Engoli em seco e o estômago borbulhou ácidos por todas as paredes. Respirei profundamente e recuperei a razão, mais uma vez.
— Ele ficará sem poder receber visitas por 72 horas, senhor Johny.
— Sim, eu entendo. O irmão e ele são muito unidos e tenho certeza de que ele virá assim mesmo. E tenho certeza de que obedecerá a qualquer ordem que venha da senhora.“Isso eu já não sei” — foi o primeiro pensamento que passou pela cabeça — “ele me odeia, tenho certeza disso”Espantei esse pensamento, balancei a cabeça e pedi licença. Nessa hora é que no banheiro chorei ainda mais e vomitei toda a angústia. O que eu iria fazer? O irmão de Jack me conhecia. Eu era a neurologista chefe e não tinha mais férias para tirar naquele ano. Fugiria de novo, mas como?
O desespero tomou conta de mim. Saí do hospital sozinha, de madrugada. Dirigi sem rumo. Cheguei em casa e me tranquei no quarto. Debaixo do edredom, continuei a chorar.Jack
Algumas horas antes…Perdi a conta de quantas vezes Pietra perguntou por que parei o carro daquele jeito. A paciência estava cada vez mais curta. Já estava no limite e, quando acelerei o carro ainda mais em uma curva, foi só então que ela percebeu o meu nervosismo e, por um tempo, parou. A viagem para Mônaco não significou nada para mim. Passeamos de barco, almoçamos no melhor restaurante e fomos ao Cassino. A vontade era beber até cair. A imagem da mulher parecida com Sara não saía da minha cabeça.
Ao final da tarde, a atriz ainda exigiu um jantar romântico em um restaurante iate e logo depois pegamos a estrada de volta a Cannes. O jantar já estava tudo preparado, ela ligara na noite anterior, sem eu saber, havia conversado com Johny e descoberto o itinerário, apesar de fingir o contrário, para o proprietário. Quando chegamos, fui puxado para um deque coberto com pétalas de rosas-vermelhas e velas aromatizantes na mesa. — O que significa isso, Pietra? Eu disse que não queria voltar tarde. A estrada para Cannes é perigosa. — Relaxa, Jack. Olha esse mar, a brisa. Sei que você não me ama, mas amo suficiente por nós dois. Só quero apreciar o momento. — Não quero sair tarde. Como disse, é perigoso, cheio de curvas e foi em uma dessas que a atriz que virou princesa um dia se acidentou.— Você está arruinando esse jantar!— Não, só estou sendo realista e pragmático.Ela ficou com raiva, mas segurou as lágrimas. Durante o jantar, o silêncio reinou. Percebi uma ansiedade no ar e estava com medo do que poderia vir de surpresa.
— Pietra, qual o real motivo de tudo isso? — O real motivo é tentar fazer com que você me ame pelo menos um pouco. Sei que está pensando em terminar comigo. Pensei que poderia mudar de ideia demonstrando amor. Sabe o que tenho vontade de saber? — Perguntou Pietra, bebendo o champanhe de um gole só. Balancei a cabeça em negativo. — O que te impede de amar, Jack? Quem fez seu coração sangrar dessa forma? Você nunca consegue manter compromisso com ninguém. É um ótimo ator, milionário, mas, na verdade, um homem triste e amargurado. Respirei fundo e percebi que não fiquei com raiva das palavras. Pietra tinha razão, e eu a admirava. Era uma ótima amiga e amante. Senti que era a hora de revelar a causa da minha tristeza. Peguei o copo da mão dela e virei de uma só vez. — Você vai dirigir. — Ela repreendeu-me seriamente. — Só preciso desse incentivo. A considero muito, é uma grande mulher e merece saber a resposta para a pergunta que me fez. Ela colocou a mão dela sobre a minha, era mais um gesto de conforto e incentivo. — Vou te contar durante a viagem. Quero passar o pior trecho ainda claro. Entramos no carro uma hora depois. Por um momento, permaneci de olhos fechados, ainda parado no estacionamento. Depois, dei partida ao mesmo tempo, em que comecei a falar. — Você sabe que iniciei a carreira de ator ainda criança. E bem rápido, tornei-me famoso pelas interpretações que fazia. Quando completei dezoito anos, fui convidado para fazer uma comédia romântica, e no contrato dizia que eu selecionaria a atriz que contracenaria comigo. Os produtores selecionaram algumas jovens em ascensão, mas nenhuma atuou com amor. Assim, abriram um concurso na escola onde estudei. Foram três dias exaustivos assistindo audições até que eu a vi. Ela se chamava Sara. Nos apaixonamos rapidamente; em dois meses, já estávamos morando juntos. Conseguimos esconder da mídia para que ela progredisse na carreira, sem estar atrelada a mim. Cinco anos depois, ela recebeu a indicação ao prêmio máximo da academia como melhor atriz coadjuvante, mas eu não sabia que, para isso, ela precisou ser destruída como pessoa. Pelo menos é o que imagino, pela única frase que ela deixou escrita em um bilhete de despedida no dia da premiação. — Eu era ainda adolescente, mas me lembro dessa atriz. Vocês namoraram.— Não só namoramos, nos casamos.Terminei de contar sem perceber que chorava. Pietra estava sem graça e triste, vi quando ela tirou o cinto, pulou para o banco de trás. — O que está fazendo, doida? Volte para cá e coloque o cinto de segurança. Somos estrangeiros, e se a polícia nos pegar. Antes que eu terminasse a fala, só vi um clarão logo após uma curva acentuada, e depois nada mais. Foi um caminhão, com o motorista dirigindo à base de remédio. Estava há mais de um dia sem dormir, cortando as estradas da Espanha e França para chegar à Itália e entregar sua carga. Ele só não imaginou as consequências que seu ato traria, inclusive com ele também perdendo a própria vida.Eu ainda lembro de ficar de olho aberto por algum tempo. Escutei algumas vozes, e as luzes e sirenes aumentavam o volume a cada segundo.— Senhor, está me ouvindo.Eu não conseguia responder, os olhos insistiam em se fechar. Eu tentava virar a cabeça, mas não conseguia. Procurava a mulher que estava ao meu lado. Não há via.— Chefe, a mulher foi jogada para fora do carro.Esta frase fez o meu coração acelerar e, a partir desse momento, só acordei um tempo depois, com a notícia de uma grande perda.Eu já havia perdido a noção do tempo. O quarto estava mergulhado na escuridão, as persianas desempenhando sua função, e eu me encontrava debaixo do edredom. Sentia-me como um avestruz, evitando encarar a realidade. A situação estava tão caótica que mal percebi a porta se abrir, e Candance me abraçou por cima das cobertas. — O que está acontecendo, Lily? Te viram sair do hospital correndo e chorando. — Indagou ela, preocupada. Removi a manta, me sentei na cama e abracei minhas pernas. — Estou desesperada, sem saber o que fazer. — Você cometeu algum erro médico? Perdeu algum paciente? Só ouvi elogios sobre você. Mulher, você salvou a vida do ator famoso. — Ponderou minha amiga, buscando entender. Entrei em prantos em meio a soluços compulsivos. Candance correu para buscar uma toalha e me abraçou com mais firmeza. Após me acalmar e sentir-me mais protegida, percebi que era hora de revelar meu segredo. — Preciso contar uma história do passado. Aconteceu bem antes de nos conhecermos.
Após sair da UTI, verificar os sinais vitais de Jack mais uma vez, me dirigi um pouco para a sala médica, onde tentaria descansar. Não queria ir embora, estava angustiada, com medo de que o paciente pudesse ter uma recaída durante a noite. Entrei, sem vontade para nada, tentei descansar um pouco, encostada na cabeceira da cama de solteiro, mas a agitação não me permitiu. Foi quando vi, na pequena cômoda que abrigava um computador, uma luminária e o controle da televisão. Levantei-me e o busquei, na clara intenção de encontrar um canal de comédias, ou filmes mais alegres, que pudessem me alegrar um pouco. Estava difícil, cliquei os dedos por vários e nada, até que uma reportagem, de um canal americano, me chamou a atenção e fez eu parar para ver a cena.Inúmeras pessoas estavam aglomeradas no aeroporto de Los Angeles. Adolescentes, jovens, adultos, esperavam o avião abrir a saída de emergência, para a retirada do corpo da atriz Pietra Streep, que morrera no acidente de carro na estrada
Quando a porta do escritório do diretor foi aberta e eu a vi, uma tempestade de emoções invadiu o meu interior. A raiva pulsava em minhas veias, uma vontade incontrolável de esmurrá-la, de liberar toda a frustração acumulada ao longo dos anos. Ela havia abandonado Jack, meu irmão, sem explicação, deixando cicatrizes profundas na sua alma.Apesar de tudo, uma onda de saudade me envolvia. Era como se o tempo tivesse retrocedido e me transportado para os momentos em que éramos uma família unida. Ela fez parte da nossa história e, de alguma forma, mesmo que contraditória, também teve um papel crucial em salvar meu irmão.À medida que eu perguntava de forma mecânica, a médica, a antiga companheira de Jack, respondia a todas as perguntas. No entanto, o que eu realmente queria perguntar não pode ser feito ali. Quando ela saiu correndo, uma sensação de choque envolveu meu ser. Deus, eu estava tão nervoso que não conseguia dizer seu nome. Um nome que, curiosamente, era falso; sempre a conheci
Não tinha forças nem para beber água quando cheguei em casa. A comida também revirava no estômago. A vontade era de sumir, desaparecer do mapa, como em um passe de mágica. Enviei uma mensagem para minha amiga relatando o terrível encontro com Jeremy, e ela respondeu que o levou para o hotel. — Como ele estava Candance?— Uma pilha de nervos. Tive que sair escondida do hospital, e o levei ao hotel.— Oh, Deus, por que isso tudo está acontecendo agora? Já se passaram quinze anos.— Porque talvez chegou a hora de vocês se encontrarem.— E se eu não estiver preparada para encarar essa realidade?— Se for para você encarar, a Lily que conheço, mulher forte, poderosa, irá encontrar a melhor maneira.— Vou tentar dormir.— Vá e consiga. Amanhã será um longo dia.A noite foi tensa. Sonhei com o acidente de carro, com Jeremy contando para Jack, e ele me acusando de ter causado o acidente quando me viu correndo pela rua. Quando senti os primeiros raios de sol, fiquei feliz por acordar viva.
Depois de duas taças de vinho, senti-me um pouco mais segura. Precisava liberar a energia ruim que me sufocava há mais de 15 anos. — Candance, a parte de como conheci Jack, já contei. Assim sendo, vou começar a parte ruim. Ela pegou-me na mão, sentiu que precisava passar para mim toda a energia da grande amiga que ela era.— Conte, sem cortes, vou ficar assim, pregada em suas mãos, a dando força.— Obrigada — respirei profundamente antes de começar. — Depois do sucesso do primeiro filme em que atuei com Jack, a mídia começou a focar em mim. Jovem, talentosa, atraente — falei sorrindo para quebrar o clima tenso. — Quatro meses depois, fui procurada pelos assessores de Ferguson. Eles me chamaram para uma reunião. A felicidade não cabia dentro de mim. Estava na mídia e sendo chamada pelo magnata do cinema… era tudo o que eu precisava. Diante da grande expectativa gerada naquele momento, não achei estranho que a reunião fosse agendada para a residência dele e não para o escritório. Como
Naquele dia, minha amiga parecia diferente, mas eu tinha preocupações maiores naquele momento. Ignorei essa agonia incontida. Precisava enfrentar Jeremy mais uma vez, e ele já estava à minha espera.Bati na porta, e ele mesmo a abriu a pedido do chefe. — Bom dia. Desculpe o atraso. Não sabia que tinha reunião agendada para hoje de manhã. — Não tínhamos mesmo, mas o Dr. Wallace, — disse Jeremy, apontando para um médico mais velho, alto, de cabelos grisalhos encostado na janela, admirando o mar — chegou e quer conversar com a doutora. — Dr. Wallace, é um prazer. — O prazer é meu, doutora. Não nego, estou espantado com o quanto é jovem e já tem um currículo invejável. — Gosto de estudar bastante. O senhor já está de posse do prontuário?— Ainda não. Preferi aguardá-la. — Vamos ver o paciente e lhe explicarei os procedimentos que fiz. Pedi licença e saímos da sala, acompanhados pelo médico americano. Subimos ao quarto andar e o levei até o leito de Jack. Com o tablet em mãos, mostr
Durante o dia, não toquei no papel que estava no bolso. Almocei com Lily, o que não foi bom. Olhar para ela fazia-me ter ainda mais vontade de ligar para os promotores de justiça americanos. Essa era a minha ideia, desde que, na sala médica, assisti a mais um testemunho de outra modelo. O medo que me torturava era o receio de perder aquela amizade tão valiosa. A vontade aumentava à medida que eu pensava no quão triste ela estava ao se despedir de Jack. Realizei uma cirurgia de emergência à tarde, que durou duas horas. Após um breve descanso, vi Lily entrando na ambulância para acompanhar Jack até o aeroporto. Quando o carro ligou a sirene, a vontade voltou com força total, ainda mais quando ela me olhou, antes da porta de trás se fechar, e vi o semblante triste dela. Num impulso, corri até um lugar onde não seria descoberta, peguei o telefone e disquei o número sem pensar. — Alô, gabinete do procurador Dawson Thomas. — Boa tarde, meu nome é Candance. Preciso muito falar com o procu
Saí às onze, caminhando em direção ao restaurante para afastar o sono e o medo. No horário combinado, o vi sentado em um lugar isolado, como ele pediu. Estava saboreando um vinho e mergulhado em um livro. Um homem bonito, atraente, aparentando ter entre 45 e 50 anos. — Procurador Dawson, boa tarde, sou Candance. Ele se levantou. Ficou ainda mais charmoso. Alto, elegante, no terno impecável, e me cumprimentou com um aperto de mão. Mão grandes, suaves e poderosas. Só não balancei a cabeça para afastar esses pensamentos, pois o procurador falou primeiro.— Senhorita. É um prazer. Sente-se, por favor. Aceita um vinho? — Sim, por favor. — Sentei-me e, de tão nervosa, não sabia onde colocar a bolsa. Estava atrapalhada. — Ansiosa? Não precisa ter medo, senhorita. — Pode me chamar pelo nome. Não tenho medo do que contarei. Só tenho receio de perder uma amizade maravilhosa. Como disse, ela não sabe de nada, e apesar de sentir que é o certo, estarei a traindo.— Daremos um jeito. Quer almo