Esther havia chegado à emissora há poucos dias. Já tinha conseguido gravar o nome de todos os colegas de trabalho, mas isso não significava que tinha tido a chance de conversar com todos eles. Como, por exemplo, Gabriela, que estava ali na sua frente. Nunca haviam trocado uma palavra até aquele momento.— Sim, foi o que ela disse. — Esther se abaixou para pegar os papéis que haviam caído no chão.Gabriela, no entanto, não gostou nem um pouco daquilo. Seu rosto se fechou e a insatisfação era visível no tom cortante de sua voz:— Por que a chefe te deu essa tarefa? Você mal chegou aqui, e já acha que pode pegar um trabalho desse calibre?Esther percebeu o veneno nas palavras de Gabriela e tentou manter a calma.— Para ser sincera, eu também acho que talvez eu não seja a melhor pessoa para isso. — Ela sabia como funcionava o ambiente competitivo. Provavelmente, essa tarefa era vista como algo valioso, quase como uma joia a ser disputada. Esther levantou o olhar para Gabriela e perguntou d
— Tudo bem. — Esther respondeu brevemente, sem muita emoção.Gabriela, ao notar a falta de reação dela, parecia pronta para dizer mais alguma coisa, mas logo mudou de ideia. Achar que Esther merecia tanta atenção seria perda de tempo. Voltou a adotar sua postura altiva, ajeitou os documentos debaixo do braço e, com passos firmes e precisos de seus saltos altos, saiu pisando duro.Eduarda, observando Gabriela se afastar, não resistiu e fez uma careta, zombando da atitude dela.Esther, que percebeu os pequenos gestos da colega, não pôde deixar de perguntar:— O que foi? Gabriela te incomodou de alguma maneira?Eduarda suspirou, como se estivesse aliviando uma frustração que já vinha guardando há tempos.— Ela incomodou muita gente aqui, não só eu. Sabe como é, todo mundo tem que engolir a raiva porque, afinal de contas, ela é a estrela da emissora!— Ela deve ter suas razões. Quem consegue bons resultados normalmente é porque sabe como lutar por isso, mesmo que precise ser agressiva às v
Gabriela pegou a garrafa térmica com um sorriso confiante estampado no rosto e disse animadamente:— Dessa vez eu tenho certeza que vai dar certo. Quando eu conseguir, vai ser promoção na certa! Aumento de salário, e o melhor: já saiu uma notícia interna de que a editora-chefe vai ser transferida. E quem tem o melhor desempenho aqui? Eu! Esse cargo vai ser meu! E quando eu estiver lá em cima, podem ter certeza de que não vou esquecer de vocês. Vou garantir que vocês cresçam junto comigo!— Nossa, isso é maravilhoso! Muito obrigada, Gabriela! — Disseram as duas assistentes, empolgadas.Elas sabiam que o futuro delas na emissora dependia diretamente do sucesso de Gabriela. Se ela conseguisse o cargo de editora-chefe, elas também seriam beneficiadas.Determinada, Gabriela não perdeu tempo e começou a ligar novamente para o Grupo Mendes. Foram várias tentativas, mas as respostas eram sempre as mesmas. Ela sabia que insistir apenas pelo telefone não daria resultado. A experiência a tinha en
— Panorama TV. Eu sou da Panorama TV! — Gabriela exclamou com entusiasmo ao perceber que Marcelo finalmente lhe deu atenção. Ela aproveitou a oportunidade para empurrar o segurança de lado e se aproximar de Marcelo. — Aqui está meu crachá, pode conferir. Sou de uma emissora de renome, já entrevistei várias celebridades. Sr. Marcelo, se o senhor aceitar falar comigo, prometo que a entrevista vai ser um sucesso, vai aumentar ainda mais sua fama e seus ganhos...Gabriela continuou falando sem parar, exaltando suas conquistas profissionais, garantindo a Marcelo que uma entrevista com ela seria uma oportunidade única. No entanto, Marcelo, com uma expressão impassível, não parecia interessado em suas palavras. Seu foco estava em outro lugar. Se ele não estava enganado, Panorama TV era o mesmo canal onde Esther estava trabalhando. Marcelo ainda não conseguia entender a razão de Esther ter escolhido aquele emprego, que para ele parecia uma forma de recomeçar do zero. Ela tinha passado anos a
— Gabriela — Chamou uma das assistentes, tentando pensar em uma solução. Ela se aproximou dela e sugeriu. — Você sabia que a nova repórter veio do Grupo Mendes?— Quem? — Gabriela lançou um olhar curioso para a jovem.— Aquela tal de Esther. Ouvi dizer que o antigo chefe dela era o Sr. Marcelo. Talvez ela possa ajudar.A surpresa tomou conta de Gabriela por um instante. Normalmente, ela não dava a mínima para a origem das pessoas que trabalhavam na emissora. Se não ajudavam diretamente no seu trabalho, não via necessidade de se interessar. Além disso, já fazia quatro anos que ela estava na emissora, e até agora ninguém tinha superado suas habilidades como repórter.Ela tinha uma reputação de solucionar os problemas mais difíceis, e a editora-chefe sempre confiava nela. Sabia que, se conseguisse aquela entrevista com Marcelo, sua ascensão na carreira seria garantida. Agora, fazia sentido que a editora-chefe tivesse dado a tarefa para Esther. Afinal, o fato de Esther ter trabalhado no G
Esther não era tola. Já tinha ouvido falar bastante sobre Gabriela através de outras pessoas. Sabia que ela sempre queria ser a melhor em tudo e nunca permitiria que alguém novo na equipe ofuscasse seu brilho.Ao perceber que havia sido desmascarada de forma tão precisa, Gabriela ficou com a cara no chão e uma raiva crescente em seu peito.— Chega de conversa fiada, você tem que ir comigo! — Disse Gabriela, tentando manter a autoridade.— Tenho outras coisas para fazer. Vou indo! — Esther, no entanto, permaneceu firme.Ela passou diretamente por Gabriela, deixando claro que não se deixaria ser manipulada.Gabriela, vendo seu controle escorrer pelos dedos, bateu o pé no chão, frustrada, e gritou:— Esther!Mas Esther nem se virou para responder, continuando seu caminho como se Gabriela não existisse. Todo o escritório assistiu à cena em silêncio, sem ousar dizer uma palavra. Nunca tinham visto alguém tratar Gabriela com tanto desprezo.Saindo da emissora, Esther chamou um táxi e seguiu
Depois de entender melhor a situação do orfanato, Esther saiu do prédio e avistou uma menininha de uns três ou quatro anos sentada sob uma árvore de bambu, com um doce nas mãos, olhando para ele com uma concentração que comoveu Esther.Ao ver aquela cena, ela se aproximou, sentando-se ao lado da pequena.— Esther. — Chamou a menina, com uma voz doce e inocente, levantando o olhar cheio de ternura.— Por que você não está comendo o doce? — Esther sorriu e perguntou.A menina baixou os olhos, segurando o doce com delicadeza em suas pequenas mãos e, com uma voz suave, respondeu:— Eu não quero gastar tudo de uma vez.— E por que não? — Esther perguntou, curiosa.— Eu ouvi eles falando que esse doce é uma delícia, o melhor que eles já comeram. — Disse a menina, lambendo os lábios. — Tenho medo de acabar e nunca mais ter outro. Então eu pensei em lamber só um pouquinho de cada vez, assim vai durar mais, por muito tempo...Ela deu uma leve lambida no doce, com todo o cuidado, como se fosse a
As palavras de Marcelo eram diretas e um tanto ríspidas, mas suas ações diziam o contrário. Embora o Grupo Mendes já tivesse feito várias ações beneficentes, Marcelo nunca havia se envolvido pessoalmente dessa forma antes. — Não é que só eu possa vir aqui. É que, assim que eu chego, logo depois você aparece e manda os caminhões com doações. Não tem como não achar estranho. Mas se você diz que não foi, então eu não vou perguntar mais nada. — Esther então comentou.Ela sabia que tinha outras prioridades e não podia se dar ao luxo de ficar discutindo com Marcelo. Além do mais, ele claramente não estava nada satisfeito com a presença dela ali.Marcelo, por outro lado, franziu as sobrancelhas ao vê-la desinteressada com a situação. Ele já estava insatisfeito com várias atitudes dela, e agora sua frieza parecia ser a gota d’água.De repente, uma gritaria infantil interrompeu seus pensamentos.— Senhor! Senhor! — Várias crianças começaram a correr em direção ao carro de Marcelo, seus pequeno