CAPÍTULO 7

“Monstros existem e fantasmas também. Vivem dentro de nós e, às vezes, eles vencem.” (STEPHEN-KING) 

Todos os Donovan sabiam que quando um licantropo encontrava sua peeira era primordial que houvesse o acasalamento para que a união entre homem e lobo pudesse ser realizada, colocando assim a consciência humana acima da irracionalidade da besta.

Porém, quando Colin se negou a reivindicar sua companheira acabou condenando seu lobo a um sofrimento avassalador nos dias que se seguiram. 

A fera aprisionada no porão de sua casa uivava incessantemente causando calafrios nos membros de sua família que se alternavam à frente de sua porta.

O humor do animal oscilava entre momentos de profunda tristeza e de ira extrema, fazendo com que os pais de Colin temessem pela vida do filho, porque se o lobo desistisse de viver acabaria o levando consigo. 

Por causa desse receio seu pai, Daniel Donovan, permanecia em sua forma lupina desde o momento em que a lua despontara no horizonte tentando acalmar a fera para que seu filho não lhe fosse tirado.

Ao contrário de Colin, o destino havia sido benevolente ao lhe apresentar sua peeira um ano antes de sua transformação, por isso, desde o início nunca se tornara uma fera desgovernada e pudera constituir uma família linda, além de uma carreira invejável. 

Contudo, apesar de amar tudo o que havia conquistado na vida, lamentava que seus filhos tivessem que carregar a maldição que atingia sua família, por isso, fazia todo o possível para ajudá-los a suportar as particularidades de suas condições.

Mas, no caso de Colin, as coisas estavam saindo do controle havia muito tempo, desde o momento em que ocorrera a primeira transformação ele percebera que o filho gradativamente ia perdendo a capacidade de dominar suas emoções mais básicas. 

Jason pelo menos ainda teria um ano pela frente até que a maldição atingisse seu ápice, mas por ora toda a sua atenção e esforços estavam direcionados para Colin.

O incidente na ARCADIS havia desencadeado a pior e mais violenta transformação de seu filho.

Por isso, durante o período em que durou o ciclo da lua cheia ordenou que todos se reversassem nos cuidados do lobo preto que se agitava a cada vez que as correntes de prata tilintavam ao redor de seu pescoço, o impedindo de fugir em busca de sua companheira. 

Enquanto os Donovan trabalhavam para manter seu segredo em segurança, o dia e a noite se confundiram dentro daquele porão dando a impressão de que o tempo havia deixado de existir.

O animal enlouquecido por ser privado de sua liberdade aos poucos foi cedendo lugar ao homem, à medida que a lua retirava seu domínio.

 E, quando finalmente Colin recuperou o controle sobre o próprio corpo o silêncio preencheu o ambiente. 

Deitado sobre o solo frio e insalubre ele agradeceu a parca iluminação que escondia sua nudez e a solidão que lhe garantia um tempo precioso para que recolhesse o que havia sobrado de sua dignidade.

O breu só não era total por causa da pequena abertura no alto de uma das paredes, por onde entravam os raios de sol e alguns poucos ruídos externos. 

Gemendo por causa das dores musculares, mudou de posição cobrindo os olhos com um dos braços, permitindo que as lágrimas fluíssem livremente enquanto lutava em busca de suas últimas lembranças antes de ser jogado no mais profundo esquecimento.

Essa era a parte mais difícil pós transformação porque tornava sua condição deprimente e miserável, pois sentia-se abandonado a própria sorte. 

Desde o seu trigésimo aniversário ele se viu obrigado a mudar todo o seu estilo de vida por causa da presença de uma fera incontrolável que passara a habitar uma parte de sua alma, se sujeitando a ser trancafiado durante alguns dias a fim de evitar o assassinato de pessoas queridas. 

Estava cansado disso, cansado demais para ter esperanças.

Porém, a jovem que encontrara na ARCADIS acabara reacendendo um antigo sonho de poder conviver com a fera sem que significasse um risco para qualquer ser humano.

Ele sabia que isso seria possível, porque o lobo em sua mente; que nunca havia feito questão de se comunicar com seu lado humano, falara pela primeira vez. 

É verdade que havia sido apenas uma única palavra, mas de tão repetida Colin a compreendeu. 

“Companheira” 

Ou seja, a besta conhecia a verdade e agora não o deixaria em paz até que encontrasse novamente a jovem e a trouxesse para sua vida. E, essa era uma das razões pelas quais estava chorando.

Sentia-se miserável demais para ser digno de algo tão puro e perfeito como a garota que mais parecia um anjo de tão perfeita que era. 

— Sei que está acordado, Colin. — A voz de sua mãe soou do outro lado da porta. 

Não desejava ver ninguém, mas sabia que sua mãe não o deixaria em paz até que se certificasse de que estava bem. 

— Estou entrando — o trinco rangeu antes da porta ser aberta. 

Mesmo assim, Colin não abriu os olhos permanecendo na mesma posição. Talvez assim Greta Donovan se compadecesse e lhe concedesse alguns minutos a mais de paz, mas se tinha uma coisa que não podia esperar de sua mãe era que recuasse diante de um desafio. 

Assim, a primeira coisa que sentiu foram as correntes em torno de seu pescoço serem abertas, fazendo com que esse pequeno ato desencadeasse um choro longo e doloroso, como há muito tempo ele não deixava escapar. 

Ali, naquele chão frio e desprovido de qualquer sinal de dignidade ele se deixou ninar nos braços de sua mãe, enquanto a ouvia falar das vantagens de aceitar sua companheira e do quanto sua vida mudaria quando deixasse que o amor entrasse sem reservas. 

O problema não era aceitar que havia encontrado sua companheira e sim fazê-la o aceitar junto com o lobo que agora sabia de sua existência. 

Durante horas permitiu que sua mãe o embalasse até que se sentisse pronto para deixar aquele lugar em busca de um banho quente e roupas limpas. Depois de três dias vivendo como um animal selvagem sentia falta de pequenos prazeres. 

Quando finalmente se sentou à mesa do café da manhã encontrou toda a família reunida, ansiosa para saber o que havia ocorrido na ARCADIS e se a jovem era mesmo sua companheira como Katie havia dito. 

— Então é verdade? Encontrou sua peeira? — A ansiedade estava explicita na voz de sua mãe. 

Mas, tudo o que Colin fez foi engolir um grande gole de café quente deixando a todos apreensivos. 

— Colin — sua irmã tocou sua mão com carinho. 

— Quando vai aprender a não se meter em assuntos que não lhe dizem respeito? Com que autoridade você toma a frente de algo tão importante para mim sem que eu tenha tido a chance de assimilar o que realmente ocorreu? — Dardejou chateado com sua intromissão. 

— Por Deus, Colin — seu pai tomou a palavra — qual o problema de sua irmã nos colocar a par de um assunto que interessa a todos nós? Juro que estou tentando entender sua relutância em não querer falar sobre o fato de ter encontrado sua companheira, mas está difícil, filho. 

— Difícil? — Havia um gosto amargo em suas palavras — Acho que precisamos achar uma definição melhor para essa palavra, porque sinceramente — balançou a cabeça — eu não sei vocês, mas eu não faço a menor ideia de como vou abordar uma jovem inocente e dizer que o mundo que ela conhece na verdade não existe, que tudo o que aprendeu na escola não passa de uma grande farsa para esconder a verdade da humanidade. Como vocês acham que ela irá reagir quando eu for obrigado a revelar a verdade, hein? 

— Sabemos que não será fácil no começo, porém a ligação entre companheiros é forte o suficiente para ajudar a criar o vínculo. Eu vi o que aconteceu quando estiveram no mesmo ambiente, Colin. 

Sua irmã tentou tocar novamente sua mão, mas ele recuou. 

— O que você viu foi a porra do inferno, Katie. Não faz ideia do quanto aquilo doeu. E, isso não é nem um terço do que sentirei se ela me rejeitar. 

— Está dizendo que não irá reivindicá-la? — Sua mãe estava horrorizada com tal possibilidade. 

— Claro que não! Mas, dá para vocês se colocarem no meu lugar só por um mísero instante? — Encarou sua família — Estamos no século XXI e não na Idade Média, se por uma casualidade a garota não enfartar o que acham que ela fará quando souber que existe uma família de lycans[1] vivendo entre os humanos como se fossemos iguais? 

— Irá surtar com toda a certeza. — Jason deu de ombros quando seus pais o recriminaram com o olhar. — Não adianta me olharem com essas caras. Colin tem razão nesse ponto. Temos que ser realistas, pois não será nada fácil absorver nossa história. Afinal de contas, para todos os fins não existimos, não é mesmo? 

— Viram só? — Colin ressaltou — Preciso de tempo para pensar em como farei para me aproximar. 

— Muito bem, então enquanto você fica aí pensando no que fazer tenha em mente que aquela garota está lá fora aonde qualquer homem pode cortejá-la e até mesmo propor um matrimônio — seu pai falou com os olhos brilhando em dourado. 

Somente a menção de que outro homem pudesse cortejar sua companheira fez com que Colin rosnasse batendo o punho fechado sobre a mesa. O lobo em seu interior jamais permitiria que algo assim acontecesse. 

— Aí está! — Seu pai apontou — Pode negar e relutar o quanto quiser, mas o vínculo já foi despertado e nem você e nem ninguém pode interferir. Então acho melhor deixar toda a sua ética de lado e tomar para si o que o destino te entregou. Está na hora de aceitar que assim como nossos antepassados foram amaldiçoados, também receberam uma dádiva para os ajudar a cumprir sua condenação. As companheiras são a única forma de não nos tornarmos bestas assassinas. Agarre sua chance, meu filho. — Fechou a mão diante de seus olhos. — Não a deixe escapar. 

Odiava que seu pai estivesse certo. 

Contudo, Colin ainda faria um último teste para se certificar de que realmente o vínculo havia sido despertado, porque se isso fosse verdade, ele daria um jeito de fazer aquilo funcionar entre eles sem que a besta colocasse suas presas na pobre garota. 

— Se o senhor a tivesse visto entenderia meus motivos por querer fazer as coisas devagar — balançou a cabeça. 

— Sua irmã disse que ela é linda e que parecia tão perdida por causa da conexão que foi negada. 

— Acho que o que Colin está tentando dizer é que tem medo de não conseguir se controlar quando... — Jason começou, porém não teve coragem de colocar em palavras o pior temor de um amaldiçoado. 

— Isso é besteira — seu pai abanou a mão em descaso — um licantropo jamais machucaria sua companheira. 

— Como pode afirmar isso? — Colin o enfrentou. — Sabe que não é verdade. 

— Colin! Sei que está assustado e com medo, mas posso garantir que sua companheira não corre nenhum risco de ser ferida por seu lobo. Ele a amará da mesma forma que você a amará. No momento que ela aceitar a conexão vocês se tornarão apenas um e por isso jamais a feriria. 

— Consegue ver o ponto na sua frase, pai? Se ela aceitar a conexão, caso contrário meu lobo irá enlouquecer e matá-la. 

— Isso não irá acontecer porque ela o aceitará! Estou certa disso. 

A forma como sua mãe falou o fez suspirar. 

Não tinha outro jeito. Ou aceitava que havia encontrado sua companheira e corria o risco de matá-la no acasalamento ou a rejeitaria condenando a ambos a uma vida vazia e sem amor. 

[1] Lycan é o termo usado para definir um lobisomem. 

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