Jack

Acordei sem ânimo no dia da viagem para Cannes, na França. Pietra, a mais nova namorada e atriz também, sem projeção ainda, estava apenas como acompanhante e, para se mostrar ao mundo, ao meu lado, queria aproveitar para fazer um tour pela Europa. 

Eu estava com o coração apertado, embora não conseguisse explicar o porquê. Tinha sido indicado ao prêmio de melhor ator no festival pelo meu último filme. Isso poderia me consagrar ainda mais, apesar de já ter uma carreira consolidada e dinheiro para várias gerações. Mas, desde o dia em que saiu a lista com os indicados, mesmo que a felicidade inicial tenha surgido, o coração também se apertou. 

Lembro que estava em casa sozinho. Deu uma vontade louca de beber um whisky, vício que adquiri, depois de algumas decepções, mas que com a correria de gravações e algumas críticas ruins, fizeram eu minimizar. Fui até o bar, peguei a garrafa mais cara e abri. Por sorte, Pietra estava arrumando os últimos detalhes para a viagem, e eu também não a deixava dormir em casa todas as noites, não queria compromisso sério. Dei a primeira golada e a imagem de Sara me veio à mente. Ao mesmo tempo que eu a odiava, a amava e a lembrança me corroía por dentro.

Por isso, quanto aos amores, só amei uma única mulher, que partiu sem deixar rastro. A partir desse dia, quinze anos atrás, fechei meu coração, sem chance para qualquer abertura. A imagem dela ainda vinha na cabeça, enquanto o avião voava através do oceano Atlântico.

— Jack, está sonhando acordado? — Perguntou Pietra, entregando-me um copo de uísque.

— Não quero beber, Pietra. Bebi muito ontem. Quero silêncio. Consegue me dar isso por um tempo? — Perguntei, abaixando o encosto do assento de couro do jato particular que nos levava para o sul da França.

— Que bicho te mordeu? Desde ontem de manhã, está de mau-humor. Estamos indo para a Europa, baby. Anime-se.

Não respondi. Coloquei os fones de ouvido, fechei os olhos e adormeci ao som de Vivaldi. Acordei com a comissária trazendo o almoço. Fiquei irritado, mas a coitada não tinha culpa do meu aborrecimento. Outro aperto repentino no peito estava causando isso.

Tive que me segurar ainda mais quando Pietra veio mostrar-me uma série de roteiros de viagem. A única saída era fingir que estava ouvindo e rezar para as horas passarem bem rápido. Por sorte, um tempo depois, Johny, o assessor e amigo, trouxe a agenda para repassar os compromissos do dia seguinte e pouco tempo depois pousamos em Cannes. Quando pisei em solo, a sensação no peito, pela terceira vez, voltou ainda mais forte. Entrei no carro com semblante sério e fechei os olhos. Só voltei à realidade dentro da garagem do hotel. À noite, a tormenta foi pior; tive que fingir que estava dormindo quando Pietra se deitou ao meu lado.

Os compromissos de trabalho começaram cedo: entrevistas, encontros com fãs e almoço com o patrocinador do próximo filme, que já estava com contrato assinado para início das gravações em agosto. Depois de tudo isso, sem nem poder parar para apreciar o mar azul do Mediterrâneo, cheguei ao quarto e Pietra já estava pronta e empolgada para o tapete vermelho. O Jack ator entrou em ação novamente e interpretei que estava ótimo. Ela não merecia pagar porque eu não a amava, nem pelas angústias que estava sentindo. De smoking, desci da limusine e, apesar de gostar de atuar, o som da loucura por um astro era estridente demais. Ficar sorrindo falsamente era ainda pior, mas foi a vida que escolhi. A noite foi minha; ganhei o prêmio, o que já era esperado, mas continuava infeliz. Por isso, não fui a nenhuma festa após o evento.

O difícil foi convencer Pietra. Só consegui quando prometi que no dia seguinte sairíamos apenas nós dois. Nosso relacionamento era morno da minha parte. O sexo era bom e ela era uma boa companhia, mas faltava a cereja, ou a pimenta.

— Jack, aonde vamos amanhã? Estou curiosa. Esse lugar é lindo, tem tanto glamour. — Falou a atriz empolgada, enquanto arrumava uma sacola pequena no quarto.

— Não sei, Pietra. Coloque o que precisar na sacola. Vou decidir na hora. O carro já está na garagem, sairemos pela rua dos fundos do hotel. Agora, será que podemos ir dormir?

— Vá você, meu amor. A mochila de uma mulher precisa de vários acessórios. — Ela falou, beijando-me nos lábios.

Antes que ela quisesse mais alguma coisa, pulei na cama e virei de lado. Demorei para dormir e sonhei com Sara, algo que não acontecia há tempos. O cenário era o nosso antigo quarto; ela estava em frente ao espelho do closet, vestindo-se para a cerimônia do Oscar. Trocamos um último beijo antes que ela evaporasse na realidade do sonho e desaparecesse completamente do meu mundo, na vida real, deixando em mim um vazio no coração, junto com uma explicação chocante em uma carta.

“Preciso fugir desse mundo de falsidade e podridão.”

*****

Acordei assustado e suado. Além disso, perdi o sono. Fui para a sala da suíte master e só consegui dormir uma hora depois, com o som da televisão. Pela manhã, Pietra estava elétrica de empolgação enquanto tomava café. Eu, depois da noite mal dormida, já estava no limite da paciência, mas não terminaria o relacionamento em Cannes; deixaria isso para um tempo após voltarmos para Los Angeles. Planejava dar a ela um tour pela Europa e depois retomar a rotina da vida que havia criado.

Essa era a programação, mas nunca estamos preparados para o que virá. Johny alugou um carro esportivo preto para evitar chamar a atenção. Dispensei os seguranças. Vestindo calça jeans, camiseta e um boné vermelho, e Pietra com trajes rosa, parecendo quase a Penélope Charmosa, descemos para a garagem. Os vidros escurecidos do veículo impediriam que nos vissem.

O assessor mostrou-me a saída dos fundos. Naquele horário, a saída estava aberta apenas para mim. Eram seis da manhã. A rua parecia deserta; pelo menos, não havia carros. Virei à direita, seguindo o comando do GPS, e avistei uma corredora passando. Pietra até falou, gesticulando.

— Acelera, amor, deve ser uma fã desvairada.

— Pietra, ela é uma corredora e está do outro lado da rua. Nem está olhando para o carro. — Falei, ultrapassando a mulher e freando bruscamente logo à frente.

Minha mão suava no volante, e minhas pernas tremiam. Era ela, eu tinha certeza. Sara corria daquele jeito. Era ela.

— Jack, o que aconteceu? Você está tremendo.

Precisava me acalmar e dar partida no carro. Olhei pelo retrovisor mais uma vez e vi que a moça estava amarrando o tênis, olhando na direção do carro. De perfil, não se parecia com minha ex-companheira. Ela sempre gostou de cabelos curtos. Era apenas a ilusão da saudade que corroía.

Segui pela estrada, em direção ao nosso destino.

— Onde estamos indo, amor? — Perguntou Pietra, agora animada novamente. Minhas mãos haviam parado de tremer um pouco.

— Ao Principado de Mônaco.

— Hum, deve ser lindo! Sempre penso na princesa, que um dia foi atriz.

— Que bom que gostou, tente se divertir bastante. — Falei já pensando no término, mas em especial na mulher parecida com Sara. 

Fiz um comando para o cérebro, o avisando para acelerar. Não estava me aguentando de ansiedade. Quem era aquela mulher, que se parecia tanto com Sara?

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