— Achei que sua reunião iria demorar mais — Alexandria forçou sua mais plena feição de tranquilidade para o pai, a expressão calma não deixava transparecer em momento algum que Christian Peña estava escondido sob sua cama.
— Eu saí antes — Teddy massageou a própria nuca, as bolsas levemente arroxeadas se formavam aos poucos sob os olhos azuis do homem e o deixavam com a aparência de alguém muito mais velho do que os poucos 47 anos que ele tinha — Eu conheço meu sistema tático melhor que ninguém, a última coisa que eu preciso é de um bando de engravatados me dizendo quem eu devo ou não liberar para venda. Você acredita nisso? Eu levei esse time para a primeira divisão sem apoio nenhum, agora eles acham que podem me dizer o que fazer com os meus jogadores? É sério, acha que eles chegariam à Premier League sem mim? — Ele bufou, mas emendou outro assunto antes que a filha pudesse responder algo — Além disso, eu precisava passar naquele restaurante italiano com nome estranho. Cinccino, Cechichi…
Sua testa franziu, ele não era bom com nomes de restaurantes, principalmente quando não estavam em sua língua oficial: francês. Teddy não era francês, mas belga, e crescer em Bruxelas o garantiu domínio do idioma mais bonito do mundo, além de uma fluência impressionante em alemão e inglês. Mas italiano? Definitivamente não era o seu forte.
— Cicchetti — Alexandria sorriu, mas deixou as expressões vacilarem por um segundo quando Teddy pôs o pé dentro do quarto da filha. Seu estômago embrulhou e suas mãos gelaram. Por um momento, Alex achou que poderia ter uma síncope. A cada passo que o pai dava, sua respiração falhava. — Por que? Por que teve que passar lá? — Alex teve dificuldade em formular uma simples frase.
Teddy sentou no colchão e a madeira da cama acima de Christian rangeu. Ele estava completamente suado, talvez tão suado quanto estaria depois de correr em um campo por noventa minutos. Sua mão cobria sua boca e nariz para evitar que sua respiração ofegante soasse ruidosa. Christian tinha uma certeza: ele estava ferrado.
— Eu convidei o Christian para jantar — a naturalidade com que as palavras saiam da boca de Teddy Tapper deixava Alex ainda mais nervosa, como se o pai fizesse seu último movimento sutil em uma partida de xadrez antes do grande xeque mate, xeque mate esse que envolveria ele arrastar o jogador para fora dali deixando claro que ele sabia de tudo desde o começo. Alexandria juntou as sobrancelhas, fazendo o pai rir — Ele voltou do Equador hoje e eu sei que você não odeia ele como odeia a maioria das pessoas que trabalham comigo — Deu ombros despojado — Ele é um bom garoto, eu gosto dele, e acima de tudo, eu gosto de manter uma relação pessoal com meus jogadores.
— Você poderia ter convidado o Keegan — sugeriu e Teddy rolou os olhos coçando o queixo em seguida, acabara de lembrar que o goleiro poderia ser um bom nome para incluir na janela de transferências. Alexandria coçou a garganta — Então a gente comprou comida italiana pra agradar um equatoriano?
Teddy riu, mas não respondeu. Ele sabia, melhor do que ninguém, que os comentários engraçados da filha evoluíam para acidez em uma velocidade quase sobrenatural e ela parecia bem humorada o suficiente para ele preferir mantê-la assim. Seus dedos tatearam a cama até um exemplar azul da Julia Quinn próximo aos travesseiros. “Um perfeito cavalheiro” diziam as letras brancas sob o chocante nome da autora em destaque. Um sapato, incrivelmente feio marcava a capa, deixado em uma escadaria, como em um conto de Cinderela. Teddy encarou a filha.
— Sabe o que eu mais gosto em livros? Se alguém fizer merda, eu posso mandar o personagem pro inferno sem risco de ser demitida — ela parou por um segundo, não perderia a deixa de criticar os homens que trabalhavam com Teddy — Eu não posso fazer no trabalho, o machismo é tão naturalizado e enraizado naquele time que…
— Eu não sabia que você era uma romântica, Alex — o pai a interrompeu, sabia onde aquele diálogo pararia e a enorme vontade da fotógrafa de mandar toda diretoria do King's Road Soldiers tomar naquele lugar, não colocaria apenas a própria carreira em risco — Você deveria arrumar um namorado. Te tiraria desse mundo fantasioso de romances idealizados, te deixaria menos amarga também — ele pensou nas próximas palavras com um certo cuidado, considerando se deveria dizê-las ou não, mas falou assim mesmo — Te deixaria feliz.
Alexandria arrancou o livro das mãos do pai o devolvendo na coleção. Não é que ela não apreciasse a natureza de se apaixonar, mas ouvir do pai que colocar sua felicidade nas mãos de um homem era uma ideia fantástica deixava Alex incomodada, para dizer o mínimo. Ela não respondeu. Christian estava debaixo da cama, ele não precisava ouvir uma discussão familiar sobre machismo. Alex escancarou a porta branca do próprio quarto, um convite não verbalizado para que Teddy saísse, que logo viraria um arrogante “saia”, se não fosse prontamente atendido. O homem levantou deixando alguns mínimos tapinhas no ombro da filha.
Assim que Teddy passou pela porta, Alexandria girou a chave na fechadura deixando um longo suspiro aliviado escapar pelos lábios. Christian riu, o tipo de risada sem sentido e completamente sem graça que uma pessoa solta, nervosamente, depois de uma situação complicada.
— Então quer dizer que o seu pai gosta de mim? E que ele quer que você arrume um namorado? Bem providencial não acha? — Christian praticamente sussurrava, a ideia que Teddy Tapper estava com o ouvido colado na porta não lhe parecia tão utópica assim. Alex ergueu a sobrancelha. A ideia de uma proposta de Christian parecia tentadora, e apesar de que ela sabia que jamais aconteceria, sua presunção não perderia a chance de uma resposta.— Chris — sua voz soou arrastada e quase cantada — Se você está pretendendo me pedir em namoro, espero que tenha pelo menos um buquê de astromélias azuis escondido em algum lugar desse quarto — fez uma pausa enquanto caminhava até o armário de roupas. Seus dedos afastaram alguns cabides e ela tocava algum tecido vez ou outra, apenas para largá-lo mais uma vez e continuar em busca de algo — Caso contrário, nem tente a sorte.Alexandria suspirou. Mulheres e seus guarda-roupas nunca foram a melhor combinação, sempre acabava em uma tragédia: ou a mulher frust
A península de carvalho da cozinha dos Tapper estava completamente bagunçada. Taças, garrafas de bebida, pratos sujos e embalagens de comida competiam por espaço sob a madeira retangular. Teddy parecia satisfeito com seu copo de uísque em mãos sentado bem à frente da filha e do jogador que ocupava a cadeira ao lado dela. O cheiro do nhoque de gorgonzola misturado com o aroma caramelizado do uísque vindos do hálito do pai incomodou minimamente Alexandria, um indício de que a noite seria longa. — Como foram as férias? — perguntou depois de um longo gole na bebida.Christian levou uma das mãos à boca pedindo um segundo para terminar de mastigar com a outra. Os olhos azuis de Alex estavam sobre ele com um ar muito mais interessado do que segundos antes. — Foi bem agradável — falou sucinto. Sua memória de curto prazo se lembrava muito bem de palavras mal escolhidas algum tempo antes e por isso ele sentia a obrigação de pisar em ovos.Teddy franziu o cenho, ser breve nas falas não era a
— Lukas Haus vai se apresentar no treinamento amanhã — Teddy sorriu dando uma explicação que ninguém havia pedido.Alex franziu o cenho, não fazia ideia de quem era Lukas Haus e não estava interessada em descobrir. Christian forçou um notório sorriso amarelo, não tinha nada pessoal contra o outro, sabia apenas o básico: Lukas era belga, tinha vinte e dois anos e era considerado uma promessa do futebol mundial, mas algo dentro dele sentia uma ameaça iminente. O clima estranho pairou por alguns segundos e Alexandria se sentiu na obrigação de intervir.— Você disse que você e o seu irmão tocaram na garagem — os olhos claros encararam o jogador — Aprendeu alguma música nova? Nada contra seu repertório repetitivo do Ed Sheeran Christian gargalhou. Seus sorrisos verdadeiros eram seletivos. Ele assentiu. Alex apontou com o nariz em direção à um suporte para violão na sala de estar, há alguns passos do corredor que o pai acabara de voltar. Era um violão antigo de Teddy que funcionava mais co
— É… — se deu por vencido — Tinham algumas, mas não foi nada importante — a última parte soou como uma explicação para a fotógrafa sentada ao seu lado. Pelo que Christian conhecia de Alex, as expressões neutras em seu rosto não eram um sinal ruim, mas estava longe de ser bom — Na verdade, tem uma pessoa importante. Ela não é do Equador, é daqui de Londres, mas não é nada sério, a gente só… Você sabe…As sobrancelhas do patriarca Tapper se moveram para cima e para baixo, com interesse. Teddy estava bêbado e isso era uma constatação óbvia. — Vocês só transam — Alexandria ergueu o olhar entediado para ele voltando a atenção às pontas descascadas da unha sem muita importância. Teddy limpou a garganta, um pequeno traço de embaraço manchava os olhos azuis — O que? — Ela deu de ombros naturalmente — Não é como se alguém aqui ainda fosse virgem. Eu não consigo entender, por que sexo ainda é um tabu social? Não tem razão pra ter vergonha de algo que é instintivo e básico, se você existe é po
(03.01.2023)Alexandria se considerava uma fã da Lady Gaga, tinha ido para todos os shows possíveis da cantora, assistiu “Nasce uma estrela” na pré-estreia, tinha um DVD, mesmo que ninguém mais usasse DVD’s, de “Casa Gucci” em sua estante, apesar de que seu crush no Adam Driver era maior do que o apreço pela cantora, e contava os dias para “Joker: Folie à Deux”. Mas uma coisa era inegável: Alex odiava a sonoridade de “Americano”, e por isso, decidiu colocar a música como toque do seu despertador.A música era conceitual, cada mínimo verso escrito como uma crítica social a regimes xenofóbicos e homofóbicos, mas ainda assim, o tom melodramático incomodava os ouvidos da fotógrafa o suficiente para fazê-la levantar o mais rápido possível e se livrar da melodia.Não foi diferente naquela manhã. Quando o som de uma arma sendo carregada atingiu os ouvidos de Alex, seu corpo levantou instintivamente em direção ao celular, propositalmente deixado longe da cama, parando o alarme no exato segund
— Precisa de carona? — Teddy se sentiu confortável para se aproximar, beijando o topo da cabeça da filha, que se inclinou minimamente carinhosa. Eles estavam acostumados com isso, como se a falta de uma troca de farpas matinal fosse fora do normal.Alexandria digitou uma mensagem para Lauren no próprio telefone, confirmando um almoço marcado na noite anterior, antes de responder ao pai. — Vou passar na cafeteria antes de ir, mas obrigada. Teddy não teve chance de abrir a boca e a fotógrafa já estava no quarto degrau da escada de mármore branco. Alexandria bebia café demais e talvez por isso sua mente funcionasse tão rápido, deixando qualquer pessoa ao seu redor no mínimo confusa com a velocidade das suas mudanças de humor ou assunto. Ela gostava daquilo. Ter o cérebro funcionando de forma tão veloz quanto um carro de Fórmula 1 a deixava menos tempo perdida em memórias que queria esquecer. Alexandria se sentiu uma completa idiota quando a água quente batendo nos seus ombros a moveu
— O Christian voltou ontem do Equador — Isabela moveu as sobrancelhas, levemente pigmentadas de ruivo, para combinar com o cabelo chanel da mesma cor, com malícia. O sorriso crescendo cada vez mais nos lábios cheios. Isabela e Tadeu eram o tipo de casal modelo para todos ao seu redor. Começaram a namorar aos dezesseis anos, quando o rapaz ainda jogava nas divisões de base de um time do interior paulista, e desde então estavam juntos, casados e com quatro filhos. Bela tinha um tom maternal com Alex desde que ela se mudara para a capital inglesa. As bochechas redondas pareciam um pouco maiores à medida que a expectativa a alcançava — Então? Vocês se viram? — É… — falou baixinho, dando alguns passos junto com a fila diminuindo diante dela — Ele jantou na minha casa ontem — a frase soou mais como um murmúrio, um murmúrio do qual ela se arrependeria pouquíssimos momentos depois. — Na sua casa? Com Teddy Tapper? — Os olhos escuros de Tadeu brilharam. Se tinha algo que o casal tinha em com
— Você sumiu ontem — Drew virou de costas, abaixando a bermuda cinza de moletom que vestia, deixando a cueca preta que contornava suas nádegas bem na frente do rosto do equatoriano. O camisa 10 franziu o cenho, virando sua atenção para outro ponto.— Dá pra tirar a bunda da minha cara? — Ele espalmou a mão como se espantasse uma mosca. — Disse que ia passar na minha casa ontem, mas não apareceu — o norueguês acabou de vestir a calça de treino, voltando a se sentar. — Eu tive que passar a noite ouvindo o Jay falar quão próxima da perfeição é a Claire segundo a proporção áurea. Eu nem imaginava que o Jaden soubesse o que era proporção áurea. Christian suspirou. Considerou inventar alguma desculpa, mas conhecia bem o poder de argumentação do zagueiro, e pelo olhar afiado que ele recebia, não conseguiria mentir. Ele abriu a boca algumas vezes sem emitir nenhum som, gesto que o norueguês entendeu como uma tentativa de escolher as palavras certas e aproveitou a deixa para trocar a camisa,