Que a luz da Lua guie meu caminho e ilumine meus passos. Essa era minha prece desde a Revolta da Lua Sangrenta.
Por mais que eu tentasse me esquecer do que havia acontecido sempre que fechava os olhos via os corpos, as chamas e o sangue; tudo por minha causa.
- Alteza. - A voz grossa e cantante do meu mordomo Lesmir me despertou dos meus pensamentos. - O senhor partirá para o Lagoa da Lua após seu desjejum.
Olhei para o relógio que marcava cinco horas da manhã e suspirei pesado. Fazia uma semana que não dormia direito e me sentia um lunático.
Salvei minhas anotações diárias e fechei meu notebook desejando mais do que tudo que acabasse logo as celebrações de aniversário.
- Eu serei rei em breve. - contei para meu reflexo - Uma droga de rei.
O que via no espelho não me agradava. Minha pele estava mais bronzeada, meu cabelo ruivo estava mais escuro e sujo, e as minhas sardas mais marcadas do que antes.
Suspirei pesado novamente alisando meu terno verde escuro, tirando os amassados das horas que estava sentado escrevendo os relatórios e fazendo o balanceamento dos meus gastos.
Meu pai não ficaria feliz com as mudanças que mandei fazer nos aposentos reais, mas já que logo seria eu a morar lá, tinha que fazer alguns ajustes.
Olhei para meu quarto tentando gravar cada pedaço. As paredes lisas em tons gelo e sem detalhes, minha cama simples feita de salgueiro, uma bancada de madeira de mastro velho que pegava três paredes e que estavam repletas de mapas um sobre o outro, tratados, livros, bússolas, cordas, astrolábios, quadrantes, facas e rochas, e várias outras tralhas navais e de sobrevivência. Tudo seria colocado no depósito e o quarto limpo como se eu nunca tivesse passado por aqui.
Desci as escadas, incomodado com o toc-toc que meu sapato fazia no piso de calcário do castelo. À mesa me esperavam o General-de-Brigada e Contra-Almirante Pedroso Rocha, ou como chamamos, Cheira Cravo, meus pajens Graves e Tobias Águarasa, também chamados de Arraia e Lula, e o meu mentor Quentin Spencer. Assim que sentei eles fizeram o mesmo.
- Como está os preparativos, Senhor? - perguntei após beber um gole de café. - Algum contra tempo?
Cheira-Cravo não gostava de ficar no castelo, assim como não gostava de ficar muito tempo parado. Seu uniforme verde com detalhes prateados o deixava com um ar de engomado e limpo.
- Está tudo indo bem Perci... - Seus bigodes grossos remexeram em desgosto pelo leve pigarreio de Quentin. - Vossa alteza.
- Não seja tão formal comigo Cheira-Cravo. - brinquei, fazendo Arraia e Lula rirem. Tendo 16 e 15 anos fazê-los rir era um dos meus passatempos favoritos, principalmente após a morte do pai deles na Revolta. - Alguma informação que eu deva saber Quentin?
- Príncipe Percival, devo te informar que seus gastos extras não estão sendo bem vistos pelo conselho e que estão propondo fazer uma convocação à Majestade, seu pai. - disse tudo de uma vez como sempre fazia, torcendo um pouco o nariz quando citou meu pai.
O nervosismo do meu mentor era visível, arrumando seus óculos quadrados a todo o momento e fazendo seu tique de beliscar a orelha para baixo quando falava da possibilidade de meu pai ser chamado. Em sua cabeça isso era um sinal de que estava sendo um péssimo mentor.
- Se eu fosse o futuro rei... - começou Graves - Eu ia fazê-los beijar meu anel ou os afogaria na Lagoa da Lua.
- Se eu fosse o rei... - continuou Tobias - Iria afoga-los na Lagoa da Lua e depois fazer os filhos deles beijarem meu anel.
- Se vocês fossem reis não seriam duas lesmas, ou melhor, uma arraia sem ferrão e uma lula sem tentáculos. - cortou Quentin - Alteza, devemos ser cautelosos com o conselho, eles respeitam seu pai, mas muitos deles são fanáticos pelas tradições antigas.
- Eles querem a minha irmã. - completei, perdendo a fome. Esperava que a dona Esperanza me perdoasse por não comer seus pães de algas com legumes - Não posso mudar a ordem de nascença e nem as tradições antigas, mas devo respeitar e zelar pelas ordenanças do meu rei e da minha rainha.
- Sábias palavras Percival. - O general-de-brigada e o contra-almirante Pedroso sempre elogiava meu senso de dever, mas não era bem isso o que eu queria dizer - Eu vou para o 'Brilho de Selene', preciso pisar na água e me mexer, estou me sentindo enjoado de ficar parado. - Fez sua melhor saudação e saiu.
- Recomendo que vocês dois - Quentin encarava os irmãos Águarasa - vistam suas melhores roupas, pois daqui dois dias iremos estar frente a frente com as Majestades e em Solares. E se um de vocês...
- Afogamentos e tragédias piores do que serpentes marinhas e tempestades nos esperam... - completaram os irmãos, saindo da mesa e voltando para seus aposentos empurrando um ao outro e se provocando.
- Por Lunari. - Quentin levantou quatro dedos da mão direita e bateu no peito quatro vezes em honra da grande deusa da Lu. - Recomendo que você deva trocar de pajens.
- Não seja duro com eles. - Quentin era guardião dos irmãos após a morte do pai, que foi um dos meus guardas - Eles já perderam demais.
- Eu sei, mas eles precisam ser exemplos. - Meu mentor balançou a cabeça fazendo o laço do seu cabelo se soltar revelando um véu negro e comprido de fios. - Você pensou na proposta do Brigadeiro Drumont?
- Ainda não sei, é uma boa proposta...
- Mas? - Quentin me conhecia bem, estava comigo desde as minhas primeiras palavras sempre me corrigindo e me instruindo.
- Eu já servi na Marinha, no Exército e na Aeronáutica. - Fechei os olhos, me lembrando dos treinamentos intensos e das missões. - Ser um Icarus é algo que não almejo, mas poderia ser bom para meu reinado.
- É a forma certa de pensar. - Meu mentor fez seu tique de puxar a orelha. - Mas Alteza, você começou seu treinamento nas forças armadas e especiais dos reinos com seus dez anos, o mais novo de toda história, já é um soldado respeitado e não há melhor atirador que você no reino, tem medalhas e honrarias para provar isso.
- Isso ainda não é suficiente! - Bati na mesa em um ataque irritado. - Minha irmã está sendo treinada pela minha mãe e pelo meu pai, além de ter os melhores dos melhores professores para ser a maior rainha de todos os reinos. - Suspirei contando até quatro. - Eu tenho que ser capaz de lidar com Lunaris e suas revoltas internas e ser o melhor para ter voz e poder dentro dos outros reinos, assim minha irmã reinará em paz.
- Percival. - A voz de Quentin estava cheia de apelo e temor. - Suas palavras não soam do coração.
- Não preciso seguir meu coração Quentin, mas sim meu dever como irmão mais novo.
Apesar de já ter servido à marinha, eu não gostava muito de navegar ou de estar no mar.Não ter a certeza do quão fundo posso chegar me deixava indefeso e me fazia sentir pequeno, mas graças a Lunari as águas da Lagoa da Lua estavam tranquilas.Cheira-Cravo cantarolava desafinado enquanto manejava a lancha. Ele havia trocado a farda por uma bermuda cáqui e uma camisa larga azul-marinho, enquanto Quentin estava dormindo na proa com um livro grosso sobre o peito e os óculos torto no rosto. Eles eram uma dupla improvável e engraçada.Eu estava com os irmãos Águarasa que jogavam dados apostando coisas aleatórias como controles de vídeo games, action-figures, bonés, cuecas e namoradas. Tobias estava trapaceando como sempre e Graves fingindo que não percebia.- Alteza, como é Solares? - perguntou Lula, mudando o dado de um para seis com
- Bom Dia! - minha mãe falou animadamente.Esfreguei os olhos, tentando acordar.Que droga!- pensei. Era o meu aniversário.Eu estava fazendo dezoito anos e havia muita expectativa sobre esse dia.Diferente da minha mãe, eu felizmente não seria coroada aos dezoito, mas isso não tornava o dia menos importante. A partir daquela data eu estava apta para herdar o trono caso algo acontecesse à minha mãe, e não precisaria de um regente.Era estranho pensar nisso, mas eu entendia que o reino precisava estar preparado para tudo.Se dependesse de mim minha mãe reinaria para sempre, pois ela era uma rainha excelente e uma mãe incrível.Me sentei na cama, ainda me sentindo sonolenta.- Feliz aniversário meu amor. - ela falou carinhosamente, me puxando para um abraço.- Obrigada mãe. - eu resmunguei com a voz rouca de son
Assim que Tori caiu no sono eu voltei para meu quarto encontrando minha mãe cochilando em minha cama. Ela estava mais magra e sua expressão mais majestosa do que nunca.Minha mãe era uma rainha amada por toda Solares e reinos aliados, e eu conhecia toda sua história e as guerras que só uma verdadeira rainha podia passar.- Vai ficar parado como uma estátua ou vai abraçar sua velha mãe? - brincou ela, abrindo seus olhos verdes penetrantes.Caminhei até ao lado da cama abraçando-a.- Eduardo, meu filho pode me apertar mais forte, não vou quebrar. - cochichou em meu ouvido.Ri apertando-a mais forte. O cheiro de calor e de maçã invadiram meu nariz trazendo lembranças e lágrimas.- Eu sei meu filho. - confortou alisando meus cabelos. - Não tem sido fácil para você e nunca vai ser, mas você vai conseguir.Minha
Era manhã do outro dia, depois do meu aniversário, e eu estava com muito calor e um pouco tensa, então aproveitei que minha mãe não estava, e eu não tinha nada para fazer pela manhã, e fui nadar um pouco na piscina do castelo.A água era um ótimo relaxante e me fazia esquecer um pouco dos problemas que me aguardavam a partir daquele dia.Mergulhei fundo e fiquei lá, o quanto meu fôlego aguentava, então voltei à superfície.- Oi. - Uma voz falou, me pegando de surpresa.- O que está fazendo aqui Nicholas?! - perguntei, brava por ele ter me assustado. - Achei que já tivesse ido embora.- Estou indo agora. - ele respondeu com um sorriso, sem nem se importar com a minha raiva.Saí da piscina e só então percebi que havia sido um erro.Eu estava só de biquíni e ele estava perto demais de mim.
Assim que cheguei na porta do escritório do meu pai para participar da reunião minha mãe me esperava com as mãos na cintura. Ficou claro que esse não era o plano dela para mim.- Mãe? - Perguntei para quebrar o silêncio.- Filho. - Ela assoprou uma mecha de cabelo ruivo, fazendo-a parecer mais jovem. - Eu quero conversar com você.Ela estendeu o braço e eu o peguei em silêncio, não havia como discutir com Alice e ganhar.A música da festa foi ficando mais baixa enquanto caminhávamos para os jardins reais. Passamos por um portão de ferro que indicava o primeiro jardim, o Jardim do Sol, onde havia toda variedade de flores, plantas e até árvores de Solares.Minha mãe caminhava olhando fixamente para frente e então se sentou na mureta da fonte.- Quando você pretende ir embora? - ela perguntou.- Hoje ap&o
Por mais que eu fixasse meus olhos no relógio o tempo corria do mesmo jeito lento e isso estava me dando nos nervos.Liguei meu tablet e vi uma mensagem de Nick."- Me ligue, é urgente."Peguei meu celular e estava cheio de chamadas perdidas de Nick.Suspirei encarando o relógio e retornei a ligação.- Percy? - disse Nick com a voz um tanto sonolenta. - Cara, são...- Duas horas da manhã, eu sei. Você me pediu para ligar. O que é tão urgente?- Ah. - exclamou colocando o celular no viva-voz. - Eu vou ter um irmãozinho!- Parabéns. - respondi me sentindo um pouco frustrado por não ser algo tão importante. - Mateus deve estar nas alturas.- Papai está todo atrapalhado, um bobo alegre.- Com quem você está falando? - perguntou uma voz feminina ao fundo - Volta pra cama...- Você não
Quando finalmente anoiteceu e eu fui para o jantar encontrei todos num clima muito estranho.Minha mãe estava sentada, encarando o seu prato e quase não comendo, meu irmão estava distraído e não parava de olhar para a minha mãe de canto de olho e meu pai parecia estar tentando ignorar a situação. Alguma coisa havia acontecido.Terminei de comer e esperei que minha mãe se levantasse, então todos foram saindo da sala. Eu segui Percy e o puxei pelo braço assim que os outros se afastaram.- O que aconteceu? - eu perguntei direta.Ele franziu a testa.- Do que está falando, Tori?- Você sabe do que eu estou falando. Da mamãe. O que aconteceu?- Nada. - ele respo
Sempre odiei pedir desculpas, por isso me esforçava ao máximo para não errar. Eu não dizia tudo que pensava e sorria sempre que havia alguma discórdia, pensava muitas vezes antes de dizer algo e procurava conhecer tudo o que podia sobre uma pessoa para não a ofender, mas, as vezes, simplesmente transbordava o que estava oculto dentro do meu coração e eu falava demais. Quentin me censurava a respeito disso, me dizendo que algum dia se eu não aprendesse a esvaziar o jarro das emoções, ele transbordaria e me afogaria.Coloquei a cabeça para dentro do quarto da minha mãe, e a encontrei vendo os álbuns de fotos. Seus olhos estavam mais brilhantes por causa das lágrimas e seu nariz parecia uma pimenta.- Mãe? - chamei em voz baixa para não assusta-la. - Posso entrar?Ela acenou que sim sem olhar para mim e eu andei meio vacilante até sentar de