“Não se apaixone por mim, eu não vou me apaixonar por você”.
Já fazia quase um ano desde que Alexandria Tapper ouvira aquela frase, mas não houve um dia sequer que as palavras não ressoaram em seu cérebro como um lembrete vívido da relação, meramente casual, que mantinha. Ela odiava não saber como se sentia sobre isso.
(02.01.2023)
O visor do ar condicionado do quarto de Alex indicava confortáveis 68ºF, o que em uma conversão para graus Celsius, ficava em torno de 20º. Deveria ser extremamente agradável, mas o vapor vindo da fresta do banheiro deixava a janela da suíte levemente embaçada e o ar pesado, como se acabasse de entrar em uma sauna.
Coberta com apenas um lençol fino floral, ela queria, desesperadamente, gritar para que Christian saísse logo do seu banho, mas estava tentando, a pedido do próprio rapaz, ser uma pessoa mais paciente, uma tarefa extremamente árdua para a fotógrafa.
Alexandria fechou os olhos, contou até dez, bateu as pernas, tentou até meditar focando em frases e trechos de Augusto Cury, apesar de não ter nenhuma complacência com livros de autoajuda. O som da água contra o piso parou por alguns segundos e Alex finalmente conseguiu sorrir, mesmo que minimamente, mas quando o barulho iniciou novamente, ela soltou um suspiro exasperado, se dando por vencida.
Rolou no colchão abafando um grunhido no travesseiro e antes que seus pés pudessem alcançar o carpete branco do próprio quarto, a porta da suíte rangeu e Christian Peña passou por ela fazendo qualquer resquício de irritação ser substituído por um longo suspiro. Ela sempre achou Christian bonito, mas olhando naquele momento, com água pingando do cabelo para o corpo, coberto unicamente por uma toalha cinza na cintura, o termo “bonito” era pífio demais. Se os Deuses gregos realmente existem, Afrodite e Apolo provavelmente morrem de inveja dele.
A pele clara tinha um tom dourado típico de alguém que tinha passado as férias na praia, a parte alta do corte degradê caía no rosto e os cachos que a fotógrafa tanto adorava eram quase imperceptíveis. Até mesmo sua sobrancelha estava repleta de água, tão molhada que ao mínimo toque dos seus dedos, deixaram uma trilha de gotas pelo rosto. Christian era bonito, tão bonito que conseguia, apenas por existir, calar o ímpeto de Alexandria.
Ele nunca foi um cara de muitos sorrisos, mas estava tentando melhorar por ela, mesmo que forçasse um sorriso amarelo e falso vez ou outra. Mas não era o caso com Alexandria, com ela o sorriso simplesmente aparecia. Ele se aproximou com passos lentos e um ar provocativo. Os lábios rosados estavam prensados pelos dentes e a cada centímetro que ele diminuía a distância, os olhos de Alexandria se iluminavam.
Peña era fascinante para ela, como uma droga viciante, feita em algum laboratório e usando tudo que ela mais se encantava. Os olhos castanhos mel ficavam mais perceptíveis agora, assim como as discretas sardinhas que ele tinha no nariz e sob os olhos. Ela cansou de esperar, paciência não era nem de longe, a sua maior virtude. Puxou o rapaz pelo cós da toalha o fazendo arquear a sobrancelha com malícia nas expressões. Alexandria rolou os olhos. Seus dedos acariciaram o antebraço do rapaz bem acima de uma tatuagem nova.
A bandeira do Equador recém tatuada dividia espaço com todas as outras linhas que marcavam o braço esquerdo de Christian, um condor, uma frase em espanhol, as datas de nascimento dos pais, um leão e mais alguma que Alexandria conhecia tão bem, como se fizessem parte de si.
— É linda — sussurrou — Acho que é a mais bonita que você tem.
O azul, quase cruel, das orbes da fotógrafa estavam escondidos sob uma faísca de total hipnose, assim como o castanho mel do jogador tão impassível e indecifrável, brilhavam em excitação. Eles não falaram nada por alguns segundos, apenas encarando um ao outro como se fosse a última vez que o fariam.
— Eu senti sua falta lá, Alex — os dedos dele delinearam a curva do pescoço da fotógrafa, passando delicadamente por sua clavícula até alcançar uma ponta de lençol. Seus instintos primitivos queriam arrancar o tecido sem nenhuma cerimônia, mas ele se controlou — Eu cheguei a cogitar abandonar tudo lá só pra vir te ver.
Alex abaixou o rosto, rompendo o contato dos olhos deles, não era o tipo de coisa que queria ouvir. Homens conseguiam ser convincentes quando queriam, Christian era ainda melhor nisso, mas depois de quase um ano de uma relação estritamente casual, Alexandria já se sentia quase imune aos encantos do equatoriano.
— Cogitou deixar sua família, que você não via há meses, por sexo? — franziu o cenho, o tom de voz sarcástico fez Christian bufar e se afastar — Eu duvido que você tenha tido tempo pra sentir minha falta, Peña — Alex levantou da cama em direção ao banheiro, mas antes de passar pela porta, começou uma lista em seus dedos — Você é um jogador de futebol em ascensão, tem vinte e quatro anos, é solteiro, e muito gato. Quando você enjoou dos seus pais provavelmente tinha uma fila de garotas latinas querendo escalar os seus lençóis, você não teve tempo pra sentir minha falta, Chris.
Christian abriu a boca para contrapor, mesmo que não tivesse argumento, mas a porta de madeira pela qual tinha passado minutos antes já estava fechada. Ele socou a própria coxa frustrado soltando um palavrão em espanhol. Nunca foi muito bom com palavras, mas ela conseguia tirar qualquer frase minimamente bem formulada da sua mente e deixar um borrão confuso. Alexandria Tapper era inteligente, inteligente do tipo que colocava qualquer pessoa no bolso sem se esforçar muito.
O jogador agarrou a própria calça e camisa jogadas perto de uma estante de livros, vestindo as peças o mais rápido que podia. As roupas da fotógrafa estavam um pouco afastadas, largadas mais perto da cama queen bagunçada no meio do quarto. Tinha sido uma tarde boa, muito boa, que deixaria vestígios na mente e corpo, e a julgar pelo enorme arranhão que Christian tinha nas costas, ele lembraria daquela tarde por pelo menos uma semana. — “Eu cheguei a cogitar abandonar tudo lá só pra vir te ver.” — repetiu baixinho julgando as próprias palavras enquanto fazia uma careta de desgosto. Tinha sido uma tarde boa, mas ele sentiu que provavelmente tinha perdido o que poderia vir a ser uma noite boa também. Seus olhos passearam pelo quarto de Alex, tinha passado pouco mais de duas semanas fora, mas o cômodo parecia um pouco diferente. As paredes que antes eram brancas, tinham um tom escuro e aconchegante de verde esmeralda. O lustre também tinha sido trocado, o que era um, quase medieval, co
— Achei que sua reunião iria demorar mais — Alexandria forçou sua mais plena feição de tranquilidade para o pai, a expressão calma não deixava transparecer em momento algum que Christian Peña estava escondido sob sua cama. — Eu saí antes — Teddy massageou a própria nuca, as bolsas levemente arroxeadas se formavam aos poucos sob os olhos azuis do homem e o deixavam com a aparência de alguém muito mais velho do que os poucos 47 anos que ele tinha — Eu conheço meu sistema tático melhor que ninguém, a última coisa que eu preciso é de um bando de engravatados me dizendo quem eu devo ou não liberar para venda. Você acredita nisso? Eu levei esse time para a primeira divisão sem apoio nenhum, agora eles acham que podem me dizer o que fazer com os meus jogadores? É sério, acha que eles chegariam à Premier League sem mim? — Ele bufou, mas emendou outro assunto antes que a filha pudesse responder algo — Além disso, eu precisava passar naquele restaurante italiano com nome estranho. Cinccino, Ce
— Então quer dizer que o seu pai gosta de mim? E que ele quer que você arrume um namorado? Bem providencial não acha? — Christian praticamente sussurrava, a ideia que Teddy Tapper estava com o ouvido colado na porta não lhe parecia tão utópica assim. Alex ergueu a sobrancelha. A ideia de uma proposta de Christian parecia tentadora, e apesar de que ela sabia que jamais aconteceria, sua presunção não perderia a chance de uma resposta.— Chris — sua voz soou arrastada e quase cantada — Se você está pretendendo me pedir em namoro, espero que tenha pelo menos um buquê de astromélias azuis escondido em algum lugar desse quarto — fez uma pausa enquanto caminhava até o armário de roupas. Seus dedos afastaram alguns cabides e ela tocava algum tecido vez ou outra, apenas para largá-lo mais uma vez e continuar em busca de algo — Caso contrário, nem tente a sorte.Alexandria suspirou. Mulheres e seus guarda-roupas nunca foram a melhor combinação, sempre acabava em uma tragédia: ou a mulher frust
A península de carvalho da cozinha dos Tapper estava completamente bagunçada. Taças, garrafas de bebida, pratos sujos e embalagens de comida competiam por espaço sob a madeira retangular. Teddy parecia satisfeito com seu copo de uísque em mãos sentado bem à frente da filha e do jogador que ocupava a cadeira ao lado dela. O cheiro do nhoque de gorgonzola misturado com o aroma caramelizado do uísque vindos do hálito do pai incomodou minimamente Alexandria, um indício de que a noite seria longa. — Como foram as férias? — perguntou depois de um longo gole na bebida.Christian levou uma das mãos à boca pedindo um segundo para terminar de mastigar com a outra. Os olhos azuis de Alex estavam sobre ele com um ar muito mais interessado do que segundos antes. — Foi bem agradável — falou sucinto. Sua memória de curto prazo se lembrava muito bem de palavras mal escolhidas algum tempo antes e por isso ele sentia a obrigação de pisar em ovos.Teddy franziu o cenho, ser breve nas falas não era a
— Lukas Haus vai se apresentar no treinamento amanhã — Teddy sorriu dando uma explicação que ninguém havia pedido.Alex franziu o cenho, não fazia ideia de quem era Lukas Haus e não estava interessada em descobrir. Christian forçou um notório sorriso amarelo, não tinha nada pessoal contra o outro, sabia apenas o básico: Lukas era belga, tinha vinte e dois anos e era considerado uma promessa do futebol mundial, mas algo dentro dele sentia uma ameaça iminente. O clima estranho pairou por alguns segundos e Alexandria se sentiu na obrigação de intervir.— Você disse que você e o seu irmão tocaram na garagem — os olhos claros encararam o jogador — Aprendeu alguma música nova? Nada contra seu repertório repetitivo do Ed Sheeran Christian gargalhou. Seus sorrisos verdadeiros eram seletivos. Ele assentiu. Alex apontou com o nariz em direção à um suporte para violão na sala de estar, há alguns passos do corredor que o pai acabara de voltar. Era um violão antigo de Teddy que funcionava mais co
— É… — se deu por vencido — Tinham algumas, mas não foi nada importante — a última parte soou como uma explicação para a fotógrafa sentada ao seu lado. Pelo que Christian conhecia de Alex, as expressões neutras em seu rosto não eram um sinal ruim, mas estava longe de ser bom — Na verdade, tem uma pessoa importante. Ela não é do Equador, é daqui de Londres, mas não é nada sério, a gente só… Você sabe…As sobrancelhas do patriarca Tapper se moveram para cima e para baixo, com interesse. Teddy estava bêbado e isso era uma constatação óbvia. — Vocês só transam — Alexandria ergueu o olhar entediado para ele voltando a atenção às pontas descascadas da unha sem muita importância. Teddy limpou a garganta, um pequeno traço de embaraço manchava os olhos azuis — O que? — Ela deu de ombros naturalmente — Não é como se alguém aqui ainda fosse virgem. Eu não consigo entender, por que sexo ainda é um tabu social? Não tem razão pra ter vergonha de algo que é instintivo e básico, se você existe é po
(03.01.2023)Alexandria se considerava uma fã da Lady Gaga, tinha ido para todos os shows possíveis da cantora, assistiu “Nasce uma estrela” na pré-estreia, tinha um DVD, mesmo que ninguém mais usasse DVD’s, de “Casa Gucci” em sua estante, apesar de que seu crush no Adam Driver era maior do que o apreço pela cantora, e contava os dias para “Joker: Folie à Deux”. Mas uma coisa era inegável: Alex odiava a sonoridade de “Americano”, e por isso, decidiu colocar a música como toque do seu despertador.A música era conceitual, cada mínimo verso escrito como uma crítica social a regimes xenofóbicos e homofóbicos, mas ainda assim, o tom melodramático incomodava os ouvidos da fotógrafa o suficiente para fazê-la levantar o mais rápido possível e se livrar da melodia.Não foi diferente naquela manhã. Quando o som de uma arma sendo carregada atingiu os ouvidos de Alex, seu corpo levantou instintivamente em direção ao celular, propositalmente deixado longe da cama, parando o alarme no exato segund
— Precisa de carona? — Teddy se sentiu confortável para se aproximar, beijando o topo da cabeça da filha, que se inclinou minimamente carinhosa. Eles estavam acostumados com isso, como se a falta de uma troca de farpas matinal fosse fora do normal.Alexandria digitou uma mensagem para Lauren no próprio telefone, confirmando um almoço marcado na noite anterior, antes de responder ao pai. — Vou passar na cafeteria antes de ir, mas obrigada. Teddy não teve chance de abrir a boca e a fotógrafa já estava no quarto degrau da escada de mármore branco. Alexandria bebia café demais e talvez por isso sua mente funcionasse tão rápido, deixando qualquer pessoa ao seu redor no mínimo confusa com a velocidade das suas mudanças de humor ou assunto. Ela gostava daquilo. Ter o cérebro funcionando de forma tão veloz quanto um carro de Fórmula 1 a deixava menos tempo perdida em memórias que queria esquecer. Alexandria se sentiu uma completa idiota quando a água quente batendo nos seus ombros a moveu