O jogador agarrou a própria calça e camisa jogadas perto de uma estante de livros, vestindo as peças o mais rápido que podia. As roupas da fotógrafa estavam um pouco afastadas, largadas mais perto da cama queen bagunçada no meio do quarto. Tinha sido uma tarde boa, muito boa, que deixaria vestígios na mente e corpo, e a julgar pelo enorme arranhão que Christian tinha nas costas, ele lembraria daquela tarde por pelo menos uma semana.
— “Eu cheguei a cogitar abandonar tudo lá só pra vir te ver.” — repetiu baixinho julgando as próprias palavras enquanto fazia uma careta de desgosto. Tinha sido uma tarde boa, mas ele sentiu que provavelmente tinha perdido o que poderia vir a ser uma noite boa também.
Seus olhos passearam pelo quarto de Alex, tinha passado pouco mais de duas semanas fora, mas o cômodo parecia um pouco diferente. As paredes que antes eram brancas, tinham um tom escuro e aconchegante de verde esmeralda. O lustre também tinha sido trocado, o que era um, quase medieval, conjunto de cristais que tilintavam irritantemente sempre que uma corrente de vento o alcançava, deu lugar a um pendente de aros prateados entrelaçados bem acima da cama.
O número de livros na prateleira tinha aumentado também, uma coleção de romances de época da Julia Quinn tinham aparecido nesse meio tempo. “Um perfeito cavalheiro”, foi o livro que Christian puxou de forma aleatória de uma das estantes em forma de escada. Sentado na beira da cama ele folheou as páginas dando atenção somente à sinopse do fundo, não tinha interesse real de ler, mas gostava de conhecer os gostos da moça.
Alexandria não demorou muito no banho. O cabelo preso em um rabo de cavalo alto tinha as pontas pintadas, desde a época da faculdade, de um verde já desbotado, molhadas. Christian sorriu de canto, parte dele queria explicar que, de fato, tinha sentido falta dela, mas a outra tinha medo de piorar ainda mais as coisas.
— Você fica bem de vermelho — seu desespero para puxar um assunto era tanto que ele decidiu elogiar o roupão da fotógrafa.
Alex riu. Com uma das mãos tirou o livro do rapaz o jogando sobre a cama e passando os joelhos ao redor das pernas dele, um de cada lado, sentando em seu colo da forma mais indecente que poderia.
— Eu conheço bem os limites da nossa relação, Chris — suas mãos tocaram a barba curta do jogador. Ela gostava da sensação dos pequenos pelos afiados do seu rosto contra a pele dela. Sorriu minimamente — Eu senti sua falta também
Christian afastou uma mecha do longo cabelo preto dela. As mãos dele desceram pelas costas da fotógrafa parando na base da sua cintura, eles gostavam um do outro, mesmo que preferissem não envolver sentimentos na relação. Os olhos dele estavam quase fechados em uma linha pequena, sempre ficava quando ele sorria verdadeiramente.
— Alex — o pulso firme de Teddy Tapper contra a porta de madeira dela a fez saltar da cama em um segundo.
Era humilhante, mas ainda assim, Christian rolou sob a cama. Todo seu ego parecia ter deixado seu corpo e se transformado em uma espécie de pavor. Ser pego em um momento como aquele não era agradável, mas ser pego pelo próprio técnico era assustador. Ele prendeu a respiração quando Alexandria abriu a porta, como se o mínimo som da sua respiração o garantisse um encontro constante com o banco de reservas durante toda a temporada.
Teddy Tapper não era um homem ruim, ao menos não com ele, muito pelo contrário, o tratava como um filho durante os treinos, jogos e, principalmente, fora do trabalho, Christian perdeu as contas de quantas vezes saiu pra almoçar e jantar com o técnico, mesmo que sua real intenção fosse com a filha dele. Christian Peña achava Teddy uma pessoa gentil e carinhosa, mas não estava disposto a testar essa gentileza, pelo menos não quando estava escondido debaixo da cama da filha única, e vestida apenas com um roupão, do homem.
Christian franziu o cenho, o estranhamento em suas feições era digno de uma foto, que Alexandria provavelmente tiraria se o pudesse ver naquele momento. Pelo pouco que podia ver, Teddy usava uma bermuda de moletom florida e bem casual, mas o que chamava sua atenção era o extravagante sapato social que o homem calçava. O calçado era tão envernizado que poderia deixar Christian cego. O sapato lustroso marrom parecia não acabar nunca de tão grande, uma costura discreta separava o bico da gáspea ornamentada apenas por um trio de ilhós e um cordão, da mesma cor, no lado externo do pé. Era um sapato bonito e caro, definitivamente caro. Quanto um técnico de futebol ganha? Ou ainda, quem usa sapato social em casa? Christian se perguntou dando ombros quando sua mente não conseguia formular uma resposta lógica.
— Achei que sua reunião iria demorar mais — Alexandria forçou sua mais plena feição de tranquilidade para o pai, a expressão calma não deixava transparecer em momento algum que Christian Peña estava escondido sob sua cama. — Eu saí antes — Teddy massageou a própria nuca, as bolsas levemente arroxeadas se formavam aos poucos sob os olhos azuis do homem e o deixavam com a aparência de alguém muito mais velho do que os poucos 47 anos que ele tinha — Eu conheço meu sistema tático melhor que ninguém, a última coisa que eu preciso é de um bando de engravatados me dizendo quem eu devo ou não liberar para venda. Você acredita nisso? Eu levei esse time para a primeira divisão sem apoio nenhum, agora eles acham que podem me dizer o que fazer com os meus jogadores? É sério, acha que eles chegariam à Premier League sem mim? — Ele bufou, mas emendou outro assunto antes que a filha pudesse responder algo — Além disso, eu precisava passar naquele restaurante italiano com nome estranho. Cinccino, Ce
— Então quer dizer que o seu pai gosta de mim? E que ele quer que você arrume um namorado? Bem providencial não acha? — Christian praticamente sussurrava, a ideia que Teddy Tapper estava com o ouvido colado na porta não lhe parecia tão utópica assim. Alex ergueu a sobrancelha. A ideia de uma proposta de Christian parecia tentadora, e apesar de que ela sabia que jamais aconteceria, sua presunção não perderia a chance de uma resposta.— Chris — sua voz soou arrastada e quase cantada — Se você está pretendendo me pedir em namoro, espero que tenha pelo menos um buquê de astromélias azuis escondido em algum lugar desse quarto — fez uma pausa enquanto caminhava até o armário de roupas. Seus dedos afastaram alguns cabides e ela tocava algum tecido vez ou outra, apenas para largá-lo mais uma vez e continuar em busca de algo — Caso contrário, nem tente a sorte.Alexandria suspirou. Mulheres e seus guarda-roupas nunca foram a melhor combinação, sempre acabava em uma tragédia: ou a mulher frust
A península de carvalho da cozinha dos Tapper estava completamente bagunçada. Taças, garrafas de bebida, pratos sujos e embalagens de comida competiam por espaço sob a madeira retangular. Teddy parecia satisfeito com seu copo de uísque em mãos sentado bem à frente da filha e do jogador que ocupava a cadeira ao lado dela. O cheiro do nhoque de gorgonzola misturado com o aroma caramelizado do uísque vindos do hálito do pai incomodou minimamente Alexandria, um indício de que a noite seria longa. — Como foram as férias? — perguntou depois de um longo gole na bebida.Christian levou uma das mãos à boca pedindo um segundo para terminar de mastigar com a outra. Os olhos azuis de Alex estavam sobre ele com um ar muito mais interessado do que segundos antes. — Foi bem agradável — falou sucinto. Sua memória de curto prazo se lembrava muito bem de palavras mal escolhidas algum tempo antes e por isso ele sentia a obrigação de pisar em ovos.Teddy franziu o cenho, ser breve nas falas não era a
— Lukas Haus vai se apresentar no treinamento amanhã — Teddy sorriu dando uma explicação que ninguém havia pedido.Alex franziu o cenho, não fazia ideia de quem era Lukas Haus e não estava interessada em descobrir. Christian forçou um notório sorriso amarelo, não tinha nada pessoal contra o outro, sabia apenas o básico: Lukas era belga, tinha vinte e dois anos e era considerado uma promessa do futebol mundial, mas algo dentro dele sentia uma ameaça iminente. O clima estranho pairou por alguns segundos e Alexandria se sentiu na obrigação de intervir.— Você disse que você e o seu irmão tocaram na garagem — os olhos claros encararam o jogador — Aprendeu alguma música nova? Nada contra seu repertório repetitivo do Ed Sheeran Christian gargalhou. Seus sorrisos verdadeiros eram seletivos. Ele assentiu. Alex apontou com o nariz em direção à um suporte para violão na sala de estar, há alguns passos do corredor que o pai acabara de voltar. Era um violão antigo de Teddy que funcionava mais co
— É… — se deu por vencido — Tinham algumas, mas não foi nada importante — a última parte soou como uma explicação para a fotógrafa sentada ao seu lado. Pelo que Christian conhecia de Alex, as expressões neutras em seu rosto não eram um sinal ruim, mas estava longe de ser bom — Na verdade, tem uma pessoa importante. Ela não é do Equador, é daqui de Londres, mas não é nada sério, a gente só… Você sabe…As sobrancelhas do patriarca Tapper se moveram para cima e para baixo, com interesse. Teddy estava bêbado e isso era uma constatação óbvia. — Vocês só transam — Alexandria ergueu o olhar entediado para ele voltando a atenção às pontas descascadas da unha sem muita importância. Teddy limpou a garganta, um pequeno traço de embaraço manchava os olhos azuis — O que? — Ela deu de ombros naturalmente — Não é como se alguém aqui ainda fosse virgem. Eu não consigo entender, por que sexo ainda é um tabu social? Não tem razão pra ter vergonha de algo que é instintivo e básico, se você existe é po
(03.01.2023)Alexandria se considerava uma fã da Lady Gaga, tinha ido para todos os shows possíveis da cantora, assistiu “Nasce uma estrela” na pré-estreia, tinha um DVD, mesmo que ninguém mais usasse DVD’s, de “Casa Gucci” em sua estante, apesar de que seu crush no Adam Driver era maior do que o apreço pela cantora, e contava os dias para “Joker: Folie à Deux”. Mas uma coisa era inegável: Alex odiava a sonoridade de “Americano”, e por isso, decidiu colocar a música como toque do seu despertador.A música era conceitual, cada mínimo verso escrito como uma crítica social a regimes xenofóbicos e homofóbicos, mas ainda assim, o tom melodramático incomodava os ouvidos da fotógrafa o suficiente para fazê-la levantar o mais rápido possível e se livrar da melodia.Não foi diferente naquela manhã. Quando o som de uma arma sendo carregada atingiu os ouvidos de Alex, seu corpo levantou instintivamente em direção ao celular, propositalmente deixado longe da cama, parando o alarme no exato segund
— Precisa de carona? — Teddy se sentiu confortável para se aproximar, beijando o topo da cabeça da filha, que se inclinou minimamente carinhosa. Eles estavam acostumados com isso, como se a falta de uma troca de farpas matinal fosse fora do normal.Alexandria digitou uma mensagem para Lauren no próprio telefone, confirmando um almoço marcado na noite anterior, antes de responder ao pai. — Vou passar na cafeteria antes de ir, mas obrigada. Teddy não teve chance de abrir a boca e a fotógrafa já estava no quarto degrau da escada de mármore branco. Alexandria bebia café demais e talvez por isso sua mente funcionasse tão rápido, deixando qualquer pessoa ao seu redor no mínimo confusa com a velocidade das suas mudanças de humor ou assunto. Ela gostava daquilo. Ter o cérebro funcionando de forma tão veloz quanto um carro de Fórmula 1 a deixava menos tempo perdida em memórias que queria esquecer. Alexandria se sentiu uma completa idiota quando a água quente batendo nos seus ombros a moveu
— O Christian voltou ontem do Equador — Isabela moveu as sobrancelhas, levemente pigmentadas de ruivo, para combinar com o cabelo chanel da mesma cor, com malícia. O sorriso crescendo cada vez mais nos lábios cheios. Isabela e Tadeu eram o tipo de casal modelo para todos ao seu redor. Começaram a namorar aos dezesseis anos, quando o rapaz ainda jogava nas divisões de base de um time do interior paulista, e desde então estavam juntos, casados e com quatro filhos. Bela tinha um tom maternal com Alex desde que ela se mudara para a capital inglesa. As bochechas redondas pareciam um pouco maiores à medida que a expectativa a alcançava — Então? Vocês se viram? — É… — falou baixinho, dando alguns passos junto com a fila diminuindo diante dela — Ele jantou na minha casa ontem — a frase soou mais como um murmúrio, um murmúrio do qual ela se arrependeria pouquíssimos momentos depois. — Na sua casa? Com Teddy Tapper? — Os olhos escuros de Tadeu brilharam. Se tinha algo que o casal tinha em com