A península de carvalho da cozinha dos Tapper estava completamente bagunçada. Taças, garrafas de bebida, pratos sujos e embalagens de comida competiam por espaço sob a madeira retangular. Teddy parecia satisfeito com seu copo de uísque em mãos sentado bem à frente da filha e do jogador que ocupava a cadeira ao lado dela.
O cheiro do nhoque de gorgonzola misturado com o aroma caramelizado do uísque vindos do hálito do pai incomodou minimamente Alexandria, um indício de que a noite seria longa.
— Como foram as férias? — perguntou depois de um longo gole na bebida.
Christian levou uma das mãos à boca pedindo um segundo para terminar de mastigar com a outra. Os olhos azuis de Alex estavam sobre ele com um ar muito mais interessado do que segundos antes.
— Foi bem agradável — falou sucinto. Sua memória de curto prazo se lembrava muito bem de palavras mal escolhidas algum tempo antes e por isso ele sentia a obrigação de pisar em ovos.
Teddy franziu o cenho, ser breve nas falas não era a maior virtude do rapaz. Providencialmente, Christian girou seu garfo, o mais rápido que pôde, contra o talharim com molho de vermelho, levando-o à boca para ocupá-la. Alexandria riu discreta. O anel de meio dedo tilintou na taça de cristal enquanto ela goleava o vinho branco.
— Defina agradável, Peña — ela virou completamente a cabeça na direção de Christian acariciando sua perna gentilmente sob a mesa. — Eu, por exemplo, fiquei três dias sem ver os executivos do time, isso é agradável pra mim, mais do que agradável na verdade — Alexandria apontou para Teddy antes de continuar — Meu pai provavelmente define esse copo de uísque como agradável, mas eu tenho certeza que não é o que você quer dizer.
— Então você quer um resumo das minhas férias, Alex? — ele suspirou sentindo a mão da fotógrafa se aproximando da sua virilha.
— Preferencialmente minucioso, Chris — ela rompeu o contato bruscamente para focar no próprio prato quase intocado.
— Os primeiros dias foram a típica celebração familiar quando um filho volta pra casa — ele deu ombros intercalando as frases com goles num copo de suco. Se Teddy Tapper estivesse o testando, colocando pelo menos três garrafas alcóolicas sobre a mesa, pelo dia de treino que viria na manhã seguinte, ele com certeza, havia passado — Minha mãe fez minhas comidas favoritas, eu escolhi os filmes de fim de tarde, meu irmão e eu tocamos na garagem, eu assisti muito volêi com meu pai, perdi a conta de quantas vezes fomos à El Murciélago… — ele fez uma pausa longa pra comer, o tipo de pausa de quem não pretende mais voltar ao tópico.
Se falasse mais, chegaria ao assunto mulheres, e por mais que tivesse consciência que Alex não tinha ciúmes dele e que o acordo da relação entre eles não tinha nenhuma cláusula sobre exclusividade, o humor de Alexandria era imprevisível o suficiente para que ele preferisse não arriscar.
O telefone de Teddy tocou cortando o assunto quase como uma faca afiada e Christian agradeceu a Deus e a quem quer que tivesse ligado para o treinador, que pediu licença e se levantou da mesa. Alex aproveitou a deixa para checar as mensagens do próprio aparelho, deixando de lado logo depois de perceber que a maioria delas era de trabalho. Os dedos de Christian roçaram nos dela a fazendo sorrir minimamente para ele.
O equatoriano esticou o corpo em direção ao corredor, garantindo que Teddy ainda estava ocupado no telefone. Os olhos mel pareciam brilhar em expectativa enquanto um sorriso preenchia seus lábios. A adrenalina da sensação de perigo o consumiu quando seus dedos se infiltraram no cabelo de Alex puxando seu rosto para perto dele. Seus lábios se encontraram com força, quase como se não se conhecessem, ou não se tocassem há muito tempo.
Christian gostava da ideia de um relacionamento secreto, mesmo que não fosse verdadeiramente um relacionamento, a sensação de esconder algo, do perigo de explorar a boca de Alex com sua língua enquanto Teddy estava a poucos metros de distância. O gosto suave de vinho branco invadia sua boca e ele se sentia quase embriagado, as unhas da fotógrafa contra sua nuca eram uma droga viciante. A excitação crescia dentro de si. Suas mãos se infiltraram sob a blusa de Alex que se afastou abruptamente.
— Tá ficando maluco? — o tom deveria soar ríspido, mas ecoou mais como um suspiro fazendo o rapaz rir minimamente.
— Eu estive pensando… — ele se inclinou mais uma vez. Teddy ainda estava na ligação — … você quer mesmo passar a noite sozinha? — Christian riu levando os dedos a boca, quase como se estivesse nervoso — É só pedir e eu fico, cariño.
— A proposta é tentadora, Peña — seus dedos acariciaram de leve a barba do rapaz. Parte de si, a maior parte, queria pedir para ele ficar, mas um resquício de bom senso conseguia identificar as borboletas no seu estômago como fora dos limites da relação imposta por eles. O equatoriano tinha um efeito estranho sobre si ultimamente. Talvez fosse solidão, o tempo longe dele deveria ter mexido com sua cordura. Alex não estava apaixonada por Christian, e ela repetia isso para si mesma sempre que podia. — Mas eu preciso dispensar.
Ele abriu a boca para contrapor, mas o que quer que fosse falar, morreu na garganta quando Teddy voltou do corredor com um sorriso enorme no rosto. O ar feliz se desfez por um segundo, o treinador não pareceu satisfeito com a própria imagem na tela bloqueada do celular. Com uma das mãos ele ajeitou os, ralos e quase em falta, fios de cabelo escuros que o impediam de ser um careca declarado.
— Lukas Haus vai se apresentar no treinamento amanhã — Teddy sorriu dando uma explicação que ninguém havia pedido.Alex franziu o cenho, não fazia ideia de quem era Lukas Haus e não estava interessada em descobrir. Christian forçou um notório sorriso amarelo, não tinha nada pessoal contra o outro, sabia apenas o básico: Lukas era belga, tinha vinte e dois anos e era considerado uma promessa do futebol mundial, mas algo dentro dele sentia uma ameaça iminente. O clima estranho pairou por alguns segundos e Alexandria se sentiu na obrigação de intervir.— Você disse que você e o seu irmão tocaram na garagem — os olhos claros encararam o jogador — Aprendeu alguma música nova? Nada contra seu repertório repetitivo do Ed Sheeran Christian gargalhou. Seus sorrisos verdadeiros eram seletivos. Ele assentiu. Alex apontou com o nariz em direção à um suporte para violão na sala de estar, há alguns passos do corredor que o pai acabara de voltar. Era um violão antigo de Teddy que funcionava mais co
— É… — se deu por vencido — Tinham algumas, mas não foi nada importante — a última parte soou como uma explicação para a fotógrafa sentada ao seu lado. Pelo que Christian conhecia de Alex, as expressões neutras em seu rosto não eram um sinal ruim, mas estava longe de ser bom — Na verdade, tem uma pessoa importante. Ela não é do Equador, é daqui de Londres, mas não é nada sério, a gente só… Você sabe…As sobrancelhas do patriarca Tapper se moveram para cima e para baixo, com interesse. Teddy estava bêbado e isso era uma constatação óbvia. — Vocês só transam — Alexandria ergueu o olhar entediado para ele voltando a atenção às pontas descascadas da unha sem muita importância. Teddy limpou a garganta, um pequeno traço de embaraço manchava os olhos azuis — O que? — Ela deu de ombros naturalmente — Não é como se alguém aqui ainda fosse virgem. Eu não consigo entender, por que sexo ainda é um tabu social? Não tem razão pra ter vergonha de algo que é instintivo e básico, se você existe é po
(03.01.2023)Alexandria se considerava uma fã da Lady Gaga, tinha ido para todos os shows possíveis da cantora, assistiu “Nasce uma estrela” na pré-estreia, tinha um DVD, mesmo que ninguém mais usasse DVD’s, de “Casa Gucci” em sua estante, apesar de que seu crush no Adam Driver era maior do que o apreço pela cantora, e contava os dias para “Joker: Folie à Deux”. Mas uma coisa era inegável: Alex odiava a sonoridade de “Americano”, e por isso, decidiu colocar a música como toque do seu despertador.A música era conceitual, cada mínimo verso escrito como uma crítica social a regimes xenofóbicos e homofóbicos, mas ainda assim, o tom melodramático incomodava os ouvidos da fotógrafa o suficiente para fazê-la levantar o mais rápido possível e se livrar da melodia.Não foi diferente naquela manhã. Quando o som de uma arma sendo carregada atingiu os ouvidos de Alex, seu corpo levantou instintivamente em direção ao celular, propositalmente deixado longe da cama, parando o alarme no exato segund
— Precisa de carona? — Teddy se sentiu confortável para se aproximar, beijando o topo da cabeça da filha, que se inclinou minimamente carinhosa. Eles estavam acostumados com isso, como se a falta de uma troca de farpas matinal fosse fora do normal.Alexandria digitou uma mensagem para Lauren no próprio telefone, confirmando um almoço marcado na noite anterior, antes de responder ao pai. — Vou passar na cafeteria antes de ir, mas obrigada. Teddy não teve chance de abrir a boca e a fotógrafa já estava no quarto degrau da escada de mármore branco. Alexandria bebia café demais e talvez por isso sua mente funcionasse tão rápido, deixando qualquer pessoa ao seu redor no mínimo confusa com a velocidade das suas mudanças de humor ou assunto. Ela gostava daquilo. Ter o cérebro funcionando de forma tão veloz quanto um carro de Fórmula 1 a deixava menos tempo perdida em memórias que queria esquecer. Alexandria se sentiu uma completa idiota quando a água quente batendo nos seus ombros a moveu
— O Christian voltou ontem do Equador — Isabela moveu as sobrancelhas, levemente pigmentadas de ruivo, para combinar com o cabelo chanel da mesma cor, com malícia. O sorriso crescendo cada vez mais nos lábios cheios. Isabela e Tadeu eram o tipo de casal modelo para todos ao seu redor. Começaram a namorar aos dezesseis anos, quando o rapaz ainda jogava nas divisões de base de um time do interior paulista, e desde então estavam juntos, casados e com quatro filhos. Bela tinha um tom maternal com Alex desde que ela se mudara para a capital inglesa. As bochechas redondas pareciam um pouco maiores à medida que a expectativa a alcançava — Então? Vocês se viram? — É… — falou baixinho, dando alguns passos junto com a fila diminuindo diante dela — Ele jantou na minha casa ontem — a frase soou mais como um murmúrio, um murmúrio do qual ela se arrependeria pouquíssimos momentos depois. — Na sua casa? Com Teddy Tapper? — Os olhos escuros de Tadeu brilharam. Se tinha algo que o casal tinha em com
— Você sumiu ontem — Drew virou de costas, abaixando a bermuda cinza de moletom que vestia, deixando a cueca preta que contornava suas nádegas bem na frente do rosto do equatoriano. O camisa 10 franziu o cenho, virando sua atenção para outro ponto.— Dá pra tirar a bunda da minha cara? — Ele espalmou a mão como se espantasse uma mosca. — Disse que ia passar na minha casa ontem, mas não apareceu — o norueguês acabou de vestir a calça de treino, voltando a se sentar. — Eu tive que passar a noite ouvindo o Jay falar quão próxima da perfeição é a Claire segundo a proporção áurea. Eu nem imaginava que o Jaden soubesse o que era proporção áurea. Christian suspirou. Considerou inventar alguma desculpa, mas conhecia bem o poder de argumentação do zagueiro, e pelo olhar afiado que ele recebia, não conseguiria mentir. Ele abriu a boca algumas vezes sem emitir nenhum som, gesto que o norueguês entendeu como uma tentativa de escolher as palavras certas e aproveitou a deixa para trocar a camisa,
Christian e Andrew o encararam. Gotas de suor marcavam a pele negra da sua testa e pescoço. Os dreads amarelos que usava até o dia anterior agora davam espaço para um black naturalmente preto e consideravelmente alto. Jaden sorriu para Teddy, o constrangimento palpável em cada feição.— Sinto muito pelo atraso — falou mais baixo que o de costume, o sotaque britânico presente no seu tom charmoso de voz. Jaden não levou mais do que dez segundos para recuperar o fôlego, logo empurrando Andrew gentilmente para o lado e se pondo entre ele e o equatoriano. — Perdi algo? — sussurrou, dessa vez para os amigos. — O bom senso — Andrew murmurou — Talvez tenha deixado na casa do "leite do seu chá" — abriu aspas no ar sem romper o contato visual com Teddy, que olhava para o lado oposto. Jaden ergueu a mão, mostrando o dedo do meio. Teddy balançou a cabeça em negação, ainda sorrindo. Ele estava de bom humor e parte dele com toda certeza se dava ao rapaz de vinte e três anos vindo junto com Matt D
Lukas Haus nunca acreditou no amor à primeira vista, achava brega, e muito utópica, a ideia de se apaixonar por alguém apenas olhando para ela. E apesar de a leitura ser um dos seus maiores hobbies, ele sempre abandonava livros “instalovers”. O máximo que o belga se permitia crer, quando o assunto era ver alguém pela primeira vez, era em atração. E foi essa atração que ele sentiu quando seu olhar cruzou com o da fotógrafa.O jogador sempre considerou vermelho como sua cor favorita, já tinha dito isso em algumas entrevistas para sites de fofoca e revistas teen em que seu rosto estampava a capa, mas se perguntassem novamente, ele diria que era azul. O azul frio dos olhos da mulher que encarava, especificamente. Tinha até uma justificativa para isso: “é a cor do meu novo time”, diria se fosse questionado o motivo da mudança.— Essa não é uma boa ideia — o tom de voz de Christian era diferente de minutos antes, quando se apresentou, um pouco mais grossa, quase forçada — Flertar com funci