Após secar todo o chão por onde Skoob passou, Aislan tratou de descarregar a bagagem do carro, alimentou o dog, guardou suas roupas e pertences nos armários e aí se deparou com o presente deixado por Henrique. Com um sorriso irônico ele coça a cabeça não acreditando no que o amigo lhe comprou. Ao se ver livre de suas tarefas, Aislan decidiu almoçar em um dos quiosques. A sua vontade era de almoçar a beira mar, mas dirigir depois de uma manhã tensa e cansativa não estava mais em seus planos. Skoob voltou a brincar com as crianças na lagoa, enquanto o saradão se deliciava com uma bela porção de feijão verde, prato típico do estado e nem preciso dizer, né? Foi amor à primeira vista e com direito a um: “Garçom! Traga mais uma porção, por favor.”.
Tudo corre bem e por aquele momento Aislan aproveita para absorver a paz que lhe invade, mesmo sofrendo com os 28° à sombra. A alegria das pessoas ali presentes é contagiante. Crianças e seus familiares se divertem em companhia do Skoob na lagoa. Alguns jovens escutam músicas e bebem no outro extremo da lagoa. Nos quiosques, casais se entreolham apaixonados durante o almoço. Em outras mesas, amigos contam piadas de bêbados, por já estarem embriagados.
Mesmo com a alta temperatura o vento bate brando e suave, refrescante. Literalmente, Aislan está em paz e satisfeito, surpreendendo a si mesmo. Durante o voo ele refletiu em sobre realmente precisar daquela viagem, que ela lhe faria bem, mas em momento algum imaginou que a transformação aconteceria logo no primeiro dia. Após o almoço ele se permitiu tirar uma soneca na rede armada na varanda da casa. Um repouso desejado... Um sono tranquilo... Até que por volta das sete da noite, o seu sono é interrompido por gritaria, latidos e miados...
— Finn! Finn! Volta aqui! Finn... — chamava em meio às lágrimas.
Só deu tempo de Aislan abrir os olhos e ver um corpo pequeno se perder em meio à mata às margens da lagoa. Skoob não para de latir, assim como um cão peludo que está ao lado da vizinha debutante da High School Music que não para de gritar. Alguns quiosques já fecharam. Os visitantes já se retiraram e a noite está linda, ou melhor, era para estar...
— Finn! Finn!... A culpa é sua! — grita ela desesperada.
Lá vem a Sharpay Evans com o sangue nos olhos em direção ao belo adormecido que se levanta tentando entender o que está acontecendo. Bom! Deixe que a vizinha explique.
— A culpa é toda sua! — ela o acusou mais uma vez.
— Desculpa senhorita, mas se não percebeu eu estava dormindo. Por acaso cometi algum crime durante uma crise de sonambulismo? — fez graça.
— O seu cachorro quase matou o meu gato e agora o Finn fugiu. Fugiu! Você tem noção do que isso significa?
— Significa que o seu gato simplesmente se assustou, mas relaxa. Assim que eu colocar o Skoob para dentro de casa o seu gato vai voltar e tudo ficará bem. Agora a senhorita pode parar de gritar?
— Eu não estou gritando e tudo só ficará bem quando o meu gato estiver em meus braços.
— Se quer um corpo em seus braços eu posso resolver esse problema.
— Como é que é? Estou vendo que eu serei obrigada a ir embora mais cedo do que planejei. Seu atrevido...
— Sinta-se a vontade!
— Você é um ogro! Não! Não! Até o Shrek é mais gentil e educado do que você. Escroto!
E assim vai a vizinha de volta às margens do rio a procura do seu gato. Nosso ogro apenas ri. Ri da situação, ri da conversa e ri principalmente da imponência. "Só que não". Da vizinha irritante e histérica. Aislan prefere não colocar mais lenha na fogueira e chama Skoob que ainda está na competição de quem late mais com a cadela da raça Bernese à beira da lagoa. Cadela e não o cachorro da vizinha que ele vira hora antes.
— Era só o que me faltava... Uma cadela... Que você não esteja no cio, mocinha... Skoob! Vamos! Pra dentro. Agora, rapaz. Vamos, vamos!
Skoob obedece e adentra a casa enquanto a cadela se cala, mas o segue até a varanda abanando o rabo. Aislan até que a acha bonitinha e se atreve a acaricia-la, mas não por muito tempo. A vizinha está possessa e não admite que um idiota daqueles, toque em sua doce cachorrinha.
— Luna! Já pra casa. Não vê que você está se contaminando?
— Haha! Boa noite pra você também.
Ela não responde e sai irritada, parando na varanda a morena balança os ombros e sacode os cabelos pretos.
Aislan procura não se exaltar. A cadela se afasta e ele entra fechando a porta. Mesmo já tendo anoitecido o calor prevalece. Nenhum sinal de vento. As cortinas nem se mexem obrigando Aislan a abrir uma por uma e sair ligando os ventiladores de teto por toda a casa. Um arrepio lhe percorre o corpo e surge a impressão de que ele está sendo observado. Um estalo vindo do telhado o assusta. Seu cachorro dorme no sofá da sala de TV e parece não ter ouvido nada. A sensação de estar sendo observado preocupa Aislan e ele anda pela casa olhando para o teto esperando ouvir algum barulho novamente. Nessa, ele bate o joelho em uma das cadeiras e seu grito de dor acorda Skoob e também a Luna que começa a latir na casa ao lado. Na casa ao lado onde a vizinha está na janela da cozinha rindo dele. Furioso, Aislan apaga a luz, pega uma cerveja e vai mancando para a sala. Ao passar por um dos quartos ele vê o vulto da vizinha caminhando também. Ele chega à sala e ela adentra a sala da casa dela que também está com todas as janelas abertas.
— Qual é dessa mulher? Parece uma assombração... Mas que se dane. Eu não vou fechar cortina por causa dela e muito menos passar nervoso. Um joguinho de futebol pra relaxar, cerveja gelada e tá tudo certo — diz ele enquanto se estica no outro sofá frente à TV e de costas para a janela.
A cerveja acaba, ele se levanta, vai ao banheiro, volta à cozinha e pega mais uma cerveja. As luzes da cozinha da casa ao lado estão apagadas. As do quarto também, assim como as da sala onde só se vê o brilho da tela de um notebook onde a vizinha digita algo e logo o encara. Aislan disfarça e volta a se deitar. A cerveja acaba, bate a fome e nosso amigo retorna a cozinha para preparar um lanchinho leve. Água na chaleira posta para ferver e mais uma cerveja gelada e refrescante. Ainda com a porta da geladeira aberta ele retira dois tomates e uma cebola e os coloca na pia. Um gole na cerveja, uma procura rápida pela tábua de carne no armário abaixo da cozinha. O levantar e outro susto. A vizinha lhe observando outra vez, descaradamente. Ela está sentada por trás da bancada tomando o que parece uma sopa.
— Agora deu! Além de estranha é maluca. Quem toma sopa num calor desses? — resmunga.
Aislan! Para de implicar! Deve ser sopa fria, você mesmo toma de vez em quando... — pensou consigo mesmo, — E não é nada anormal, mas anormal é ela ficar ali prestando atenção em tudo o que faço. Quer saber? Deixa ela ver.
E assim ele tenta dar continuidade aos seus afazeres sem se irritar. A água ferve. No armário ao lado da geladeira ela pega os pacotinhos de quino-a e castanhas. Com uma xícara ele mede porções da quino-a e os coloca na panela jogando em seguida a água fervente. Enquanto cozinha, ele pica os legumes e as castanhas e entre um gesto e outro olha de relance para a vizinha que ainda está ali, disfarçando com manuseios do celular.
— Acha que eu sou bobo é? Essa mulherzinha está me irritando.
Skoob desperta e, confuso, senta perto da pia não entendendo o que o dono está a dizer.
— Skoob, essa mulher é maluquinha. Evita chegar perto dela está bem? Bom garoto.
As quino-as estão cozidas. Aislan coloca a panela por cima de um pano molhado sobre a pia para que esfriem mais rápido. Ouvem-se batidas e passos no telhado. Um som baixo e abafado. Aislan se assusta e novamente saí andando pela casa olhando para o teto. Skoob late e o som para.
— Mas que merda é essa? Fica quieto, Skoob. Shiii!
Ao percorrer toda a casa e não ouvindo mais os barulhos ele retorna à cozinha.
— Que merda será essa hein Skoob? Pássaros? Só pode. A Manu também não têm juízo algum. Onde já se viu em plena década de 2020, alguém construir uma casa com telhado? Isso é tão brega e ultrapassado e ainda construiu a casa idêntica a da vizinha. Não estou vendo nenhum condomínio fechado por aqui. Gente maluca.
Se a esposa de Henrique o ouvisse falar assim iria relevar esse comentário por conta do stress que ele está passando. Não tendo mais paciência para esperar e já ficando puto com a vizinha que não saí da maldita bancada, Aislan pega a forma de gelo no freezer e despeja na pia colocando a panela com as quino-as sobre as pedras. Ele está irritado, quer logo sair dali. Com a colher de pau ele mexe as quino-as e evita olhar para fora. Cinco minutos se passam, a raiva o consome e com pressa ele despeja os legumes reservados sobre as quino-as ainda mornas e tempera de qualquer jeito.
— Ufa! Enfim estão prontas. Quer um bocadinho, Skoob?
O balançar da cabeça para um lado e para o outro meia dúzia de vezes respondeu a pergunta. Não, o Skoob não quer ração de humano. Pegando uma colher na gaveta, Aislan olha pra fora. A vizinha não está mais lá.
— Ela saiu, Skoob. Deve ter voltado para a sala. Quer saber? Cansei. Esses ventiladores quebram o galho. Vou fechar as janelas. Chega de palhaçada.
Assim ele faz. Com a panela na mão sai fechando todas as janelas. Chegando à janela da sala, ele comprova a sua suposição. A vizinha está lá, atenta aos seus movimentos bruscos, por sinal.
Janelas e cortinas fechadas e a paz reina naquele lugar. Jogo de futebol na TV, lá fora as músicas são encerradas, os quiosques são fechados. Os bêbados voltam tagarelando para suas casas e o silêncio se faz presente. Aislan abaixa o volume da TV e aprecia o único som do lugar. O som vindo da lagoa e da natureza.
Domingo, seis horas da manhã. Aislan desperta depois de dez horas consecutivas de um sono tranquilo e agradável. Descanso esse que o fez despertar com ânimo e disposição para a sua corriqueira corrida matinal. Higiene pessoal? Ok! Garrafinha d’água? Ok! Smartwatch? Ok! Calça e camiseta? Aaah... Não! O aplicativo marca 26º graus, sendo a sensação térmica de 28º. Uma bermuda, um boné e o par de tênis. Pronto! O nosso amigo está prontíssimo. O Skoob também está no clima e após um breve alongamento, os dois iniciam a maratona às margens da lagoa.A paisagem é exuberante. O céu azul é enfeitado pelos reluzentes raios de sol entre nuvens branquinhas que passeiam depressa empurradas pelo vento.
O sol está para se pôr. A maioria dos visitantes já foi embora e os que ficaram se despedem de Aislan e Skoob. A porta da varanda da vizinha está fechada. Aislan lamenta por Luna estar lá trancada com a víbora em forma de gente. Ele não entende como uma pessoa pode ser tão egoísta, furiosa e curiosa também. É muita coincidência ela estar colocando o lixo pra fora bem na hora que ele está para adentrar a casa... Ou não?— Skoob, eu não consigo entender qual é dessa mulher. Ela demonstra me odiar, mas não perde uma chance para ver o que estou fazendo. Bisbilhoteira e fuxiqueira. Deve estar falando mal de mim nas redes sociais. Ela não sai da frente das telas. Quando não é no notebook é no celular. Ela deve estar com os dedos duros de tanto escrever fofo
Segunda-feira. O dia já amanhece com alta temperatura. Aislan, aproveitando o bom humor e ainda querendo provocar, levanta mais cedo e faz uma série de alongamentos na beira do lago, se preparando para a corrida matinal. Skoob dorme na varanda. Na casa ao lado, a vizinha que ainda não dormiu e ainda está possessa, se atreve a olhar pela janela e vê Aislan, sem camisa, correndo em volta da lagoa. Tomada de raiva ela decide ir tirar satisfações com o vizinho pervertido. Luna a acompanha lado a lado mesmo seu instinto querendo correr até Skoob para brincar. A cara feia da dona lhe causa medo, então é melhor obedecer. Ao ver a vizinha se aproximar da cerca, Aislan caminha até ela com o sorriso mais irônico que talvez ele nunca tenha dado em sua vida. A vontade dele é de gargalhar, mas se controla e procura ser gentil, ao seu modo, claro.
Já é noite e de volta a vila, Aislan estaciona o seu carro no jardim e se dirige para a casa de Catléia ao perceber que as luzes estão acesas e ao imaginar que ela provavelmente esteja acordada. Ele toca a campainha. Dessa vez ela demora um pouco mais para abrir a porta...— Oi! Você veio pegar a foto? Está aqui.— Oh, não. Desculpe, mas eu tomei a liberdade e procurei por fotos suas na internet, quer dizer, do gato e encontrei essa aqui.Aislan entrega uma cópia da foto para ela que observa já com os olhos a lacrimejar. Bom dia! Bom dia e o que temos pra hoje? Um Aislan tomando seu desjejum de um lado e uma Catléia dormindo do outro. Terça-feira, mais um dia quente, trinta graus na sombra às nove da manhã. Aislan já fez sua corrida matinal. Já alimentou Skoob e retirou a sujeira dele deixada pelo jardim. "O que fazer agora?" Pensa ele. Sem opções ele decide dar uma volta pelo bairro em busca de pistas que o levem ao gato. Já perto do horário de almoço ele retorna para casa e se depara com Catléia deitada em uma rede, do lado externo da casa, com Luna deitada no chão ao seu lado e com o notebook em seu colo.— Nada?— Infelizmente não! Domingo. O dia amanhece com recorde de temperatura. Dez horas da manhã e os termômetros marcam 32° graus. Aislan com certeza vai tentar uma aproximação com Catléia esperando ver no que dá, campainha acionada. Luna late. A porta se abre. Catléia vestida num vestido longo, amarelo florido.— Oi! Bom dia Aislan!— Bom dia!— Alguma novidade? Tem pistas do meu gato?— Infelizmente não. Por isso eu estou aqui. Amanhã eu vou embora e eu ficarei bem chateado se não encontrar o Finn.<Capítulo oito:
Capítulo nove:
Minutos depois é Catléia quem saí com o celular e o seu notebook nas mãos. Ela chama Luna a aguardando passar, tranca a porta e acompanha o vizinho medroso.— Você vai mesmo lá?— É claro que vou. Aislan, não tem nada naquele telhado. Dias antes de você chegar eu e a dona da casa fizemos uma bela de uma faxina. Só tem caixas e bugigangas lá. O barulho deve ser da janela que nos esquecemos de fechar.— Um sótão?— Sim, um sótão. Nada demais.
Aíslan sai esbarrando nos móveis tentando chegar à mesa de centro onde também deixara o celular e as lanternas. Catléia ri a cada batida. Finalmente ele encontra o celular e logo senta na poltrona almofadada onde deixara o vibrador. Ele coloca pilhas em uma das lanternas e clareia a sala. Catléia vai até a sala de visitas e senta-se no sofá ao lado da poltrona.— Obrigado Aíslan!— Por nada. Que se faça a luz.— Não é por isso. É pelo Finn. Se não fosse o seu medo nós não teríamos o encontrado a tempo.Último capítulo