Gabrielle A noite seguida de um dia inteiro de trabalho braçal é reconfortante. Deixo aqui registrado meu completo respeito pelos profissionais dos cargos mais baixos, com ênfase para os profissionais da limpeza. A verdade é que ninguém se importa com essas pessoas até precisar delas, ninguém pensa nelas como seres humanos que estão trabalhando duro para garantir a ordem e a higiene, e acima de tudo, que estão apenas tentando sobreviver e ganhar um salário para alimentar suas famílias. A forma como são tratados é simplesmente inadmissível. Se as pessoas as tratam como inexistentes, o que seria delas se eu simplesmente decidisse dar um dia de folga para o setor da limpeza? Sei que um dia não é muito tempo, mas é a única função que, se parar por apenas um dia, todos os setores se tornariam um completo caos. Seria recompensador ver todos aqueles idiotas tirando o próprio lixo, limpando a própria mesa, e os banheiros... Comecei a rir sozinha, logo pela manhã, imaginando a cena.
Gabrielle — Estou orgulhoso de você — disse finalmente, para meu alívio. — Realmente estou surpreso por estar pensando no conforto de pessoas que você nem conhece. — Pensa tão mal de mim assim? — Vamos ser francos, querida — sorriu ele. — Você é a pessoa mais apática que conheço. E eu nasci em Nova Deli. Ouvi-lo dizer, em voz alta o que pensava a meu respeito, me deu uma pequena pontada no coração. Jullian era a pessoa mais próxima que tive em toda a minha vida, conhecendo partes de minha personalidade que nem mesmo meus pais sabiam que existia. E apesar dele sempre deixar escapar que me achava uma pessoa arrogante, manipuladora e superficial, não tornava mais fácil de se ouvir. — Vejo que tem a mesma opinião de minha mãe sobre minha personalidade — observei. — É sobre mim que conversam todas as manhãs? — Sim, você é a pauta principal de nossas reuniões matinais, e devo dizer, sua mãe está muito preocupada com a forma como sua personalidade está evoluindo,
Gabrielle — Se está falando de ter escondido aquela foto por tanto tempo... — Suas evasivas não funcionam comigo. — sorriu ele. — Refiro-me à minha ausência por tanto tempo. — Dave mencionou um acidente — sondei. — Está relacionado? — Sim. Como não existe um método fácil de dizer, vou direto ao ponto — adiantou-se. — Eu sofri um acidente logo após chegar em minha cidade natal... Seus olhos estavam vidrados na estrada, mas pude notar seu nervosismo. Sua voz se tornou um pouco áspera, como que estivesse me contando um segredo obscuro, não por sua própria escolha, mas por estar sendo empurrado para essa confissão. Seu sotaque estava mais pesado e as palavras saiam mais lentamente, como que estivesse escolhendo-as uma a uma. Continuou: ― Lembro-me vagamente das luzes dos carros vindo na minha direção... depois disso, tudo se apagou. Eu acordei anos depois, perdido no tempo, sem ideia do que tinha acontecido. Um aperto gelado tomou conta do
Gabrielle — Eu não sei — confessei. Eu tentei encontrar algo que pudesse definir o que sentia, uma palavra, um nome para aquele turbilhão dentro de mim, mas era como tentar capturar a névoa com as mãos. Nada fazia sentido, e tudo parecia fora do lugar. Por que, depois de tanto tempo, ele ainda tinha esse poder sobre mim? — Isso é ótimo — disse ele, sorrindo — significa que não me odeia. — Eu não disse... — Não se preocupe — me interrompeu — estou disposto a arcar com as consequências de minha ausência. — E como exatamente pretende fazer isso? — Vou te mostrar que podemos ser muito mais do que um dia fomos. ― seus olhos se encontraram com os meus, e havia uma sinceridade neles que me desarmou. Retomamos nosso caminho e seguimos em silêncio pelo restante do percurso. Eu não esperava que ele estivesse disposto a assumir qualquer responsabilidade que pensasse ter comigo; afinal, ele não tinha nenhuma. Ele não era culpado pelo meu se
Gabrielle Já tinha se passado quatro semanas, e finalmente eu consegui descansar. Pela primeira vez na vida, entendi o anseio por merecidas férias. Não havia sido nada fácil, eu comecei a entender o que um "faz-tudo" fazia. Jullian aproveitou a situação para me humilhar. Na primeira semana, tive que limpar o chão, as janelas, as portas, esvaziar os lixos, lavar os sanitários. Cada tarefa que eu realizava me parecia interminável. O cheiro forte dos produtos de limpeza me deixava enjoada, e minhas mãos pesavam depois de tantos dias de esfregar e lavar. Na segunda semana, cuidei das entregas de correspondências e contratos, passando o dia subindo e descendo, carregando remessas de papéis e contratos para todos os departamentos. Meu corpo já não aguentei mais o sobe e desce constante, e, à noite, eu só queria desabar na cama, sem forças nem para pensar. Na terceira semana, virei a garota do bloco de notas; Fiquei obrigado a realizar todas as tarefas que eram coladas nos qua
Gabrielle Nos sentamos naquele espaço sem emoção e ficamos longos minutos sem dizer nenhuma palavra; eu encarava o quadro de fotos e ela me encarava. Minha mãe era uma mulher muito bonita, havia ganhado vários concursos de beleza quando tinha a minha idade, mas deixou tudo para se casar com John. Leslie era a mulher mais bonita que eu já tinha visto em minha vida, e acredito que o mesmo aconteceu com John, ou não teria acontecido de se casarem, uma vez que, assim como eu, ele não era uma pessoa muito emocional. Sua pele negra era macia e uniforme, sem qualquer marca de expressão ou sinais de rugas. Seu cabelo era de um preto tão escuro quanto carvão, com cachos grossos e volumosos, seus olhos eram grandes e verdes, e seu sorriso era deslumbrante, o mais aberto e cativante que eu já havia visto. Mas parava por aí; sua beleza era tudo o que havia para eu admirar. Como mulher, era simplesmente fantástica, mas como mãe, era uma completa decepção. Enquanto eu a observava, se
Lucas Park Desde que havia retornado, não consegui descansar nem por um segundo. Sempre tinha aquela sensação de que, no momento em que baixasse a guarda, tudo iria desmoronar. Por essa razão, sempre me mantive em alerta, pronto para atacar a qualquer momento. Mas, naqueles minutos junto a ela, me permiti baixar minha proteção e deixá-la entrar. Quando li aquela mensagem em meu celular, não pude deixar de amaldiçoar o momento em que permiti que aquela pessoa entrasse em minha vida. Era como um lembrete de que eu jamais poderia deixá-la para trás novamente, nem mesmo poderia confiar sua segurança a outra pessoa, nem mesmo a Jullian. Ele não seria capaz de protegê-la dessa vez. Não sabia sequer se estava ao meu alcance. Aquelas palavras eram, antes de tudo, um ultimato. Ela comprometeria tudo pelo qual estive lutando durante toda a minha vida, e além disso, comprometeria todo o legado dos meus pais, assim como o legado do velho John. Eu conhecia Gabrielle o suficient
Lucas Park Senti meu coração bater tão forte quando desliguei aquele carro, e a cada passo em direção ao pequeno bar onde Jullian me esperava, parecia me aproximar mais da minha condenação. Aquele lugar parecia mais uma velha casa, com todo o seu exterior coberto por trepadeiras. As janelas estreitas me permitiam ver as luzes acesas lá dentro, mas não era o suficiente para verificar se havia muitas pessoas. Era irônico como um lugar tão tranquilo, que mais parecia ter saído de um conto de fadas, abrigava a conversa que poderia trazer meu maior pesadelo à realidade. As trepadeiras, o cheiro da madeira e o calor da luz pareciam zombar da tempestade dentro de mim. Quando entrei pela porta, notei que Jullian me esperava, sentado na bancada a poucos passos. Cada passo ecoava como um martelar, um lembrete de que eu estava caminhando para algo que não tinha volta. Meus dedos formigavam, e um suor frio descia pela minha nuca enquanto eu tentava ensaiar mentalmente o que dizer a Jull