João e Cátia sempre foram bons para mim, me tratam como se eu fosse da família, como se eu fosse filha deles. Eu sei disso. Mas, desde que encontrei esse contrato, não consigo evitar um desconforto quando estou com eles. É como se algo estivesse preso dentro de mim, algo que eu não consigo ignorar. Eu só queria resolver isso. Queria poder amá-los de coração aberto, sem dúvidas, e aceitar o amor deles da mesma forma. Felipe deu um sorriso leve. — Tal pai, tal filha. Fiquei paralisada. Ele disse isso com tanta naturalidade, mas não foi ele mesmo que, minutos atrás, afirmou não se lembrar do meu pai? Então ele mentiu. Mas por quê? Minha respiração ficou pesada, e apertei as palmas das mãos com os dedos, tentando me concentrar. Felipe soltou um leve riso, como se tivesse percebido minha tensão. — João fala de você e do seu pai o tempo todo. Caso contrário, como eu lembraria de alguém que só vi duas vezes há mais de dez anos? Minha garganta ficou apertada. — O tio João
Porque João e Cátia me deram o amor de uma família, tinha tanto medo de que esse amor acabasse sendo uma piada. Mas será que a palavra de Felipe é confiável? Eu sabia que ser tão desconfiada não era bom, mas a morte dos meus pais tinha custado duas vidas. Só que eu não sabia como continuar perguntando. Então, permaneci em silêncio. — Menina, você provavelmente ainda não sabe, mas o João tem um “cofrinho” pessoal. — Disse Felipe, com um tom casual. Olhei para ele surpresa. Ele deu um leve sorriso. — Não pense bobagem, João e eu somos bem diferentes. Isso me fez rir por dentro. Pelo menos Felipe tinha consciência de quem era. Todos sabiam que ele tinha mais amantes do que dedos em uma mão. Mas, curiosamente, também diziam que, apesar de tantas mulheres, ele só tinha um filho: Anthony. — O tio João e a tia Cátia se dão muito bem. — Comentei, tentando mudar o tom. Felipe riu de novo. Mas dessa vez, seu sorriso parecia carregar algo que eu não consegui decifrar. — O tal
— Mana! — Augusto apareceu na minha frente com aquele sorriso cínico que só ele sabia dar. Era incrível como o azar tinha o dom de me colocar cara a cara com pessoas que eu menos queria ver. Suspirei, puxando um sorriso forçado: — O que foi agora? Fez besteira? Augusto não era do tipo que aparecia em um lugar como aquele sem uma boa razão... Ou melhor, sem uma encrenca. Ele deu de ombros e, sem o menor constrangimento, confirmou: — Pois é, dirigindo sem habilitação. Na hora, lembrei do convite que ele tinha me feito para o aniversário dele. Ele ainda era menor de idade. — Meus parabéns. — Ironizei, sem perder a chance de alfinetar. — Obrigado! — Respondeu ele, com aquele jeito irritante que parecia imune a qualquer provocação. Revirei os olhos. Eu tinha coisas mais importantes para resolver e não ia perder tempo com ele. Voltei minha atenção para o funcionário, que ainda estava procurando os arquivos que eu tinha solicitado. Talvez por ser um caso antigo, ele parecia
Um cara de quase um metro e oitenta, e quase me derrubou. Cambaleei um pouco, mas antes mesmo de conseguir xingá-lo, Lídia já vinha em nossa direção. O rosto dela estava fechado, com uma expressão que beirava o assustador. Por um instante, me dei conta de como Lídia era feia. E me perguntei como, em algum momento, eu já tinha achado que ela era bonita. Talvez fosse isso que chamavam de “a aparência reflete o coração”. A Lídia de hoje era alguém amarga, distorcida por dentro. E agora, parecia que o exterior dela também tinha mudado. — Augusto, vem aqui. — Disparou ela, furiosa, sem nem se preocupar em disfarçar. — Mana, me salva! — Augusto implorou, escondendo-se atrás de mim como uma criança que não sabe o que fazer. Que droga. Xinguei mentalmente, já perdendo a paciência. Soltei um resmungo irritado: — Me solta! — Mana, por favor, me ajuda! — Insistiu ele, grudado em mim como um chiclete, com aquele tom meloso que me dava nos nervos. Respirei fundo, cerrei os dentes
Sebastião e Lídia me tratavam assim porque, no fundo, achavam que eu era fácil de pisar. Achavam que minha falta de reação era fraqueza, mas não percebiam que era desprezo. Se era isso que pensavam, então era melhor deixá-los saber que até as facas mais afiadas tinham dois gumes. Minhas palavras cheias de espinhos fizeram Sebastião endurecer o rosto na hora. — Carolina... — Solta minha mão! — Exigi mais uma vez, fria. Ele, no entanto, continuou segurando o carro e disse, com a voz baixa: — Não tô te culpando por nada. Só quis... Te avisar. — Avisar pra quê? Quer me provocar, é isso? — Retruquei, cada palavra mais cortante que a anterior. — Não precisa. Nem quero ouvir. Vi os músculos de sua mandíbula tensionarem e uma veia saltar na lateral de sua testa. Ele estava se esforçando para manter a calma, mas sabia que eu estava testando seus limites. Se fosse em outro momento, ele já teria dado as costas e saído batendo a porta. Mas hoje, algo nele parecia diferente. Ele m
— Seja honesto, você já fez amor com Carolina?A voz rouca do homem se espalhou pelo vão da porta, fazendo com que eu, prestes a entrar, parasse meus passos. Através do vão, observei os lábios finos de Sebastião pressionados de leve.— Ela tentou, mas eu não estava interessado.— Sebastião, não humilhe a Carolina dessa maneira. Ela é uma das mais belas do nosso círculo social; muitos caras estão interessados nela.Quem falou isso foi Pedro Santos, amigo íntimo de Sebastião e testemunha dos nossos dez anos de relacionamento.— Estamos muito familiarizados, você entende? — Sebastião franziu as sobrancelhas.Quando eu tinha quatorze anos, fui enviada para a casa dos Martins, onde conheci Sebastião pela primeira vez. Desde então, todos me disseram que ele seria meu futuro marido. E assim vivemos juntos por dez anos.— Isso mesmo, vocês trabalham na mesma empresa durante o dia, veem um ao outro o tempo todo, e à noite vocês comem na mesma mesa. Devem se conhecer tão bem que até sabem quanta
Sebastião levantou a cabeça ao ouvir o som da porta, e seu olhar parou no meu rosto. Ele deve ter notado minha expressão.— Está se sentindo mal? — Ele franziu ligeiramente a testa.Caminhei silenciosamente até sua mesa, engolindo o amargor que subia em minha garganta, e falei: — Se você não quer casar comigo, posso falar com sua mãe.As rugas entre as sobrancelhas de Sebastião aprofundaram; ele percebeu que eu tinha ouvido sua conversa com Pedro.A amargura voltou à minha garganta, e eu continuei: — Nunca pensei que me tornaria uma pessoa com quem você se sente desconfortável em estar, Sebastião...— Para todos, já somos marido e mulher. — Sebastião me interrompeu.E daí? Ele quer casar comigo por causa dos outros? Eu queria que ele case comigo por me amar, por querer passar o resto da sua vida comigo.Com um clique suave, Sebastião fechou a caneta que segurava, seu olhar caiu sobre o documento em minhas mãos, e disse: — Vamos pegar a certidão de casamento na próxima quarta-feira.
O dia todo, fiquei pensando sobre essa questão. Até à tarde, quando ele veio me chamar, eu ainda não tinha a resposta, mas o segui mesmo assim.O hábito era algo terrível. Em dez anos, me acostumei com ele e também a voltar para a casa dos Martins depois do trabalho.— Por que você não está falando? — No caminho de volta, Sebastião provavelmente percebeu que eu estava de mau humor e perguntou.Fiquei em silêncio por alguns segundos e, finalmente, comecei a falar: — Sebastião, e se nós...Antes que eu pudesse terminar a frase, o celular dele tocou. O viva-voz mostrou um número não identificado, mas eu vi claramente que Sebastião apertou o volante com força. Ele estava nervoso, algo raro.Instintivamente, olhei para o rosto dele, mas ele já tinha desligado o viva-voz e atendido com o Bluetooth: — Alô... Ok, estou indo agora.A ligação foi curta. Ele desligou o telefone e olhou para mim. — Lina, tenho uma urgência para resolver e não vou poder se levar para casa.Na verdade, antes mesm