Naquele dia, minha amiga parecia diferente, mas eu tinha preocupações maiores naquele momento. Ignorei essa agonia incontida. Precisava enfrentar Jeremy mais uma vez, e ele já estava à minha espera.Bati na porta, e ele mesmo a abriu a pedido do chefe. — Bom dia. Desculpe o atraso. Não sabia que tinha reunião agendada para hoje de manhã. — Não tínhamos mesmo, mas o Dr. Wallace, — disse Jeremy, apontando para um médico mais velho, alto, de cabelos grisalhos encostado na janela, admirando o mar — chegou e quer conversar com a doutora. — Dr. Wallace, é um prazer. — O prazer é meu, doutora. Não nego, estou espantado com o quanto é jovem e já tem um currículo invejável. — Gosto de estudar bastante. O senhor já está de posse do prontuário?— Ainda não. Preferi aguardá-la. — Vamos ver o paciente e lhe explicarei os procedimentos que fiz. Pedi licença e saímos da sala, acompanhados pelo médico americano. Subimos ao quarto andar e o levei até o leito de Jack. Com o tablet em mãos, mostr
Durante o dia, não toquei no papel que estava no bolso. Almocei com Lily, o que não foi bom. Olhar para ela fazia-me ter ainda mais vontade de ligar para os promotores de justiça americanos. Essa era a minha ideia, desde que, na sala médica, assisti a mais um testemunho de outra modelo. O medo que me torturava era o receio de perder aquela amizade tão valiosa. A vontade aumentava à medida que eu pensava no quão triste ela estava ao se despedir de Jack. Realizei uma cirurgia de emergência à tarde, que durou duas horas. Após um breve descanso, vi Lily entrando na ambulância para acompanhar Jack até o aeroporto. Quando o carro ligou a sirene, a vontade voltou com força total, ainda mais quando ela me olhou, antes da porta de trás se fechar, e vi o semblante triste dela. Num impulso, corri até um lugar onde não seria descoberta, peguei o telefone e disquei o número sem pensar. — Alô, gabinete do procurador Dawson Thomas. — Boa tarde, meu nome é Candance. Preciso muito falar com o procu
Saí às onze, caminhando em direção ao restaurante para afastar o sono e o medo. No horário combinado, o vi sentado em um lugar isolado, como ele pediu. Estava saboreando um vinho e mergulhado em um livro. Um homem bonito, atraente, aparentando ter entre 45 e 50 anos. — Procurador Dawson, boa tarde, sou Candance. Ele se levantou. Ficou ainda mais charmoso. Alto, elegante, no terno impecável, e me cumprimentou com um aperto de mão. Mão grandes, suaves e poderosas. Só não balancei a cabeça para afastar esses pensamentos, pois o procurador falou primeiro.— Senhorita. É um prazer. Sente-se, por favor. Aceita um vinho? — Sim, por favor. — Sentei-me e, de tão nervosa, não sabia onde colocar a bolsa. Estava atrapalhada. — Ansiosa? Não precisa ter medo, senhorita. — Pode me chamar pelo nome. Não tenho medo do que contarei. Só tenho receio de perder uma amizade maravilhosa. Como disse, ela não sabe de nada, e apesar de sentir que é o certo, estarei a traindo.— Daremos um jeito. Quer almo
Alguns minutos antes…Quando o diretor soltou a bomba, quase desmaiei. O impacto da notícia reverberou por todo o meu corpo, paralisando-me por um momento. Assim que Lily deixou o refeitório, liguei para o procurador. Se mandasse mensagem, com certeza me ignoraria.— Olá, bom falar com a senhorita.— O que está fazendo no hospital? Quer acabar com a amizade que conquistei? Você falou que daria um jeito.— Senhora Jim, é um prazer — cumprimentou o procurador. Eu estava ferrada. Existia uma grande chance de Lily ter ouvido minha voz, eu falava alto.Desliguei o telefone e comecei a fazer a evolução de alguns pacientes. A cabeça estava nas nuvens. Os dois residentes que me acompanhavam perceberam. — Doutora, a senhora está bem? Leu errado o prontuário do paciente do quarto 201.— Não, não estou bem. Vocês poderiam terminar para mim? Preciso resolver uma coisa. Vou pedir para o Doutor Claude ficar com vocês nos pacientes que faltam. Também vou tentar cancelar a cirurgia.Saí correndo pel
Estava na lanchonete quando Candance entrou para tomar o café da manhã. Ela não tentou falar comigo, soube respeitar o meu espaço. Ela olhou-me, mas me levantei antes que ela talvez criasse coragem. Ainda me sentia traída, mas nada que um final de semana na Suíça para me curar.Abasteci o carro, após evoluir os pacientes e trabalhar apenas no período da manhã, como combinara com o diretor. Comprei um café e parti pela via A10, para os arredores de Lugano. Cheguei já de tarde e fui recebida por Deli, a mulher que cuidava da casa e de mim, desde que eu a comprara.— Querida, quanto tempo? Saudade de você. — Deli abraçou-me.— Muito trabalho, mas vou conseguir ficar pelo menos até segunda. Tem janta? Estou com muita fome.— Deixei preparado. Quer comer na varanda?— Sim, vendo a beleza do lago. Acompanhe-me, por favor? — Ela sorriu e se retirou.Deli arrumou a mesa e sentou-se comigo. Ela já havia se alimentado, então apenas me fez companhia.— Os seus olhos estão tristes, Lily. O que es
A viagem de volta aos Estados Unidos foi tranquila, dentro do possível. O barulho das máquinas ligadas ao corpo de Jack causava-me angústia. Sempre fomos muito unidos, e foi ele que me deu suporte, inclusive para montar a academia que tanto gostava, hoje considerada a melhor e mais badalada de Los Angeles.Mamãe insistiu que nos esperaria no hospital. Janet não era velha, só tinha 55 anos, mas lutou tanto na vida, além de um tratamento de câncer, que a debilitou bastante. Estaríamos os dois juntos para cuidar de Jack, que ultimamente não estava com um relacionamento muito bom com a mamãe. Na visão dele, ela só pensava em dinheiro, mas, a meu ver, ele se esquecia o quanto ela sofreu. Em relação à outra surpresa de Cannes, não sabia ainda se contaria à ela sobre Sara.Quando entrei no Dignity Health California Hospital Medical Center, mamãe estava encostada no vitral olhando eles descerem o filho da ambulância.— Mamãe. — A chamei a abraçando.— Jeremy, que saudade! Não queria ter visto
Ela sorriu e abraçou-me forte.— Vamos nos atrasar. Podemos conversar no carro? Quero tomar café antes da cirurgia que tenho às dez. — Pediu-me feliz da vida de novo.— Resolvi depor. Como sou naturalizada francesa, usarei o direito de fazer videoconferência. Contarei tudo.— Tudo, tudo? — Perguntou Candance ao colocar o cinto de segurança — Sim, amiga. Inclusive que salvei Jack. Na verdade, fugi para salvar a carreira dele, por ameaça daquele monstro.— Mesmo assim, devo-lhe desculpas.— Já está desculpada e qualquer outra coisa que queira fazer eu aceito, insista comigo.— O bom é que passei um dia andando pelas ruas da bela Paris. A doida riu solto.— E pelo jeito almoçou num restaurante chique?— E como!— E pelos olhos brilhando achou o procurador lindo, charmoso, sorridente.— Nossa, você o descreveu na integra.Começamos a rir as duas. A vida começava a tomar um rumo diferente. Talvez as engrenagens e trilhos estivessem se ajustando, por agora apenas entre nós duas, mas quem
Quando Jeremy desligou o telefone na minha cara, estava de boca aberta. Candance chegou bem na hora. Ao ver minha expressão, e a força que eu segurava o volante, tentou tirar a minha mão e colocar na minha perna. Os dedos estavam já vermelhos.— O que aconteceu? Está tudo bem?— Posso contar depois, ainda estou em choque? — Falei com o carro ligado.— Pode, mas não quer passar para o banco do passageiro e eu dirijo. Suas mãos estão vermelhas de tão tensas.*****Cheguei em casa ainda sem entender. Tomei um banho, ligada no automático e fui me deitar. Rolei na cama, durante um tempo e só dormi, depois da meia noite. Para completar, durante à noite, tive um sonho romântico que me fez acordar triste. Lembrei-me da noite anterior à fuga. Fizemos amor com uma paixão incandescente. Um furor, uma ganância. Corpos entrelaçados pelo amor. Não sei como ele não percebeu que era uma despedida. Acordei mais uma vez com olheiras bem pesadas. No carro contei para Candance sobre Jeremy.— Esse cara