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Percival - Capítulo 2 - Ventanias do Sul

Apesar de já ter servido à marinha, eu não gostava muito de navegar ou de estar no mar.

Não ter a certeza do quão fundo posso chegar me deixava indefeso e me fazia sentir pequeno, mas graças a Lunari as águas da Lagoa da Lua estavam tranquilas.

Cheira-Cravo cantarolava desafinado enquanto manejava a lancha. Ele havia trocado a farda por uma bermuda cáqui e uma camisa larga azul-marinho, enquanto Quentin estava dormindo na proa com um livro grosso sobre o peito e os óculos torto no rosto. Eles eram uma dupla improvável e engraçada.

Eu estava com os irmãos Águarasa que jogavam dados apostando coisas aleatórias como controles de vídeo games, action-figures, bonés, cuecas e namoradas. Tobias estava trapaceando como sempre e Graves fingindo que não percebia.

- Alteza, como é Solares? - perguntou Lula, mudando o dado de um para seis com as pontas dos dedos. - Sua irmã é bonita?

- Saiba que pelas leis de Solares eu posso furar um dos seus olhos só por ousar olhar para a minha irmã.

Tobias recuou o corpo se aproximando de Graves, que o empurrou.

- É brincadeira.

- Já faz quanto tempo que não os vê Alteza? - perguntou Arraia - Deve sentir saudades.

- Bem... - Suspirei pesado tentando aliviar a tensão do meu peito. - Respondendo ao Lula, Solares é muito quente, com muito brilho e música. - Um sorriso bobo se formou no meu rosto. - E já faz dois anos que não vejo Tori e um ano que não vejo meus pais.

O vento sul soprou bagunçando meus cabelos ruivos, fazendo-os parecer uma juba de leão.

- Eu sentia muita saudade quando era mais novo, mas agora não sinto tanto. - Menti.

- E como sentiria, comigo aqui? - brincou Tobias se levantando e dando um mortal para trás caindo no mesmo lugar - Viu? Não tem isso em Solares.

- Não mesmo. - concordei.

Encarei as estrelas e meu celular beepou. Havia três mensagens.

"Amanhã vamos pegar todas as gatinhas Percy." - Nick, pelo jeito não havia mudado nada nesse tempo que não nos vimos.

"Amanhã você não vai me ignorar como faz com as minhas mensagens Percy." - Tori devia estar tão parecida com a minha mãe, e eu não sabia como iria explicar a falta de respostas para as suas milhões de mensagens e recados do ultimo ano.

"Uma aranha haverá entre os planetas." - Dizia a terceira. Eu temia isso.

Desliguei o celular e encarei os irmãos com cenho franzido.

- Preciso que amanhã vocês registrem cada pessoa na festa.

- Podemos usar canhões? - perguntou Lula rindo. - Somos de Netuno, amamos canhões.

- Pode deixar Alteza, usaremos todo o equipamento e faremos uma lista de procurados. - brincou Graves.

- Eu adoro esse senso de humor de vocês. - elogiei - Mas eu preciso de vocês focados nisso amanhã. Entenderam? - entonei com força.

- Sim, Vossa Alteza. - disseram juntos, entendendo que era uma ordem e não um pedido.

Subi até a proa onde Quentin tentava afastar o sono e calar a cantoria desafinada de Cheira-Cravo.

- Teremos uma aranha entre os planetas. - falei, repetindo a mensagem.

Pedroso fechou o cenho encarando o mar. Quentin repousou o livro sobre o sofá e apertou os ombros.

- Já esperávamos por isso. - Suspirou olhando para as estrelas. - É importante passar essa informação para Solares.

- É uma boa ideia senhor mentor. - debochou Cheira-Cravo. - Vamos m****r uma pomba com um canudo dizendo: "Tem um espião aí e estamos levando cebolas".

Quentin sorriu do deboche balançando a cabeça em negação.

- Não é bem assim que eu informaria as Majestades, mas temos que fazer isso.

- Eu sei o que fazer e espero que vocês estejam com as aulas de teatro em dia. - Sorri colocando as mão nos bolsos.

- Eduardo Percival De Lux, eu espero que não esteja pensando no que eu estou pensando que você está pensando. - As veias da testa de Quentin pulsavam e seus olhos ficaram levemente ejetados. - Discorde disso General de Brigada e Contra Almirante Pedroso Rocha.

- Ele vai ser rei. - disse dando de ombros - Se ele quiser eu sou uma virgem sacerdotisa de Lunari.

- Percival, já faz anos. E se... 

- Não estou pedindo permissão ou conselho. É o que vou fazer. - Eu odiava discordar de Quentin, mas essa informação tinha que chegar até meu pai com urgência. - Quero que façam todas as algazarras indicando minha chegada.

- Sim Alteza. - concordaram.

Desci até meu quarto pegando o que importava e colocando tudo em uma mochila jeans desbotada. Troquei as roupas reais pelo uniforme de treino do exército da Lua; uma calça grossa preta esverdeada, uma blusa preta com um colete a prova de balas e uma jaqueta de couro por cima, um coturno marrom gasto e uma faca serrilhada presa na cintura junto com o presente da minha irmã.

Olhei para água prateada pela luz da lua e para as ondas grandes que balançavam o 'Brilho-de-Selene'.

- Que a luz da lua guie meus passos e ilumine meu caminho. - Rezei e subi no jet-ski.

...

Quando cheguei a Solares ninguém notou minha presença e quanto mais andava pelo reino mais estranho me parecia. Eu não pertencia mais a Solares, assim como todo o povo já havia se esquecido de mim.

Dei a volta pelo estábulo real e passei pelo jardim. Eu e minha irmã vivíamos brincado por ali quando éramos crianças, adorávamos correr pelos girassóis.

Fui até a estátua dos meus avós, próxima à parede do Castelo, e apertei o botão atrás do bracelete de minha avó e a porta metálica rangeu. Subi uma centena de degraus passando por três portas. Uma dava para cozinha no primeiro andar, a segunda dava para o corredor dos quartos reais no segundo andar e por fim o ultimo andar. Passei pelo observatório até o escritório do meu pai, abrindo a porta e dando de cara com ele.

Demorou um minuto para que me reconhecesse, mas assim que aconteceu abriu um sorriso e se levantou tão abruptamente que derrubou seu café com leite molhando papéis e sujando o chão.

- Percival! - gritou me abraçando com força e beijando meu rosto. - Como você está grande e forte.

- Oi pai. - respondi meio sem graça.

Era estranho ter esse carinho e atenção, pois passei mais tempo com homens fardados e com pessoas desconhecidas do que com a minha família.

- Cadê sua comitiva? - perguntou se afastando - E por que está vestido assim como um guarda Lunar?

- Deixei Quentin e os outros na lancha, eles virão amanhã fazendo algazarra como se eu estivesse com eles, eu tive que vir na frente e entregar uma mensagem urgente.

Meu pai cruzou as sobrancelhas e juntou as mãos esperando que eu continuasse.

- Haverá espiões do Império Shomungo e de Navori. - Meu pai não tirou os olhos de mim, o que me deixava nervoso. - Eu sei que esses reinos estão longe de nós, e nossa localização torna quase impossível uma invasão, mas se há espiões então alguma coisa está acontecendo.

- Eu sei dos espiões meu filho, assim como sei das revoltas em Lunaris, e estou lidando com isso. - Ele me abraçou forte mais uma vez. - Percival tire isso de sua cabeça e curta sua festa de aniversário.

- Pelo que vi é a festa de aniversário da Tori e não posso tirar isso da minha cabeça pai, não depois da Lua Sangrenta.

Meu pai arqueou as sobrancelhas triste.

- Percival... - disse suspirando, e se ia dizer mais alguma coisa guardou pra si.

- Isso é tudo meu pai. - falei, já saindo.

Quando estava na porta meu pai gritou:

- Passe no quarto para ver sua mãe, quando saí ela estava se exercitando.

Sai sem dizer nada, passei pelos guardas que no máximo achavam que eu era um guarda de outro reino, pois não se curvaram como era de costume.

O castelo estava cheio de visitas. Vi meus avós conversando com outros representantes reais em uma das varandas, e passei por Nicholas que cantava uma moça de cabelos loiros e seios fartos. Até pensei em falar com ele, mas não éramos mais tão próximos como já fomos então dei a volta e segui para o meu antigo quarto.

Entrei no closet e forcei uma lateral revelando uma passagem estreita, me agachei e fui até o quarto da minha irmã.

Tori dormia com os cabelos vermelhos como fogo vivo esparramados pelo travesseiro. Parecia que a qualquer momento começaria um incêndio. Baba escorria pelo canto da sua boca e o edredom estava caído ao lado da cama. Sua camisola estava acima da barriga toda embolada então eu cobri-a com o lençol.

- Nick? - sussurrou enquanto girava o corpo, jogando todo o cabelo no rosto. - Eu tenho um patinho verde...

Ri vendo que minha irmã ainda era uma princesinha. Dei a volta na cama e coloquei sobre a mesa um pingente de sol feito de esmeralda e jade com cordão em ouro.

Quando estava para me virar senti alguma coisa puxar a barra da minha camisa.

- Deita comigo P. - ela pediu - Eu queria brigar com você, mas estou com muito sono.

- Está bem V. - concordei guiando-a de volta para a cama. - Mas se você começar a me empurrar vou te derrubar da cama.

- Está bem. - Apoiou a cabeça sobre meu peito jogando os cabelos em meu rosto. - Você está com um cheiro diferente, até parece que tomou banho. - provocou.

- E você está usando perfume para disfarçar o chulé? - brinquei.

- Sorte sua que estou. - ela respondeu e logo em seguida pegou no sono.

Senti um aperto no peito, mas guardei-o assim como todos os outros sentimentos. Eu tinha que ser forte por ela.

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