O silêncio no tribunal era tão espesso que parecia pesar sobre os ombros de todos os presentes. Nenhuma câmera fora autorizada. O caso se tornara conhecido nacionalmente, mas o juiz optara por sigilo absoluto, principalmente para preservar a integridade da vítima — Amber.
Ela continuava em coma, internada na ala intensiva da ala particular do hospital Saint Grace. Enquanto máquinas pulsavam e sons robóticos marcavam os segundos da sua luta pela vida, do outro lado da cidade, o destino que tanto a perseguiu agora tinha um novo oponente: a justiça.
Victor Willivam, ao lado de Benjamin e do advogado da família, sentava-se à frente, com os olhos fixos no banco dos réus. Olga fora trazida algemada. O rosto rígido e os olhos frios não demonstravam o menor arrependimento. Os demais envolvidos — Marina, o marido e o advogado c
As árvores já floresciam de novo quando Amber cruzou os portões da mansão Willivam. O ar da primavera era leve, mas o coração dela ainda carregava os ecos de um inverno longo e sombrio. Cada passo em direção à escadaria principal era uma vitória silenciosa. Estava viva. Estava em casa.O sol da tarde invadia os vitrais da entrada, desenhando cores no chão de mármore. Amber fechou os olhos por um instante. Respirou fundo. Pela primeira vez em muito tempo, aquele lugar não parecia uma prisão dourada. Parecia... refúgio.Desde a prisão de Olga, ninguém mais ousara mencionar sua tia em voz alta. A sentença havia sido divulgada, o escândalo abafado por acordos entre advogados e interesses da alta sociedade. A última notícia que recebeu foi de que sua prima fora retirada da escola—os tios nunca pagaram de fato as mensalidade
O sol atravessava as cortinas brancas do quarto de hóspedes, pintando a parede com um tom dourado suave. Amber abriu os olhos devagar, sentindo o corpo ainda cansado da noite anterior, mas não de dor. Era um cansaço bom, quase como se o peso dos últimos meses finalmente tivesse sido solto de seus ombros. Ela virou de lado e encarou o teto por algum tempo, absorvendo a paz daquele momento. Pela primeira vez em muito tempo, ela acordava sem medo. Sem pavor de gritos vindo da casa principal, sem o cheiro de mofo do porão, sem os olhos frios da tia a julgando a cada passo, ou sua prima aguardando um erro para pisá-la. Na mesa de cabeceira, uma bandeja com café da manhã, esperava com pães, frutas cortadas, suco de laranja e uma flor branca no centro do prato. Amber sorriu, emocionada. Maria, é claro. Ela se levantou devagar, calçou as pantufas novas que haviam deixado para ela, e caminhou até a janela. Lá fora, o jardim da mansão Willivam estava calmo, com pássaros brincando entre as
Naquela manhã, Amber acordou com um objetivo diferente. Pela primeira vez, ela não estava apenas tentando sobreviver. Agora, ela queria construir alguma coisa. Algo só dela. Já vestida e arrumada, desceu para o café da manhã onde Maria, como sempre, já havia preparado tudo. A mesa estava cheia de frutas frescas, ovos mexidos e torradas quentinhas. Benjamin já estava ali, devorando uma tigela de cereal com leite como se estivesse atrasado para uma maratona. - Bom dia, dorminhoca - disse ele com a boca meio cheia. - Bom dia, comilão - respondeu ela, sentando-se ao lado dele com um sorriso discreto. John apareceu no corredor em seguida, se jogou na cadeira e olhou para ambos sorrindo com um pouco de dor no rosto. - Vocês dois vão à escola juntos hoje? - O Benjamim tem ido de moto para a escola, mas não custava perguntar, queria saber para não ficar de vela no carro. - Na verdade - disse Amber, pegando uma maçã - hoje é o dia da apresentação dos projetos eletivos. Eu e Carla v
Muitas histórias começam com um “Era uma vez” ou se passam em um lugar “tão, tão distante”. Mas não essa. Essa é a minha história — e posso te garantir que ela está bem longe de terminar com um “felizes para sempre”.Prazer, meu nome é Amber. E eu sou o motivo pelo qual você vai começar a duvidar que contos de fadas realmente funcionem fora dos livros.Estou no último ano do ensino médio, mas diferente da maioria dos veteranos que brilham pelos corredores da escola, eu passo despercebida. Quer dizer... se desconsiderarmos o apelido “a órfã” que carrego desde que minha adorável prima resolveu transformar minha tragédia pessoal em fofoca de corredor.Minha escola é um teatro, dividido entre classes sociais e padrões de beleza. E eu? Eu não me encaixo em nenhuma dessas categorias. Estudo ali apenas porque minha tia Olga, além de diretora da escola, também é — para minha total infelicidade — minha guardiã legal. Mas não me entenda mal. A ingratidão é recíproca.Meus pais morreram quando eu
A escola, para mim, sempre foi o próprio inferno. Mas este ano não é nem pelos motivos de sempre. É pior. Minha tia continua sendo a diretora — sim, a própria Cruella em carne, osso e maquiagem cara — e minha prima? Rainha do baile por três anos consecutivos. Três. E adivinha? Vai ganhar de novo esse ano, com certeza. A única coisa que muda são os jogadores de futebol que ela escolhe por temporada para chamar de “meu amor”.Meu objetivo, como nos outros anos, é simples: sobreviver mais um dia e juntar grana pra faculdade. Nada de universidades de elite, claro. Meu sonho mesmo é qualquer canto bem longe da minha tia e do teatro que ela chama de família.Parada em frente ao espelho, vejo a garota de sempre: cabelos longos e rebeldes, olhos claros, pele bronzeada — cortesia dos dias entregando panfletos sob o sol — e, claro, aquele uniforme horroroso que parece ter saído de um dorama genérico. Sainha, camisa social e a maldita gravatinha. O modelo foi escolha da minha tia, inspirada no su
— E esse ano, teremos mais um novo aluno para completar o nosso time de estrelas que é o Colégio Bernoulli. É com muito prazer que dou as boas-vindas a Benjamin William.E lá estava ele. Jaqueta de couro, calça justa e um sorriso que faria até a Madre Teresa repensar seus votos. Uma onda percorreu meu corpo. O auditório virou uma arena, gritos por todos os lados. As meninas quase desmaiando. Era como assistir à eleição relâmpago do novo rei do baile. Minha tia, a broaca oficial, ainda falou mais umas bobagens antes de nos liberar. Saí em direção ao meu armário. Como num passe de mágica, os celulares apitaram em sincronia com o início das aulas. Nossa escola tem um aplicativo próprio — dá pra fazer de tudo por ali, de reclamações sobre professores a pedidos de transferência. Um clique e voilà. Carla e John se aproximaram.— Garota, tu viu aquele espetáculo de homem? — John disse, se abanando com a própria mão.— Para com isso, John, você sabe que ele não é do nosso nível — Carla abriu o
Cresci numa família de diplomatas. Em outras palavras: nasci em berço de ouro, com a certeza de que herdaria terras, empresas, lojas e tudo mais que o sobrenome William pudesse me oferecer. Mas meu pai nunca permitiu que eu me tornasse um mimado. Pelo contrário, fez questão de me mostrar de perto a dureza da vida — a fome, a pobreza, e principalmente, a ignorância.Hoje vou entrar na mesma escola onde ele estudou. Foi lá que conheceu e se apaixonou por minha mãe. Mas ele me avisou: as coisas mudaram. Disse que a nova gestão, liderada por uma diretora gananciosa, transformou o lugar. Segundo ele, meu nome — William — valeria mais do que minha própria personalidade. Eu teria que aprender a navegar nesse ambiente onde meu título pesava mais que quem eu sou: Benjamin.Com a ajuda da minha ama, em poucos minutos já estava vestido e alimentado.— Ben, seu carro já está pronto. Só falta você.— Obrigado, Maria. Não sei o que seria de mim sem você — aproximei-me e beijei sua bochecha. Ela sorr
Faz cinco dias desde que vi Benjamin. Ele virou a celebridade do momento, o príncipe encantado que desmaiou diante da escola inteira e, mesmo assim, conseguiu sair por cima. Já eu... continuo sendo ninguém.Minha tia, com sua criatividade habitual, decidiu me punir furando os pneus da minha caminhonete — junto com sua filhinha predileta. Sabem que estou juntando cada centavo para a faculdade, e me atingiram onde mais dói. Resultado: tive que trabalhar o dobro para repor o prejuízo.Hoje é dia de encarar mais um turno na lanchonete da empresa do pai do Théo. Não é o pior dos lugares... até os amigos dele aparecerem. A partir daí, começa o inferno: lanches no chão, bebidas derramadas em mim, e a palhaçada clássica de colocarem o pé para eu tropeçar enquanto sirvo os outros clientes.Não quero começar o dia já me irritando, então me levanto e me arrumo. O uniforme de garçonete não me cai tão mal, e por um segundo me pego pensando nisso — Droga, estou começando a pensar como aqueles idiota