Um amor impossível, os dois sabiam, não podiam continuar. Russo era um homem da máfia, um homem marcado por dores que o transformaram, temido pela sua capacidade de matar sem sentir, odiado por todos, até mesmo pelos filhos.
Ela tentou falar, mas ele a segurou mais forte, mais perto, subiu a mão pelas costas de Dállia, ela tremeu.
Tremeu porque nunca havia sentido nada parecido, nem mesmo teve chance de conhecer o amor.
Antes aprendeu sobre dor, crueldade, submissão.
Mulheres como ela não podiam amar, como aprender sobre algo que nunca viu?
O rapaz deslizou a mão, que antes segurava o rosto dela, gostou da textura da pele.
Uma mulher podia ser tão suave?
Aproveitou com carícias lentas. Cuidadoso, quase como se tivesse medo de machucá-la.
Os olhos acompanharam a mão, deslizou o polegar pelo pescoço delicado, desenhou os ossos da clavícula exposta pelo vestido. Aquela visão parecia incendiar sua alma.
Segurou a coxa da menina e ergueu a perna de Dállia a fazendo enlaçar sua cintura. Pressionou o corpo contra o dela, a respiração quente no ouvido da garota, o coração em galope dentro do peito.
A mente gritava que não, o corpo implorava pelo sim.
Esperou que ela o recuasse, que dissesse não, que resistisse. Mas nada disso aconteceu. Em vez disso, encontrou apenas um olhar doce, meio tímido, a pele vermelha e uma espera. O tipo de espera que nenhuma mulher jamais tinha oferecido a ele durante o prazer.
Tank a empurrou para a parede do quarto pequeno, a prendeu junto a ele, por desejo, mas também por outra coisa que ele não sabia dar o nome
O vestido deslizou para o chão. O restante das roupas foi arrancado às pressas, entre suspiros, beijos intensos, gemidos abafados pela língua que parecia beber de um tipo de sentimento que ele não podia explicar.
O gosto de Dállia era ao mesmo tempo novo e familiar, quase como se esperasse por ele durante toda a vida. Tank nunca havia olhado para ela daquele jeito, mas agora parecia que já a conhecia, que cada parte dela estava ali, esperando para ser descoberta, explorada, devorada.
— Tank
Dállia sussurrou o nome dele, a voz perdida no que queria, no sonho que vivia, no medo que sentia.
O rapaz tapou a boca da menina, a segurou mais firme como se dissesse que ela seria dele de qualquer jeito, que não havia mais volta.
Tank não queria ouvir. Não podia.
Em vez disso, afundou o rosto na pele macia, beijou o pescoço de Dállia. O cheiro doce, as unhas dela cravadas na sua pele, tudo ali provava o sim que ela não disse.
Parou, um segundo de hesitação, precisava saber se ela o queria, não podia ser como o pai. Tank não queria ser só mais um, não pra ela.
O sim veio em um olhar carinhoso e num beijo profundo.
O movimento começou lento, profundo. Ela com o rosto corado, os olhos fechados, ele perdido nela.
Mas o fogo o tomou, o ritmo aumentou, guiado pela urgência de sentir mais, de esquecer mais, de não ser quem era, de viver.
Fizeram amor sem promessas, nem declarações românticas.
A teve ali, em pé, entre gemidos abafados e uma necessidade incontrolável. E só quando o corpo satisfez sua fome que Tank percebeu o próprio erro.
A roupa de lado, a calça nos tornozelos. A satisfação o fez descansar o rosto suado na curva do pescoço feminino.
Tank continuou com olhos fechados, abraçado a ela, o peito subindo e descendo em uma respiração completamente sem ritmo.
Não queria soltá-la, mas não podia amá-la. Ele a queria, mas ela não era sua.
Saiu tão depressa quanto entrou, sem despedidas, só a abandonou no quarto e sumiu.
Dállia abaixou pegando as roupas amassadas, sentiu o cheiro de Tank na própria pele, era bom!
O medo a invadiu de repente, como se estivesse prestes a enfrentar uma luta que jamais poderia vencer.
Saiu do quarto usando as roupas de sempre, o medo de que Tank contasse para o pai, a vergonha de ter feito amor por vontade própria e não por obrigação. Era assim que deveria ser?
Os dias passaram e nenhum dos seus medos se tornou real, ao contrário.
Tank passava por ela como se nada daquilo tivesse acontecido, como se Dállia tivesse sonhado.
A indiferença do enteado a enlouquecia, não sabia o que falar, nem o que fazer.
Fez bolinhos de bacalhau, uma receita que ela sabia ser deliciosa. Colocou na frente do rapaz um prato cheio, mas ele simplesmente empurrou sem dizer nada.
Russo entrou naquele instante, enfiou a mão suja no prato e colocou um bolinho inteiro na boca.
A menina sentiu a garganta apertar, os olhos encheram de lágrimas, se virou para a bancada para que o marido não a visse chorar.
Cada gesto de indiferença de Tank feria como uma lâmina. Ela se recusava a acreditar que aquilo não tinha significado nada para ele, ele não era como o pai, não podia ser.
Mas parecia que ela tinha se tornado invisível.
Russo gritou e Dállia olhou para o marido com o rosto pálido e o coração apertado.
— Que merda é essa? Que me matar de colesterol sua vadia?
Russo cuspiu o bolinho mastigado no rosto de Dállia, a massa fétida e nojenta a fez ter ânsia. O homem continuou
— Você acha que pode se redimir com bolinhos cheios de óleo depois de abrir as pernas para quem quiser?
Dállia arregalou os olhos em choque, teve certeza de que o marido sabia do que havia acontecido. Tank, sentado à mesa, continuava tranquilo, focado no copo de suco à sua frente como se a cena não estivesse acontecendo.
Dállia limpou o rosto e se abaixou para recolher os restos do chão. Russo sempre a humilhava, mas daquela vez ela olhou para Tank, esperando qualquer reação, qualquer sinal de que ele discordava do pai. Mas não havia nada.
Ele nem ao menos a olhou.
Russo a puxou pelo braço e a levou para o quarto, o cheiro de álcool e o hálito sujo era o pior, virou o rosto. Focou na cortina branquinha, um véu delicado que ela havia retirado de um dos vestidos que a enteada mandaria para doação, costurou pequenas flores de tecido ao véu que balançava com o vento da tarde texana.
Era bonito, ela achava bonito.
Quando o marido terminou e Dállia voltou para cozinha, Tank não estava mais lá.
Mas no dia seguinte a surpresa que teve a deixou completamente sem reação.
Tank chegou segurando uma caixa enorme, não olhou para Dállia, só colocou o embrulho sobre a mesa e ela ousou falar com ele pela primeira vez desde que o rapaz a deixou no quarto abraçada ao próprio corpo.— O que é isso?Tank não sabia o que responder, havia demorado horas escolhendo o vestido que achava que ficaria perfeito no corpo dela. A menina era linda, mas estava sempre usando roupas sensuais.Parecia um anjo vestindo roupas que simplesmente não combinavam com ela.Sabia que o pai a obrigava a se vestir daquela forma, já tinha visto várias vezes ele chegar suado e colocar as mãos no corpo da menina. Ela não era sua esposa, era uma boneca que ele tinha comprado.O rapaz achou que também podia pagar, talvez um presente, mas por alguma razão achava que aquele vestido delicado combinava bem mais com a madrasta do que as roupas que o pai jogava no chão gritando para que ela vestisse.— É para você, por aquele dia. O pagamento.Dállia sentiu o coração despedaçar no peito, as lágrima
Deveria ser apenas uma manhã típica, Dállia se levantou feliz, preparou o café da manhã, colocou as roupas na máquina de lavar. A rotina que seguia era sempre a mesma, acordar às 4 da manhã fazer tudo sem nenhum barulho e por fim, vestir as roupas que o marido gostava que ela usasse. Já não se importava. Colocou a saia de couro sintético, ficou sem a calcinha, era assim que Russo gostava. Primeiro, preparou o café. Forte e muito doce como o marido gostava. Depois, esquentou os pães, cortou as frutas e sorriu quando encontrou uma caixa de morangos escondida no fundo da geladeira. Ela amava morangos, mas Russo não comprava.— Desde quando cadelas comem morangos? Se quiser te compro ração. Foi o que ele disse quando ela pediu. Havia segurado aquela vontade por meses, por fim pediu. A primeira e a última vez que pediu algo a Russo.Mas Tank sempre trazia, pelo menos uma vez por semana. E naquela manhã os morangos estavam lindos. Pegou um e enfiou na boca de uma vez. O cheiro de
Dállia percorreu o caminho que separava a casa de Russo até onde a multidão se aglomerava com o coração batendo tão forte no peito que não conseguia respirar. Com o olhar perdido na multidão, ouviu cada palavra da acusação contra Tank.Ele havia ofendido uma garota. Uma mulher da máfia que havia acabado de ser resgatada. Olívia! Gravou o nome e focou nas palavras do capo. Um homem de porte comum, mas que a deixava com medo até de olhar, Amara também estava lá, os soluços da menina fizeram com que Dállia também sentisse vontade de chorar, não podia. As lágrimas são reservadas para pessoas que tem alma e ela não tinha. Assim como Dalila ela só servia a um propósito, mas diferente da personagem bíblica, ela não era bonita o bastante para que a prostituição servisse como arma, no caso dela, só valia um prato de comida. De tudo o que ouviu, do pouco que entendeu, a última frase do capo foi a que fez seu coração parar. — Esse homem não vai morrer hoje, mas provavelmente não sobreviverá
Chamou, mas quando Olívia a olhou, um mundo de memórias invadiu sua mente. Pedir ajuda? Que ingenuidade! Pedir ajuda é o meio mais rápido para piorar o próprio sofrimento, já havia experimentado isso, conhecia as regras do mundo, para Dállia, só havia dois tipos de pessoas do mundo, as que se divertiam com o sofrimento alheio e, as que, além de assistir, gostavam de tirar proveito da fraqueza. Não podia expor Tank ainda mais. Tentou correr, fugir, mas a sandália que estava usando estourou o fecho no segundo passo. A dor do tornozelo torcendo se espalhou pela perna em uma onda de choque a fez gemer. Segurou a perna, tentou se levantar, mas já era tarde. Olívia estava ali. — Você está bem?— Estou, tudo bem, desculpa eu confundi você com outra pessoa.Os olhos vermelhos a entregaram muito antes de tentar se justificar. O medo a consumia, não podia confiar. E se isso ao invés de ajudar, terminasse de condenar a única pessoa no mundo que nunca a feriu?Se descobrissem, se soubessem q
Dállia sentia como se o olhar de Olívia tentasse decifrar seus pensamentos, desmascarar seus verdadeiros motivos. Mas Olívia não podia entender. Ninguém podia. Ela tinha apenas uma certeza, salvar Tank. A qualquer custo e como alguém poderia compreender aquilo?Foi então que Olívia disse algo que fez Dállia ter ainda mais certeza de que não estava sendo compreendida. — Você acha que ele te enxerga e que, mesmo sendo a pior coisa do mundo, ainda é o melhor que você merece.Olívia tinha certeza de que o desespero de Dállia não era o desespero de uma madrasta, imaginou que Tank também a forçava, talvez pai e filho dividissem a mulher, estava tão acostumada com a perversidade humana que pensou que o olhar triste de Dállia fosse resultado disso, de quem aceita o pior dos destinos e ainda é grata por ele. Já Dállia ouviu achando que Olívia era extremamente alienada, Tank nunca foi a pior coisa. Ele era sua salvação, sua luz em meio à escuridão. Como era possível que aquelas pessoas conv
Dállia sabia o que estava fazendo, perguntou arrumando a postura, cruzou a perna direita sobre a outra fazendo a saia justa subir ainda mais. Tinha aprendido com o primeiro dono. Muitas vezes foi obrigada a ser enfeite de mesa. Era assim que ele a chamava. O dono dela, também era o dono do morro e costumava fazer noites de jogatina na laje do sobrado em que morava. Os convidados eram os chefões do tráfico, os cabeças que comandavam a área, acompanhados de seus seguranças armados, esses eram conhecidos como frentes. Além deles, circulavam os vapor, os responsáveis por vender a mercadoria na ponta, e os fogueteiros, sempre atentos para avisar sobre a chegada da polícia. O ambiente era regado a ostentação, bebidas caras e olhares afiados, onde cada palavra dita poderia custar caro.Ela? Dállia era o enfeite de mesa. Estava ali para enfeitar e qualquer um podia colocar a mão. Era isso que o primeiro marido dizia. — Podem pegar, usar à vontade, até tirar pedaço, mas sem levar para casa
O rapaz normalmente fazia tudo antes do pai chegar e se trancava no quarto com a irmã, mas naquele dia, ele havia se atrasado, esqueceu da hora jogando futebol com os outros rapazes do condomínio e acabou precisando lavar os vestidos de Amara durante a noite.Russo chegou e não gostou de ver o filho ali, fazendo uma tarefa que ele julgava ser exclusivamente feminina. Agarrou Tank pela camiseta e puxou com força, a gola marcou o pescoço do rapaz, o tecido rasgou, já era velho, ganhada de um dos colegas.Mas quando se levantou Russo o acertou com um soco o garoto caiu e bateu a cabeça na quina de uma espécie de balcão que havia na cozinha para guardar louças. A pancada foi tão forte que a dor se espalhou, ficou um tempo perdido entre a consciência do sangue quente que escorria entre seus dedos e a escuridão que tentava tomá-lo. Foi o grito de Amara que o despertou, o choro infantil e indefeso que chamava seu nome.— DODÔ! DODÔ!Era assim que Amara o chamava, nem se lembrava do porque, j
Um raio de sol entrava por uma pequena fresta aberta da janela, a casa de madeira era escura e o cheiro estranho, mas o brilho que entrava potente a encantou. Partículas de poeira dançavam na luz enquanto o corpo de Dállia se movia com o impulso do corpo velho sobre o dela.Os sons eram estranhos, bizarros, mas ela se focou na luz, no tímido raio solar e na poeira dançante. Já estava acostumada com a dor, a maioria das vezes nem incomodava mais.Foi virada de bruços sobre a mesa, a toalha branca ficou enrolada sob o seu corpo, os movimentos continuaram, firmes, violentos e acompanhados daqueles ruídos animalescos.E foi exatamente nesse minuto que tudo mudou.Quando Dállia foi virada sobre a mesa ela lamentou que não pudesse mais olhar para a luz e foi na escuridão que seus olhos cruzaram com os de Tank pela primeira vez.Ele estava ali, parado, olhando para ela como se visse um animal ser abatido. Uma mistura de desprezo e pena que a fez fechar os olhos, segurou mais firme na borda d