SEJA MINHA AMANTE
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Por: Ara Pereira
CAPÍTULO 1

MELISSA

*

Eu nunca imaginei que um homem milionário e dono da metade dos estabelecimentos comerciais de São Paulo fosse cruzar a minha vida e virar ela de cabeça pra baixo.

Ele era casado e eu era só uma garota com traumas e virgem, alguém que nunca soube o que era ter um homem dentro de si.

Crescer naquela casa sempre foi como dançar em uma corda bamba, esperando a queda a qualquer momento.

Minha relação com meus pais era mais uma partitura desafinada do que uma harmonia familiar.

Minha mãe, com seu olhar crítico, sempre parecia encontrar falhas até nas minhas melhores conquistas.

"Melissa, isso poderia ter sido feito de forma melhor"...

Ela dizia, como se perfeição fosse uma obrigação e não uma escolha. Meu pai, por outro lado, estava sempre imerso em seu próprio mundo, distante e indiferente às batalhas diárias que eu enfrentava.

Numa noite fria, ao jantar, tentei compartilhar um pouco do meu dia...

"Consegui uma boa nota na prova de matemática hoje", eu disse com um sorriso frágil.

Minha mãe levantou os olhos do prato por um momento e, sem expressão, respondeu: "Ainda pode melhorar".

Respirei fundo, tentando ignorar o constante peso das expectativas sobre meus ombros. Meu pai, absorto em seu jornal, nem mesmo notou minha tentativa de compartilhar algo significativo. "Talvez eles nunca entenderão", pensei com tristeza, enquanto meu sorriso desaparecia na mesma velocidade que surgiu.

À medida que os anos passavam, a lacuna entre nós só crescia. Cada tentativa de me aproximar era recebida com uma parede de indiferença ou críticas disfarçadas de conselhos, em vez de ligações afetivas, minha infância era povoada por silêncios pesados e palavras não ditas.

Em meio a esse labirinto emocional, comecei a buscar conforto em amigos e em minhas próprias paixões.

A primeira vez em que alguém partiu o meu coração eu não tive uma mãe e nem um pai pra me acalentar, eu mesma tive que me curar sozinha, mas prometi pra mim mesma que jamais deixaria outro homem me quebrar novamente daquela forma.

Eu aprendi a construir minha própria validação e tentei encontrar beleza nas imperfeições que me tornavam única.

No dia em que completei 18 anos, a atmosfera em casa mudou de forma irrevogável, o jantar que planejei para comemorar minha entrada na "idade adulta" se transformou em uma tempestade de palavras afiadas e ressentimento acumulado.

—Melissa, agora que você é "oficialmente adulta", talvez seja hora de enfrentar o mundo por conta própria.

Meu pai disse, lançando suas palavras como pedras. Minha mãe, com seus olhos que mais pareciam icebergs, ecoou:

—Já é hora de você aprender a viver sem depender de nós.

A notícia de que eu deveria ir embora foi como um soco no estômago, as palavras de apoio ou encorajamento eram tão ausentes quanto a compreensão mútua que sempre almejei, eu fui confrontada com uma decisão forçada e um coração repleto de mágoa.

Eu pedi um prazo pra conseguir juntar dinheiro pra poder sair daquela casa que um dia eu chamei de lar, então eu arranjei um emprego de meio período e trabalhei nele por três meses, eu consegui pouco dinheiro, mas dava pra começar em algum canto, no meu último dia de trabalho, algo aconteceu comigo e eu acordei no hospital com um ferimento na cabeça, estranhamente eu não consegui explicar o que havia acontecido, pois eu não me lembrava, a minha chefe falou que havia saído pra almoçar e quando votou me encontrou caída no chão, eu fiquei três dias em coma, e por não haver câmeras na loja, concluíram que foi um acidente.

Eu conseguia lembrar de tudo, menos do dia em questão, e o médico disse que foi um trauma causado pela queda que apagou aquele dia da minha memória, mas como eu lembrava de tudo da minha vida e de todos, não era algo sério.

Mesmo internada, meus pais disseram que eu havia dado muitas despesas e eu me senti um lixo.

Uma semana depois de eu voltar pra casa, eu empacotei minhas coisas em silêncio, enquanto as lembranças de uma infância tumultuada dançavam ao meu redor.

— Você sempre foi uma carga para nós.

Minha mãe murmurou, sem um traço de remorso. Com um nó na garganta, encarei o portal que marcava a entrada para um futuro incerto.

Eu caminhei até a porta e deixei para trás não apenas um lar, mas uma narrativa de desconexão e desilusão, a rua à frente era meu novo horizonte, e cada passo era uma tentativa de encontrar um sentido para a realidade recém-adquirida.

Ao olhar para trás, vi a casa que, de alguma forma, ainda representava o que um dia foi a busca por amor e aceitação.

— Talvez, no processo de me perder, eu possa me encontrar.

Murmurei para mim mesma, carregando a bagagem física e emocional de uma transição abrupta para a vida adulta.

Eu vaguei sem rumo até encontrar uma comunidade, foi onde encontrei um local pra morar.

Com uma mão trêmula, tranquei a porta da casa que eu passei a chamar de lar, sentindo o eco do silêncio que preenchia os cômodos vazios.

Minha nova residência no subúrbio era uma mistura de esperança e resignação, um refúgio humilde que refletia minha condição financeira precária.

Os vizinhos, curiosos e ao mesmo tempo discretos, observavam enquanto eu tentava me integrar a esse novo cenário.

O som das crianças brincando na rua e o aroma familiar das refeições caseiras vindas das casas ao redor davam ao subúrbio uma sensação de comunidade que eu nunca experimentei antes, eu senti uma mistura de paz e medo do "novo".

Mesmo com as limitações financeiras, eu tinha que aprender a apreciar a simplicidade da vida no subúrbio, o pequeno quintal tornou-se meu oásis, e as noites tranquilas substituíram os dramas familiares que uma vez dominaram meus dias. Cada móvel usado e cada utensílio doméstico desgastado contavam uma história de recomeço.

Enquanto minha relação com meus pais permanecia distante, a casa no subúrbio tornou-se um capítulo novo e desafiador na minha jornada, eu me obriguei a entender que a verdadeira força residia na capacidade de se reinventar, mesmo com recursos escassos.

E assim, sob o teto modesto do subúrbio, comecei a esboçar a versão adulta de mim mesma, moldada por desafios, mas também guiada pela esperança de um futuro que eu mesma construiria.

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