estava lá, os soluços da menina fizeram com que Dállia também sentisse vontade de chorar, não podia. As lágrimas são reservadas para pessoas que tem alma e ela não tinha. Assim como Dalila ela só servia a um propósito, mas diferente da personagem bíblica, ela não era bonita o bastante para que a prostituição servisse como arma, no caso dela, só valia um prato de comida. De tudo o que ouviu, do pouco que entendeu, a última frase do capo foi a que fez seu coração parar. — Esse homem não vai morrer hoje, mas provavelmente não sobreviverá
Chamou, mas quando Olívia a olhou, um mundo de memórias invadiu sua mente. Pedir ajuda? Que ingenuidade! Pedir ajuda é o meio mais rápido para piorar o próprio sofrimento, já havia experimentado isso, conhecia as regras do mundo, para Dállia, só havia dois tipos de pessoas do mundo, as que se divertiam com o sofrimento alheio e, as que, além de assistir, gostavam de tirar proveito da fraqueza. Não podia expor Tank ainda mais. Tentou correr, fugir, mas a sandália que estava usando estourou o fecho no segundo passo. A dor do tornozelo torcendo se espalhou pela perna em uma onda de choque a fez gemer. Segurou a perna, tentou se levantar, mas já era tarde. Olívia estava ali. — Você está bem?— Estou, tudo bem, desculpa eu confundi você com outra pessoa.Os olhos vermelhos a entregaram muito antes de tentar se justificar. O medo a consumia, não podia confiar. E se isso ao invés de ajudar, terminasse de condenar a única pessoa no mundo que nunca a feriu?Se descobrissem, se soubessem q
Dállia sentia como se o olhar de Olívia tentasse decifrar seus pensamentos, desmascarar seus verdadeiros motivos. Mas Olívia não podia entender. Ninguém podia. Ela tinha apenas uma certeza, salvar Tank. A qualquer custo e como alguém poderia compreender aquilo?Foi então que Olívia disse algo que fez Dállia ter ainda mais certeza de que não estava sendo compreendida. — Você acha que ele te enxerga e que, mesmo sendo a pior coisa do mundo, ainda é o melhor que você merece.Olívia tinha certeza de que o desespero de Dállia não era o desespero de uma madrasta, imaginou que Tank também a forçava, talvez pai e filho dividissem a mulher, estava tão acostumada com a perversidade humana que pensou que o olhar triste de Dállia fosse resultado disso, de quem aceita o pior dos destinos e ainda é grata por ele. Já Dállia ouviu achando que Olívia era extremamente alienada, Tank nunca foi a pior coisa. Ele era sua salvação, sua luz em meio à escuridão. Como era possível que aquelas pessoas conv
Dállia sabia o que estava fazendo, perguntou arrumando a postura, cruzou a perna direita sobre a outra fazendo a saia justa subir ainda mais. Tinha aprendido com o primeiro dono. Muitas vezes foi obrigada a ser enfeite de mesa. Era assim que ele a chamava. O dono dela, também era o dono do morro e costumava fazer noites de jogatina na laje do sobrado em que morava. Os convidados eram os chefões do tráfico, os cabeças que comandavam a área, acompanhados de seus seguranças armados, esses eram conhecidos como frentes. Além deles, circulavam os vapor, os responsáveis por vender a mercadoria na ponta, e os fogueteiros, sempre atentos para avisar sobre a chegada da polícia. O ambiente era regado a ostentação, bebidas caras e olhares afiados, onde cada palavra dita poderia custar caro.Ela? Dállia era o enfeite de mesa. Estava ali para enfeitar e qualquer um podia colocar a mão. Era isso que o primeiro marido dizia. — Podem pegar, usar à vontade, até tirar pedaço, mas sem levar para casa
O rapaz normalmente fazia tudo antes do pai chegar e se trancava no quarto com a irmã, mas naquele dia, ele havia se atrasado, esqueceu da hora jogando futebol com os outros rapazes do condomínio e acabou precisando lavar os vestidos de Amara durante a noite.Russo chegou e não gostou de ver o filho ali, fazendo uma tarefa que ele julgava ser exclusivamente feminina. Agarrou Tank pela camiseta e puxou com força, a gola marcou o pescoço do rapaz, o tecido rasgou, já era velho, ganhada de um dos colegas.Mas quando se levantou Russo o acertou com um soco o garoto caiu e bateu a cabeça na quina de uma espécie de balcão que havia na cozinha para guardar louças. A pancada foi tão forte que a dor se espalhou, ficou um tempo perdido entre a consciência do sangue quente que escorria entre seus dedos e a escuridão que tentava tomá-lo. Foi o grito de Amara que o despertou, o choro infantil e indefeso que chamava seu nome.— DODÔ! DODÔ!Era assim que Amara o chamava, nem se lembrava do porque, j