Domingo, seis horas da manhã. Aislan desperta depois de dez horas consecutivas de um sono tranquilo e agradável. Descanso esse que o fez despertar com ânimo e disposição para a sua corriqueira corrida matinal. Higiene pessoal? Ok! Garrafinha d’água? Ok! Smartwatch? Ok! Calça e camiseta? Aaah... Não! O aplicativo marca 26º graus, sendo a sensação térmica de 28º. Uma bermuda, um boné e o par de tênis. Pronto! O nosso amigo está prontíssimo. O Skoob também está no clima e após um breve alongamento, os dois iniciam a maratona às margens da lagoa.
A paisagem é exuberante. O céu azul é enfeitado pelos reluzentes raios de sol entre nuvens branquinhas que passeiam depressa empurradas pelo vento.
— Olha Skoob! Que imagem bonita de se ver. O vento lá em cima deve estar a 100 por hora. Se eu pudesse voar eu apostaria corrida com as nuvens.
Aislan está tão deslumbrado que o calor e o suor em seu corpo não o incômoda. Ele corre por cerca de uma hora dando também uma volta pelo bairro. Já cansado, ele retorna à lagoa. Ninguém por perto e Skoob já deu o seu grande salto. Aislan não perde tempo e retira o boné, o tênis e a bermuda, ficando apenas com uma cueca box preta da Calvin Klein... Ele saltou tão alto quanto Skoob e o barulho do seu corpo de encontro com a água chamou a atenção da Luna, que dormia dentro da casa da vizinha. A vizinha que acabara de se recolher depois de mais uma madrugada em frente ao notebook.
Luna late e logo Aislan vê a porta da varanda se abrir. A vizinha caminha até a beirada da escada e recosta-se na coluna olhando feio para a lagoa onde ele e Skoob brincam como crianças. Ela está com olheiras e com o rosto vermelho e amassado pelo travesseiro. Aislan percebe a presença e finge se assustar deixando-a ainda mais puta. Esse Aislan gosta de provocar e a vizinha ainda cai na arapuca. Os passos rápidos devem pesar uma tonelada assim como a raiva que a acompanha até a margem da Lagoa. Luna corre de um lado para o outro, mas a vizinha a proíbe de pular na água. Com medo ela obedece, mas continua a caminhar de um lado para o outro. A vizinha se aproxima e Aislan se prepara para a bomba.
— Bom dia, vizinha! Lindo dia hoje, não acha?
— Bom dia o escambau. Você sabe que horas são? Caramba eu quero dormir. Você não pode deixar pra fazer arruaça mais tarde? E o meu gato? Você deveria estar procurando o meu gato ao invés de ficar aí perturbando a vizinhança.
Aislan responde indo em direção a ela. A água bate em seu peito e vai abaixando, abaixando.
— Ei, ei, ei. Calma aí senhorita. Agora são sete e quinze da manhã, a lagoa é pública, eu estou de férias e não tenho culpa se você dorme até tarde. E outra coisa...
A água chega à cintura e vai abaixando, abaixando até que a vizinha percebe que ele está de cueca. Sua reação é virar de costas e voltar às pressas para dentro da casa. Aislan continua a falar e ri da vergonha que agora a vizinha carrega junto com a raiva.
— Você não quer que eu entre nessa mata gigantesca para procurar o seu gato? Não! Eu não vou de jeito nenhum e também não vou parar de nadar só porque você quer.
A porta é batida com tanta força que as janelas estremecem. Luna ficou pra fora e não perde tempo. Pula alto caindo próximo de Skoob que balança o rabo na velocidade da luz. Aislan ri da atitude da vizinha e volta para a lagoa dando um mergulho raso e submergindo perto de Luna que também balança o rabo e se permite ser acariciada. Minutos depois o grito da vizinha chamando por ela é ouvido. Os três a observam e Aislan toma a frente caminhando outra vez para a margem.
— Deixa a Luna se divertir. Você deveria vir também para relaxar. A água está morna. Venha! Eu te perdoo pelas suas ofensas.
Antes que as partes baixas de Aislan fiquem visíveis, a porta é novamente batida com força.
— É! Ela não quer conversa. Que mulherzinha irritante. Melhor deixá-la dormir antes que ela acabe com o meu domingo. Vamos crianças. É hora da refeição matinal. Mais tarde a gente brinca. Vamos! Vamos!
Os cachorros obedecem e Aislan leva Luna para sua casa. Lá todos desjejuam e passam as próximas horas assistindo filmes, deixando assim, a vizinha dormir em paz...
Por volta do meio-dia o tédio bate e a fome também. Já cansado de ficar em casa, Aislan decide que vai almoçar na praia. Enquanto troca de roupa e coloca uma sunga, pela janela ele observa a casa da vizinha. Tudo ainda está quieto e as janelas ainda estão fechadas.
— Luna, vai lá ver se a sua dona já acordou.
Luna obedece e rodeia a casa a procura de uma porta ou janela aberta. Logo ela volta e Aislan está com as portas do carro abertas. Skoob já se posicionou no banco do passageiro.
— Ela ainda está dormindo, droga. Não vou deixar você sozinha aqui. Entra aí. Vamos passear. A vizinha não vai achar ruim, não é? Mais nervosa ela vai ficar se a acordarmos. Seja o que Deus quiser... Ah, Henrique! meu amigo...
Assim eles partem rumo à praia de Tourinhos. Dessa vez o GPS indicou o caminho certo e em menos de uma hora eles chegam à praia lotada de turistas. O mar se transformou literalmente em um monte de gente. Aislan estaciona próximo a um quiosque e por lá se acomoda em uma das mesas. Skoob e Luna correm de um lado para o outro. Os turistas ao redor se assustam com a presença do cão e a todo o momento Aislan acena dizendo que ele é manso e assim como as crianças na lagoa, todos acabam se acostumando com a presença dos cães. Degustando um saboroso Bobó de camarão, ele aprecia umas das visões mais lindas que já vira... O céu encontrando o mar no horizonte, pássaros enfeitando o céu com voos sincronizados, navios ao longe navegando no oceano e a sua visão preferida: Mulheres seminuas esbanjando sorrisos e sensualidade.
E é claro que o galã de filme estrangeiro não perde tempo e também distribuí o seu charme. Nem mesmo as mulheres casadas resistem ao sorriso encantador e provocativo do dono dos olhos verdes sentado ali à mesa e agora tomando um sorvete na casquinha.
Não demora muito e ele presta atenção em um grupo de amigas que bebem em outra mesa e não param de cochichar e lhe dirigem os olhares. Uma mulata de cabelos cacheados tão alta quanto ele se levanta e se aproxima de sua mesa. Ela traz duas garrafas de cerveja nas mãos.
— Com licença gato. Posso me sentar ao seu lado?
— Fique a vontade!
— Você está sozinho? Onde está a dona desse corpão aqui? — diz a mulata passando as mãos nas coxas dele.
— Meu corpo não tem dona, ainda...
— Huumm. Aceita uma cerveja?
— Desculpe, mas vou negar a cerveja. Não combina com sorvete, não é?
— É! Não combina, mas esse calor combina com um banho de mar e com boas companhias. O que acha de se divertir comigo e com as minhas amigas ali?
— No mar? Com as quatro? —questionou ele.
— Sim querido.
— Bom. Seria incrível se não tivesse tantas pessoas aqui, não concorda? Mas eu posso levar vocês para um lugar mais reservado...
Aislan adorou a ideia, mas ter de entrar no mar não estava em seus planos, muito menos com um bando de mulheres bêbadas, desconhecidas e "abertas" para uma suruba em alto mar.
— Ah gatinho! Por mim tudo bem... Vou ali ver se as meninas topam. Espera aqui, tá bom? Não saia daqui.
Enquanto a mulata volta a cochichar com suas amigas mais bêbadas que ela, Aislan sente um pressentimento não muito bom. Um garçom se aproxima trazendo uma garrafinha d'água.
— Desculpa rapaz, mas eu não pedi água.
— Eu sei senhor. Eu que peço desculpas pela intromissão, mas a água é um disfarce para eu te dar um conselho.
— Um conselho? E qual seria?
— Essas garotas estão comemorando a despedida de solteira de uma delas, a loirinha. Elas estão desde ontem enchendo a cara e fazendo bagunça aqui no quiosque.
— E o que eu tenho a ver com isso?
— A noiva, a loirinha é namorada do chefe de polícia da cidade e todas as outras têm um caso com sargentos, capitães e soldados. Não seria inteligente se envolver com elas. Mais uma vez peço desculpas, mas nós do quiosque, zelamos pelo bem estar e segurança dos nossos clientes.
— Entendi. Seria mesmo uma péssima ideia. Eu aceito a água e vou sair fora. Toma aqui o pagamento da conta e pode ficar com o troco. Obrigado pela dica.
— Disponha senhor. Volte sempre e muito obrigado.
Sem saber se o garçom estava falando a verdade ou não, Aislan prefere não pagar para ver e disfarça saindo de fininho. A mulata ainda o interroga e ele diz que só vai ao banheiro. Mas era pura mentira. Aproveitando a distração das garotas ele corre para trás do quiosque e assobia chamando Skoob e Luna. Sem delongas ele foge dali e prefere voltar para casa. A essa altura a vizinha deve estar doida achando que ele sequestrara a Luna e ele não se enganou. Antes mesmo de estacionar, ela está lá batendo as mãos no carro gritando por Luna e com ele também.
— O que você fez com a minha cachorrinha? Luna! Luna! Você está bem, meu amor?
Ele consegue estacionar e desce já abrindo a porta de trás para Luna descer e ir de encontro à dona histérica.
— Ela está bem. Bem e muito feliz por sinal.
— Você é louco, demente ou o quê? Como é que você leva a Luna para sabe Deus aonde sem a minha permissão ou sem o meu consentimento?
— Louco eu seria se deixasse a Luna aqui sozinha. Você estava dormindo. As portas todas fechadas... Você deveria é me agradecer.
— Agradecer o escambau. Vocês me deram um susto. Vamos Luna. A partir de hoje eu não quero você perto desses dois. E o que significa essa sujeira toda? Areia da praia. Não é possível. Eu tenho tanto pra fazer e vou ter que te dar um banho antes que você suje a casa toda. Nunca mais faça isso! Estamos entendidos, vizinho?
— Beleza. Da próxima vez eu te acordo com uma pedrada na janela.
— Não haverá próxima vez e nem sonhe com isso.
Aislan prefere se calar a entrar em maiores discussões. Cada um adentra suas varandas, mas Aislan dá meia volta antes mesmo de abrir a porta ao ver as crianças se banharem na lagoa. Como que lendo os pensamentos um do outro, ele e Skoob correm apostando corrida e juntos, saltam aos aplausos das crianças. A vizinha prepara a mangueira para banhar Luna que chora também querendo saltar na lagoa.
— De jeito nenhum. Quietinha aí. Você já aprontou demais por hoje. O que você vê naqueles dois, hein?
A vizinha os observa. Eles estão felizes e fazendo bagunça com a criançada. Ela ainda repara na tristeza de Luna deitada e com a cabeça apoiada sobre as patas, mas não baixa a sua crista.
— Eles não passam de crianças bagunceiras e mal educadas. Fique longe deles. Eu prometo que brinco com você mais tarde.
Luna permanece deitada e não reage a promessa da dona.
O sol está para se pôr. A maioria dos visitantes já foi embora e os que ficaram se despedem de Aislan e Skoob. A porta da varanda da vizinha está fechada. Aislan lamenta por Luna estar lá trancada com a víbora em forma de gente. Ele não entende como uma pessoa pode ser tão egoísta, furiosa e curiosa também. É muita coincidência ela estar colocando o lixo pra fora bem na hora que ele está para adentrar a casa... Ou não?— Skoob, eu não consigo entender qual é dessa mulher. Ela demonstra me odiar, mas não perde uma chance para ver o que estou fazendo. Bisbilhoteira e fuxiqueira. Deve estar falando mal de mim nas redes sociais. Ela não sai da frente das telas. Quando não é no notebook é no celular. Ela deve estar com os dedos duros de tanto escrever fofo
Segunda-feira. O dia já amanhece com alta temperatura. Aislan, aproveitando o bom humor e ainda querendo provocar, levanta mais cedo e faz uma série de alongamentos na beira do lago, se preparando para a corrida matinal. Skoob dorme na varanda. Na casa ao lado, a vizinha que ainda não dormiu e ainda está possessa, se atreve a olhar pela janela e vê Aislan, sem camisa, correndo em volta da lagoa. Tomada de raiva ela decide ir tirar satisfações com o vizinho pervertido. Luna a acompanha lado a lado mesmo seu instinto querendo correr até Skoob para brincar. A cara feia da dona lhe causa medo, então é melhor obedecer. Ao ver a vizinha se aproximar da cerca, Aislan caminha até ela com o sorriso mais irônico que talvez ele nunca tenha dado em sua vida. A vontade dele é de gargalhar, mas se controla e procura ser gentil, ao seu modo, claro.
Já é noite e de volta a vila, Aislan estaciona o seu carro no jardim e se dirige para a casa de Catléia ao perceber que as luzes estão acesas e ao imaginar que ela provavelmente esteja acordada. Ele toca a campainha. Dessa vez ela demora um pouco mais para abrir a porta...— Oi! Você veio pegar a foto? Está aqui.— Oh, não. Desculpe, mas eu tomei a liberdade e procurei por fotos suas na internet, quer dizer, do gato e encontrei essa aqui.Aislan entrega uma cópia da foto para ela que observa já com os olhos a lacrimejar. Bom dia! Bom dia e o que temos pra hoje? Um Aislan tomando seu desjejum de um lado e uma Catléia dormindo do outro. Terça-feira, mais um dia quente, trinta graus na sombra às nove da manhã. Aislan já fez sua corrida matinal. Já alimentou Skoob e retirou a sujeira dele deixada pelo jardim. "O que fazer agora?" Pensa ele. Sem opções ele decide dar uma volta pelo bairro em busca de pistas que o levem ao gato. Já perto do horário de almoço ele retorna para casa e se depara com Catléia deitada em uma rede, do lado externo da casa, com Luna deitada no chão ao seu lado e com o notebook em seu colo.— Nada?— Infelizmente não! Domingo. O dia amanhece com recorde de temperatura. Dez horas da manhã e os termômetros marcam 32° graus. Aislan com certeza vai tentar uma aproximação com Catléia esperando ver no que dá, campainha acionada. Luna late. A porta se abre. Catléia vestida num vestido longo, amarelo florido.— Oi! Bom dia Aislan!— Bom dia!— Alguma novidade? Tem pistas do meu gato?— Infelizmente não. Por isso eu estou aqui. Amanhã eu vou embora e eu ficarei bem chateado se não encontrar o Finn.<Capítulo oito:
Capítulo nove:
Minutos depois é Catléia quem saí com o celular e o seu notebook nas mãos. Ela chama Luna a aguardando passar, tranca a porta e acompanha o vizinho medroso.— Você vai mesmo lá?— É claro que vou. Aislan, não tem nada naquele telhado. Dias antes de você chegar eu e a dona da casa fizemos uma bela de uma faxina. Só tem caixas e bugigangas lá. O barulho deve ser da janela que nos esquecemos de fechar.— Um sótão?— Sim, um sótão. Nada demais.
Aíslan sai esbarrando nos móveis tentando chegar à mesa de centro onde também deixara o celular e as lanternas. Catléia ri a cada batida. Finalmente ele encontra o celular e logo senta na poltrona almofadada onde deixara o vibrador. Ele coloca pilhas em uma das lanternas e clareia a sala. Catléia vai até a sala de visitas e senta-se no sofá ao lado da poltrona.— Obrigado Aíslan!— Por nada. Que se faça a luz.— Não é por isso. É pelo Finn. Se não fosse o seu medo nós não teríamos o encontrado a tempo. O assunto deixa Catléia tensa.E Aislan insiste a deixando mais desconfortável.— Ok! Mas quanto à pergunta! Você falou que não e eu não acredito em você.— Isso é irrelevante. Quer mudar de assunto, por favor?— Por que está ficando nervosa? Qual é? Falar de sexo não é mais um tabu. E eu não vou sair por aí te difamando. Relaxa e responde vai?— Eu já respondi.Último capítuloCapítulo doze: