Augusto encara Domingos, engolindo em seco. Havia preocupação em seus olhos.
— Você acha que o país pode entrar num colapso financeiro? — pergunta de chofre, encarando o amigo.
— Não sei. Talvez. Por outro lado os banqueiros são fortes e há muitos bancos naquele país. Mas o meu lema é prudência. Se nada acontecer, volto para lá. Espero que nada aconteça. E você, ainda continua morando em São Carlos?
— Sim. Apareça qualquer dia desses. Acho que ainda se lembra do caminho para a fazenda, não é mesmo?
— E como poderia esquecer? Passamos ótimas férias pulando naquelas águas e ouvindo seu pai ralhando conosco. E como estão todos?
— Papai faleceu a pouco mais de dois meses.
— Sinto muito, Augusto. Ele era um grande homem.
— Também sentimos. Vemo
Devo confessar que senti um misto de satisfação, misturado a certa apreensão ao ver Verônica em minha porta.— E aí? Posso entrar? Trouxe algo para comemorarmos. — Sorriu travessa.— Comemoração? Isso é sempre bom. A que devo a honra? — Perguntei, deixando-a entrar.— Pegue as taças, enquanto me ajeito aqui. — Pediu, sentando-se no sofá, apoiando a garrafa na mesa de centro.— Então! Não vai me dizer? Estou curioso. — Entreguei-lhe uma taça, enquanto pegava o vinho para abri-lo.— Bom, já disparei em meu blog as informações sobre seu trabalho. Contatei algumas pessoas que se mostraram interessadíssimas. Até mesmo uma grande editora quer se encontrar com você.&m
Sentado à mesa do escritório da fazenda, cansado de tantos papéis sem sentido, Ângelo se pega arquitetando planos para juntar Mercedes e Augusto. Cada estratégia acabava em nada. Era como tentar unir dois polos de mesmo sinal. Teria que apostar em algumas lágrimas da moça para amolecer o coração empedernido do irmão. Mas como chegar a isso? Bastaria um simples beijo e quem sabe na frente do Coronel? Entretanto os tempos eram outros. Na época de seus pais isso teria dado certo, mas quase nos anos trinta, onde as mulheres estavam fazendo campanhas para votar, depois de todo aquele movimento sufragista na Europa, não daria muito certo. Tem que haver outra maneira. Um ataque? Isso seria interessante.Armar um ataque contra a pobrezinha da moça indefesa, deixando-a debulhar-se em lágrimas, talvez despertasse em Augusto seu lado cavalheiresco e o desejo de consolá-la. Teria que r
Augusto quer acreditar no irmão caçula. De alguma forma conseguira viver até agora sem recorrer ao dinheiro da mãe. Por outro lado, seu instinto lhe avisava para não confiar totalmente. Havia algo que o estava deixando nervoso. Mesmo nos momentos em que tentava manter a máscara de galanteador, de homem de movimentos finos e astutos, por baixo havia tensão; imperceptível para quem não o conhecia, mas não para Augusto.— Vou correr os campos de café — anuncia Ângelo, louco para deixar a presença intimidadora do irmão — Talvez precisem mais de mim lá.Ao deixar o escritório, quase esbarra em Glória, que se encontrava com a mão na maçaneta, pronta para entrar.— Estavam brigando de novo? — Perguntou, preocupada.— Apenas incompatibilidade de opiniões. Queremos coisas diferentes.&
Glória percebe cada vez mais a presença de Mercedes na fazenda, que antes fora sossegada e caudalosa. Ela e Ângelo andavam aos cochichos pelos cantos e, sempre que via uma oportunidade, se enfiava no escritório de Augusto e o arrastava para passeios sob as sombras das árvores, com a desculpa de querer aprender tudo sobre a administração e alojamento dos colonos. O que uma moça da cidade, que até então só vivia atrás de bailes pomposos, iria querer com poeira, café e animais? Era claro seu interesse por Augusto, que parecia não perceber os avanços da moça. Se não conhecesse Ângelo tão bem, apostaria que essas visitas constantes tinha o dedo dele. Mas qual o objetivo? Unir duas famílias importantes e aumentar o patrimônio dos Corvecchio? Augusto não precisa de mais dinheiro. Todas as finanças estão em ordem, não h&a
— Gostaria de conversar um pouco — diz Mercedes, diante do olhar inquiridor de Gloria — Sinto se fui muito arrogante com você. Sabe, não costumo tratar as pessoas assim, é só que...Glória não fez nada para ajudar a moça a concluir fala. Em seu íntimo duvidava da recém-gentileza, preparando-se para o que estava por vir.— Bem, vou ser franca com você. Pensei que houvesse interesse de sua parte em Augusto, contudo, Ângelo me disse que você o tem como um pai, um benfeitor. Que ele lhe resgatou das ruas...— Eu nunca vivi nas ruas. — Retrucou trincando os dentes.— É claro que não. Perdoe-me. O que estou tentando dizer é que pensava que você fosse apaixonada por Augusto e isso me incomodou. Você é uma mulher bonita e vive muito próxima a ele. Eu o amo desde que éramos crianças.<
Dias se passaram desde que Glória ouviu Mercedes declarar seu amor por Augusto. Estava cada vez mais decidida a romper suas barreiras, o que fazia Glória ranger os dentes em desespero. Mercedes se comportava como se a fazenda já lhe pertencesse. Agia como se fosse a dona. Dava ordens gentis aos empregados, sorria com candura conquistando-os cada vez mais. E quase sempre que podia, arrastava Augusto para longos passeios pelos campos de café. Era difícil assistir o entrosamento dos dois, ficando relegada ao que sempre fora: uma simples secretária. Até mesmo Ângelo parecia enfeitiçado pelos seus encantos de Mercedes. Só sabia tecer elogios a quem quer que estivesse disposto a ouvi-los.Entre as duas havia um respeito mútuo. Agora que Mercedes tinha a certeza de que Glória nada sentia por seu pretendente, tratava-a como a irmã que nunca tivera. Chegou até a ralhar com Ângelo em
— Não sei... — Augusto responde, vendo a sombra passar pelos olhos de Glória.— Seria capaz de deixar tudo, essa vida que conhece desde menino, sua família, amigos, por causa de um único amor?Seu silêncio era a resposta de que Glória precisava. Desvencilha-se dele e corre porta afora, deixando-o estático no meio do corredor, enquanto ouvia o som do gramofone tocando na sala de visitas, possivelmente por Ângelo. Ela toma a direção da picada que desemboca nas águas capazes de lavar seu pranto. Se tudo terminasse naquele instante a dor iria embora para sempre. Joga-se nas águas escuras e busca as correntezas. Nunca aprendera a nadar, mesmo enquanto ainda vivia com os pais. Naquela profundeza a água encontrava-se fria ao atingir seu peito. Sente as ondas balançarem seu corpo, jogando-a para frente e para trás. Ergue os olhos para o céu l
Ter Marina se abrindo daquela forma para mim, ao mesmo tempo em que era maravilhoso, também era assustador.— Eu entendo. Mas se acostumar com uma pessoa não significa que você está feliz.— Não significa se a outra pessoa não sente o mesmo. Sabe, a gente vai percebendo as rupturas nas pequenas coisas. Todas as vezes que ameaçava deixá-lo, ele se comportava como se não quisesse nossa separação. Conversava com minhas amigas, sondava e pedia para falarem comigo a seu favor. Mas porque ele próprio não fazia isso? Por que não falava o que sentia? Eu nunca soube o que ele realmente esperava do nosso relacionamento. Como um homem bonito, desejado por tantas mulheres, que adora se mostrar e se sentir o tal, não sabe expressar seus sentimentos? Toda vez que dizia que não estava dando mais, ele simplesmente falava pra eu fazer o que achasse melhor.&