Lily.
O brilho deslumbrante das lantejoulas prateadas em meu vestido refletia-se no espelho do quarto do casal. A luxuosa limusine, elegantemente estacionada à porta de casa, aguardava-me para conduzir ao Dolby Theatre, em Los Angeles. Aos 21 anos, encontrava-me indicada para um prestigioso prêmio da Academia de Cinema de Hollywood, sendo reconhecida como a melhor atriz coadjuvante. Nesse momento crucial da minha carreira, eu brilhava como a estrela mais radiante no vasto céu da indústria cinematográfica. Contudo, por trás desse sonho, uma realidade sombria e deteriorada se escondia, revelando-se por entre as cortinas e câmeras.
Mesmo após estar elegantemente trajada, optei por abandonar o deslumbrante conjunto de brilho. Despojei-me das joias suntuosas e do vestido, aproveitando o fato de que Jack, meu parceiro e talentoso ator, já havia seguido para a cerimônia antes de mim. Fui rápida em dar seguimento ao meu meticulosamente planejado plano de fuga. Deslizei a mala preparada de debaixo da cama, mudei meu visual ao adotar uma peruca preta e lisa, e recolhi os documentos falsificados obtidos no mercado clandestino para a viagem. Desci para o carro, adotando a nova identidade de Lily e deixando para trás o nome Sara Jim. Em menos de meia hora, já estava no hangar do aeroporto internacional, pronta para embarcar no avião fretado. O motorista contratado exclusivamente para esse trajeto foi recompensado para desaparecer, mantendo meus atos em absoluto sigilo.
O avião particular decolou uma hora após minha partida do aeroporto de Los Angeles. Antecipava que Jack só perceberia minha ausência ao notar que meu rosto não estava entre as indicadas. Nosso relacionamento era mantido em estrito segredo, escapando assim das incômodas lentes dos paparazzi que perturbam a vida dos famosos. Na aeronave, brindei com champanhe e, ao mesmo tempo, chorei pela difícil decisão que tomei. Deixá-lo não foi algo simples, mas naquela época era a única solução viável. Hoje, após 15 anos desde que me afastei, meu coração ainda palpita descompassadamente ao relembrar daqueles momentos tão intensos.
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Anos Depois...
Em meio à tranquilidade da lanchonete do hospital principal de Cannes, eu tentava relaxar, após realizar uma cirurgia de seis horas. A pequena Béatrice de apenas quatro anos fora vítima de um grave acidente e eu havia lutado arduamente para salvá-la. Meu corpo doía sob os holofotes cirúrgicos e o cheiro de formol impregnava meu jaleco. O cansaço era tão grande que não percebi o lugar encher-se em poucos minutos, enquanto alguém ligava a TV. Meus pensamentos estavam focados na salada e no suco, o estômago roncava no compasso da fome, depois de mais de oito horas sem nada comer.Nesse momento, Candance entrou como sempre descontraída.
— Lily, Lilly. Você está bem? Nossa Lily, você está um trapo! Como foi o caso? — Questionou, parada ao meu lado, olhando para a sala ao redor, colocando um café nas minhas mãos. Contei a ela sobre os desafios da cirurgia. — Você realmente está bem? — Perguntou com preocupação.— Sim, estou. Por quê? Que aglomeração é essa na lanchonete?— Amiga, em que mundo você vive? Hoje é o dia de abertura do Festival de Cannes. A cidade está fervilhando com artistas magníficos. — Sorri nervosamente, pois não fazia sentido pensar em festividades naquele momento.— Saí de casa sem comer e quando cheguei já estava uma correria aqui no hospital, terminei de fazer uma cirurgia de quase seis horas. A criança tem apenas quatro anos e quer que eu me lembre do festival de cinema de Cannes, Candance?— Que mau-humor é esse! A criança está viva, graças a você, doutora.Imediatamente, percebi a grosseria na minha voz quando falei com ela. Candance, após resmungar uma resposta à altura, mordeu o sanduíche mais forte do que o normal, ainda de pé, parada ao meu lado. Isso indicava sua insatisfação.— Peço desculpas — falei, acariciando a sua mão — e sente-se comigo. Estou cansada e você sabe como fico depois de uma cirurgia, especialmente ao envolver uma criança.— Não precisa se desculpar. Você está estressada. Foca apenas no trabalho. Lily, há quanto tempo não se diverte com um homem? Qual é o problema de assistir atores famosos desfilando no tapete vermelho? Você precisa relaxar, mulher. Na vida, nem tudo é trabalho. Existe vida além desse hospital. Por acaso você já parou para pensar nisso.— Ok, ok. Sugiro, então, que aproveitemos o brilho do tapete vermelho.Olhei para a televisão que Candance e metade do hospital assistia… A sala estava lotada de mulheres em êxtase. Foi quando na TV vi a imagem de Jack Alton, meu antigo amor do passado que acabara de chegar e percorria o corredor principal. Meu coração disparou ao reconhecê-lo depois de tanto tempo.— Lindo, não é mesmo, Lily? — Questionou minha amiga, observando meus olhos fixos na tela. Meus olhos estavam presos ali, sem poder desviar o olhar. Ele estava mais velho, mas ainda era deslumbrante. Seu sorriso aberto trouxe lembranças de como ele costumava sorrir para mim, especialmente nas manhãs tumultuadas, quando os dois estavam envolvidos em gravações, roteiros e mídia.Pisquei com rapidez, tentando escapar da pergunta de Candance.
— Não o conheço. Você sabe que é raro eu assistir filmes, seriados e coisas do tipo. — Vou perguntar novamente, amiga. Em que mundo você vive? — Vivo no mundo do trabalho, que amo, aliás. E, ocasionalmente, algum tipo de relacionamento e muitas leituras. Você sabe o quanto gosto de ler. — Mas me diz, mesmo assim, olhando agora pela televisão. Ele é incrível! Já imaginou se eu o conhecesse pessoalmente? — Candance suspirou, quase como em um devaneio. — Acha que viveria um conto de fadas? — Respondi seriamente, mas com um sorriso travesso. — Tipo a Cinderela. Você seria a gata-borralheira e ele o príncipe rico, charmoso e bonito.Ela soltou uma gargalhada. — Não, só tiraria uma foto mesmo. Também sorri. Ela tinha esse dom; mesmo sendo séria e, às vezes, carrancuda, Candance conseguia sempre me arrancar um sorriso. Voltei a olhar para a tela e agora meus olhos estavam fixos nas imagens dele sozinho, em poses cada vez mais deslumbrantes. — Lily, você não está se apaixonando pelo Jack, não é? Não tire os olhos da tela. Veja todas as mulheres no refeitório. É uma competição acirrada. — Ela brincou. Pensei rápido e decidi que era hora de ir embora. Levantei-me e dei um beijo estalado na bochecha da alta mulher, de cabelos claros, olhos verdes e pele clara como a neve. — Aproveite a visão do seu ator. Preciso descansar e ir para casa dormir. — Passo lá para irmos trabalhar juntas. — Sim, comandante. — Brinquei, fazendo sinal de concordância. — Quero dizer, hoje estou de plantão. Tomarei café na sua casa. Minha antiga residência, à beira do mar, na avenida principal, era meu refúgio.Sentei-me no calçadão e respirei a brisa do mar. Era primavera; o sol aquecia o coração e as flores floresciam nos canteiros. O prédio, no qual eu morava, tinha três andares e seis apartamentos. Ninguém tinha conhecimento, mas eu era a proprietária de tudo aquilo. Os aluguéis dos apartamentos proporcionavam-me uma renda extra. Apesar de ser uma cirurgiã reconhecida na cidade, meu salário não seria suficiente para adquirir um prédio no valor de milhões de euros. Sendo assim, este era um dos meus segredos, bem guardado. Cansada da maresia e com a escuridão já se intensificando, dirigi-me para casa, que estava a apenas cem metros dali. ****Sem compreender minha própria reação, entrei no apartamento e fui direto para a televisão. Algo me atraía de volta à cerimônia de premiação do famoso festival. Maldita hora em que Candance e todas as enfermeiras daquele setor decidiram assistir à chegada das celebridades. Por que justo naquele momento tive que o ver, após quinze anos passados? Sent
Acordei sem ânimo no dia da viagem para Cannes, na França. Pietra, a mais nova namorada e atriz também, sem projeção ainda, estava apenas como acompanhante e, para se mostrar ao mundo, ao meu lado, queria aproveitar para fazer um tour pela Europa. Eu estava com o coração apertado, embora não conseguisse explicar o porquê. Tinha sido indicado ao prêmio de melhor ator no festival pelo meu último filme. Isso poderia me consagrar ainda mais, apesar de já ter uma carreira consolidada e dinheiro para várias gerações. Mas, desde o dia em que saiu a lista com os indicados, mesmo que a felicidade inicial tenha surgido, o coração também se apertou. Lembro que estava em casa sozinho. Deu uma vontade louca de beber um whisky, vício que adquiri, depois de algumas decepções, mas que com a correria de gravações e algumas críticas ruins, fizeram eu minimizar. Fui até o bar, peguei a garrafa mais cara e abri. Por sorte, Pietra estava arrumando os últimos detalhes para a viagem, e eu também não a dei
Enquanto corria pela rua deserta, vi um carro sair pelos fundos. Era a cena que revivia a cada minuto antes de chegar em casa. Com a multidão na frente, fui obrigada a desviar do caminho. Maldita hora, pois a dedução de que o carro era de Jack se confirmou com a freada brusca que ele deu assim que passei.Tentei disfarçar, mostrando meu cabelo loiro escuro e longo, bem diferente da Sara que existiu um dia. Cheguei em casa uma hora depois. Candance estava esparramada no meu sofá. Certamente o plantão foi exaustivo, embora ela tenha dito que foi tranquilo apenas para me tranquilizar. Por isso, após tomar o meu café, não consegui levá-la para o andar de cima. Só a cobri para que ficasse mais confortável.A ansiedade gerada pelo medo de ser descoberta passou. Consegui afastar esses pensamentos ruins. O carro misterioso havia seguido seu caminho. Procurei fazer outras coisas dentro da rotina em dias normais: ler, estudar, cozinhar — uma das grandes paixões que adquiri. Enquanto minha amiga
Engoli em seco e o estômago borbulhou ácidos por todas as paredes. Respirei profundamente e recuperei a razão, mais uma vez. — Ele ficará sem poder receber visitas por 72 horas, senhor Johny.— Sim, eu entendo. O irmão e ele são muito unidos e tenho certeza de que ele virá assim mesmo. E tenho certeza de que obedecerá a qualquer ordem que venha da senhora.“Isso eu já não sei” — foi o primeiro pensamento que passou pela cabeça — “ele me odeia, tenho certeza disso”Espantei esse pensamento, balancei a cabeça e pedi licença. Nessa hora é que no banheiro chorei ainda mais e vomitei toda a angústia. O que eu iria fazer? O irmão de Jack me conhecia. Eu era a neurologista chefe e não tinha mais férias para tirar naquele ano. Fugiria de novo, mas como?O desespero tomou conta de mim. Saí do hospital sozinha, de madrugada. Dirigi sem rumo. Cheguei em casa e me tranquei no quarto. Debaixo do edredom, continuei a chorar.JackAlgumas horas antes…Perdi a conta de quantas vezes Pietra perguntou
Eu já havia perdido a noção do tempo. O quarto estava mergulhado na escuridão, as persianas desempenhando sua função, e eu me encontrava debaixo do edredom. Sentia-me como um avestruz, evitando encarar a realidade. A situação estava tão caótica que mal percebi a porta se abrir, e Candance me abraçou por cima das cobertas. — O que está acontecendo, Lily? Te viram sair do hospital correndo e chorando. — Indagou ela, preocupada. Removi a manta, me sentei na cama e abracei minhas pernas. — Estou desesperada, sem saber o que fazer. — Você cometeu algum erro médico? Perdeu algum paciente? Só ouvi elogios sobre você. Mulher, você salvou a vida do ator famoso. — Ponderou minha amiga, buscando entender. Entrei em prantos em meio a soluços compulsivos. Candance correu para buscar uma toalha e me abraçou com mais firmeza. Após me acalmar e sentir-me mais protegida, percebi que era hora de revelar meu segredo. — Preciso contar uma história do passado. Aconteceu bem antes de nos conhecermos.
Após sair da UTI, verificar os sinais vitais de Jack mais uma vez, me dirigi um pouco para a sala médica, onde tentaria descansar. Não queria ir embora, estava angustiada, com medo de que o paciente pudesse ter uma recaída durante a noite. Entrei, sem vontade para nada, tentei descansar um pouco, encostada na cabeceira da cama de solteiro, mas a agitação não me permitiu. Foi quando vi, na pequena cômoda que abrigava um computador, uma luminária e o controle da televisão. Levantei-me e o busquei, na clara intenção de encontrar um canal de comédias, ou filmes mais alegres, que pudessem me alegrar um pouco. Estava difícil, cliquei os dedos por vários e nada, até que uma reportagem, de um canal americano, me chamou a atenção e fez eu parar para ver a cena.Inúmeras pessoas estavam aglomeradas no aeroporto de Los Angeles. Adolescentes, jovens, adultos, esperavam o avião abrir a saída de emergência, para a retirada do corpo da atriz Pietra Streep, que morrera no acidente de carro na estrada
Quando a porta do escritório do diretor foi aberta e eu a vi, uma tempestade de emoções invadiu o meu interior. A raiva pulsava em minhas veias, uma vontade incontrolável de esmurrá-la, de liberar toda a frustração acumulada ao longo dos anos. Ela havia abandonado Jack, meu irmão, sem explicação, deixando cicatrizes profundas na sua alma.Apesar de tudo, uma onda de saudade me envolvia. Era como se o tempo tivesse retrocedido e me transportado para os momentos em que éramos uma família unida. Ela fez parte da nossa história e, de alguma forma, mesmo que contraditória, também teve um papel crucial em salvar meu irmão.À medida que eu perguntava de forma mecânica, a médica, a antiga companheira de Jack, respondia a todas as perguntas. No entanto, o que eu realmente queria perguntar não pode ser feito ali. Quando ela saiu correndo, uma sensação de choque envolveu meu ser. Deus, eu estava tão nervoso que não conseguia dizer seu nome. Um nome que, curiosamente, era falso; sempre a conheci
Não tinha forças nem para beber água quando cheguei em casa. A comida também revirava no estômago. A vontade era de sumir, desaparecer do mapa, como em um passe de mágica. Enviei uma mensagem para minha amiga relatando o terrível encontro com Jeremy, e ela respondeu que o levou para o hotel. — Como ele estava Candance?— Uma pilha de nervos. Tive que sair escondida do hospital, e o levei ao hotel.— Oh, Deus, por que isso tudo está acontecendo agora? Já se passaram quinze anos.— Porque talvez chegou a hora de vocês se encontrarem.— E se eu não estiver preparada para encarar essa realidade?— Se for para você encarar, a Lily que conheço, mulher forte, poderosa, irá encontrar a melhor maneira.— Vou tentar dormir.— Vá e consiga. Amanhã será um longo dia.A noite foi tensa. Sonhei com o acidente de carro, com Jeremy contando para Jack, e ele me acusando de ter causado o acidente quando me viu correndo pela rua. Quando senti os primeiros raios de sol, fiquei feliz por acordar viva.