Capítulo VIII

Owen Santa Cruz

"Todo mundo ama as coisas que você faz

Desde o jeito que você fala

Até o jeito que você se move

Todo mundo aqui está te observando

Porque você dá sensação de lar "

Olhando os slides do trabalho feito com as joias a partir do projeto da Arlissa, vejo como ela é talentosa no que faz. As joias estão ficando lindas, e isso que ainda nem estão finalizadas. Imagine quando estiverem prontas!

— As joias são lindas, um sucesso garantido — disse Marco, o diretor de Contabilidade.

— E qual é o problema, então?

— Ela — responderam todos em uníssono.

Estamos em uma reunião com os diretores de cada setor da empresa. Afinal, nada pode ir ao mercado sem sabermos como será recebido.

— Ela? — perguntei, sem entender.

— Ela é negra, e sabemos muito bem que nem todos aceitarão comprar algo feito por uma mulher negra.

Olhei para eles, perplexo, engolindo a raiva que começou a crescer dentro de mim.

— Obama é negro e foi o melhor presidente dos EUA. Mandela era negro e foi o melhor líder que a África do Sul já teve. Michael Jackson era negro e até hoje é considerado o Rei do Pop. Então por que continuam inferiorizando os negros assim?

Levantei-me da cadeira, caminhando calmamente entre as mesas.

— Se as pessoas não quiserem comprar, venderemos para outros países, estados ou continentes. Se as vendas caírem, alcançaremos o topo de novo, mas com o trabalho dela. Porque o fato de ser negra não a diminui, muito menos a torna incapaz. Vocês deveriam se preocupar com o talento, as capacidades e competências dela, e não com a cor da pele.

Respirei fundo antes de continuar:

— Odeio o racismo mais do que qualquer coisa neste mundo. Então, aviso: mais um comentário como este, e despeço todos vocês. Entendido?

— Perfeitamente, senhor — responderam.

— A reunião acabou. Podem sair — finalizei, rosnando, ainda tomado pela raiva.

Todos deixaram a sala. Voltei para o meu escritório e me joguei na cadeira. Desde que Arlissa começou a trabalhar aqui, só ouço comentários desrespeitosos sobre ela por causa da cor da pele. Isso é ridículo. As pessoas não deveriam ser julgadas pelo tom da pele, mas por suas qualidades, caráter e personalidade. É estupidez pura.

Levantei decidido a ir até a sala dela. Peguei o elevador e desci até o andar onde ela estava. Passei por algumas pessoas até chegar à sua sala. Bati na porta algumas vezes, ouvindo um fraco "Entre".

Entrei com cuidado e, de imediato, notei seus desenhos espalhados pelo chão e alguns no lixo. Abaixei-me para pegá-los e fiquei impressionado com a beleza e a criatividade deles.

— Deixe aí, é lixo — a voz, baixa e arrastada, como se tentasse esconder alguma coisa, estava bem diferente da mulher que sempre tem uma resposta afiada e altiva para mim

— Para mim, não são. Para mim, são obras de arte que muitos designers gostariam de saber ou poder criar — respondi, colocando os desenhos sobre a mesa.

Aproximei-me com cautela, hesitando antes de tocar seu ombro. Lembrei que ela não gostava de ser tocada sem permissão.

— Eu amo videogames, neles, posso ser quem eu quiser. Não preciso me preocupar com o que as pessoas acham de mim. Lá, não sou julgada pela cor da minha pele, mas pelas minhas habilidades — O olhar baixo e sem foco demonstrava uma fragilidade que eu não imaginei ver nela

— Eu...

— Ouvi metade da sua reunião, Owen — ela me interrompeu, dizendo meu nome pela primeira vez. Fiquei surpreso com a forma como soava em seus lábios. — Eu não quero prejudicá-lo. Não quero que você perca clientes ou sua reputação por minha causa.

— Não vou deixar isso acontecer — a interrompi, firme. — Se minha imagem for manchada por ter uma profissional como você, que seja. As pessoas precisam aprender a aceitar as diferenças. A pele negra é linda, e ela não define quem somos.

Os olhos de Arlissa não brilhavam tanto quanto os dos outros; eles eram sempre um azul triste, distante, frio, como se o mundo já tivesse tirado tudo o que havia de bom nela, como se a cor azul tivesse perdido a força, tornando as sombras mais proeminentes. Mas, ao vê-los brilhar agora, pareciam o céu nos melhores dias de primavera, quando o sol acompanha e intensifica sua beleza. São imensamente lindos, os mais lindos do mundo.

— Obrigada — Com um sorriso sincero, Arlissa ergueu o corpo e a voz, demonstrando que seu momento de fragilidade havia passado.

— Posso sair por um momento? — perguntou, ainda sorrindo.

— Claro, pode sim.

Ela pegou sua bolsa e saiu, me deixando sozinho em sua sala. Voltei para o meu escritório, sentando-me para observar a cidade pela janela e refletir sobre Arlissa. Ela, definitivamente, não era uma pessoa comum. O jeito como evitava as pessoas e me olhava, como se pudesse enxergar a minha alma, era intrigante e incomum.

🌺🌺🌺

Passei o restante do dia resolvendo algumas pendências e me atualizando sobre os projetos em andamento. Bendita hora em que Arlissa apareceu, porque, sem ela, eu ainda estaria preso em uma encruzilhada, sem ideia do que fazer para a exposição. Apesar de ter sido adiada, ela continua sendo uma oportunidade valiosa.

Depois de inspecionar tudo, decidi ir para casa e relaxar. Saí do escritório, apagando as luzes, e percorri o corredor em direção à oficina para dar uma última olhada. Quando cheguei, percebi uma luz acesa no fundo. Estranhei, porque não era para ninguém estar ali àquela hora.

Me aproximei da mesa do fundo com cautela e espiei por alguns instantes, à espera de movimentos, mas não vi nada. Continuei me aproximando, e, para minha surpresa, Arlissa esta sentada em uma dos bancos , olhando fixamente para uma pedrinha brilhante que segura em sua mão, como se quisesse se fundir à joia de tão concentrada que esta. Tentei olhar um pouco mais, mas meus olhos protestam. Droga, precisava voltar ao oftalmologista, e rápido. Esfreguei os olhos e decidi me aproximar da mesa onde ela estava.

— Olá — cumprimentei.

— Oi. Algum problema? — perguntou, sem desviar os olhos da pedra.

— Nenhum, mas já está bem tarde para você estar aqui.

— Eu sei. Já estou saindo.

Ela colocou a joia de lado, tirou os óculos e arrumou tudo antes de pegar sua bolsa.

— Boa noite, Santa Cruz — despediu-se, caminhando para a saída.

Me virei a tempo de vê-la de perfil e mordi o lábio, observando a graciosidade de seus movimentos e o jeito como sua bunda balançava. Ela tinha um andar confiante, quase imbatível, como se fosse mostrar a todo mundo que ela chegou para ficar e que sua presença tinha poder. Engoli em seco e balancei a cabeça, Melhor não ficar pensando demais sobre isso.

Apaguei as luzes e desci até a garagem. O ambiente escuro tinha uma vibe de filme de terror, que foi quebrada por vozes altas. Segui o som e encontrei Bruce discutindo com alguém. De longe, parecia ser uma mulher. Droga, precisava ir ao oftalmologista

Aproximei-me mais e percebi que é à Arlissa.

— Pare de ser teimosa e entre no carro! — Bruce dizia, claramente irritado.

— Já disse que não, e ponto! — Arlissa respondeu, com a voz firme e raivosa.

— Posso interromper? — me aproximo mais e encaro os dois claramente.

— Já interrompeu — responderam os dois, em uníssono.

— Pois bem. Quero ir para casa, e vocês estão discutindo há um bom tempo. Então...- tento aliviar o clima.

— Arlissa, por favor! — Bruce insistiu, respirando fundo.

— Não.

— Sabe, geralmente casais resolvem seus problemas em casa... — comentei, recebendo olhares fulminantes dos dois.

— Não somos um casal, seu idiota. Somos irmãos — Arlissa soltou, impaciente.

Ah, faz sentido. Bruce é irmão da Samanta, e Samanta é irmã da Arlissa.

— Ok, desculpem. Mas podemos ir agora?

Arlissa bufou, abriu a porta do carro com força e entrou, batendo a porta.

— Você tem irmãs difíceis — comentei para Bruce.

— Nem me fale — supirou demonstrando alivio e entrou no carro.

Entrei em seguida, e Bruce deu partida.

— Aliás, queria esclarecer uma coisa com você — Arlissa tirou o olhar da janela e me encarou

— Ah, é? O quê?

— Você me roubou o título de tio preferido dos meus sobrinhos. Como se não bastasse, roubou toda a aparência deles também.

Ela riu alto, e adorei ouvir o som do seu sorriso

— Primeiro, esse título nunca foi seu; sempre foi meu. Segundo, minha irmã os gerou para mim. Eles são basicamente meus filhos.

— Isso só é verdade porque você tem um monte de videogames — respondi, divertido.

— Acredite no que quiser.

Ela riu e voltou sua atenção para a janela.

Ri também e me distraí no celular, vendo fotos da minha avó tiradas nas férias. Só percebi que havíamos chegado quando Bruce abriu a porta do carro para mim.

— Boa noite, Arlissa. Boa noite, Bruce.

— Boa noite, Owen — responderam, enquanto eu caminhava para dentro da minha casa.

Ao entrar, fui recebido pela cena caótica de minha irmã brigando com o namorado, enquanto Daiana assistia à discussão com um balde de pipoca nas mãos. Como o irmão mais velho incrível que sou, sentei ao lado dela e roubei um punhado de pipoca.

— Se você quer tanto aquela mulherzinha, então fique com ela! — Dafne gritou.

— Mas que mulherzinha? Eu não estive com ninguém! — Aiden parecia estar falando a verdade, mas preferi continuar assistindo e comendo pipoca.

— Na sorveteria! Eu vi vocês juntos, em clima de intimidade!

Aiden estreitou os olhos, tentando lembrar, e logo explodiu em gargalhadas.

— Está achando graça, seu idiota? — Dafne pegou um vaso e atirou nele, mas Aiden conseguiu desviar a tempo.

— Isso é melhor que N*****x — comentou Diana, rindo enquanto comia outra pipoca.

— Seu problema é que você é muito ciumenta. A mulher com quem eu estava é Dalissa, minha irmã gêmea.

Daiana e eu congelamos, pipoca na boca.

— Você tem uma irmã gêmea? — perguntamos, incrédulos.

— Sim, sou gêmeo da Arlissa.

O quê?!

— Mas vocês são tão diferentes! — Dafne exclamou.

— Só fisicamente, porque o resto somos idênticos.

Agora que prestava atenção, fazia sentido. Aiden realmente parecia muito com Arlissa.

— Ah... desculpa, amor. Fiquei com raiva e ciúmes e agi como uma boba infantil.

Eu não a culpava. Ciúmes e possessividade eram marcas registradas da família Santa Cruz, independentemente do gênero.

— Já acabou? — perguntei, desiludido.

— Sim, Owen. Já acabou — respondeu Aiden, antes de puxar Dafne para um beijo.

Revirei os olhos e decidi ir para o meu quarto. A diversão tinha acabado.

Subi, tomei um banho relaxante e me joguei na cama. Enfim, o sono me abraçou, e senti-me feliz com isso.

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