Ceyas
Depois de pedir para Lugi não agir precipitadamente, uma vez que há outros lobos demonstrando sinais de medo, o que foi o motivo de nos chamarem, volto a seguir a mulher. Com passos vagarosos, ela indica a cabana mais adiante.
O lugar está em um péssimo estado; no entanto, o que me deixa assustado é a quantidade de sigilos bruxos que vejo marcados nas árvores. Nunca vi algo assim antes. Como se isso não fosse assombroso o bastante, a maioria dos lobos recua instintivamente para longe do local.
Eles têm medo e não podem evitar mostrá-lo.
— Ceyas, nós deveríamos voltar e chamar a Kanoi — profere Lugi. Ele olha para a direita, onde Lewyn está. Contudo, seguindo as suas ordens, ele logo começa a se mover, embora seja o único.
Pode ter a ver com a sua diligência ou talvez ele não se incomode tanto quanto os outros lobos. Contudo, experimento um pouco do que os deixa incomodados.
O cheiro de sangue fica mais forte a cada segundo. Além disso, há uma aura forte escapando de algo.
— Por que haveria tantos sigilos aqui? — me pergunto.
Uvtrian abandonou tudo, deixando os membros de sua alcateia para trás assim que percebeu que iríamos caçá-lo. Mesmo se não houvesse a nossa aliança com os Silver, ainda os mataríamos, dado que ameaçaram nossos lobos e protegidos.
— Não sei, mas para haver tantos, o que foi escondido aqui é, no mínimo, perigoso — professa Lugi, observando o caminho que Lewyn seguiu, sem que ninguém fosse atrás dele para ter certeza de que ele poderia voltar em segurança.
— Vamos, não podemos deixar que ele veja o que há lá sozinho — articulo, experimentando uma pressão no peito que faz com que meus pés demorem a se mover.
A bruxa que criou esses sigilos era muito forte. Ela tinha uma intenção muito clara em sua magia, dado que, assim que atravesso a camada poderosa de magia, me sinto bem mais livre. Viro-me erguendo o braço e consigo sentir como é impossível atravessar para sair da redoma que ela criou.
— Ótimo, estamos presos no covil de uma bruxa — reclama Lugi, me deixando para trás quando anda para mais perto da cabana, adentrando nela de modo muito imprudente para alguém que acabou de reclamar sobre estarmos no covil de uma bruxa.
— Tragam a Kanoi, peçam que ela venha rapidamente — mando para os dois lobos que conseguiram se movimentar, apesar do medo que devem sentir. Precisamos de pessoas rápidas e que possam se mover. — Digam que uma bruxa criou um covil.
Ligeiros, dado que sabem os perigos que um lugar como esse pode acarretar, os dois se apressam para trazer a mulher aqui antes que algo irreversível possa acontecer. Seguindo o som da voz de Lugi, adentro a cabana.
Preciso levar uma mão ao nariz, dado o cheiro de sangue pungente que chega até mim. Sigo-o, já que vem da mesma direção da voz de Lugi. No momento em que consigo ver suas costas, assisto à sua pressa em agarrar Lewyn, puxando-o para trás.
Não vi o que os atacaria, mas ouvi o tilintar pesado das correntes.
— Que caralho é isso? — Ouvi Lugi se questionar, tropeçando tão rápido quanto as palavras que disparou. Ele ajeitou sua posição, se preparando para atacar, e a silhueta vinda do escuro primeiro exibiu os seus olhos.
O tom de verde, embaralhado pelas notas laranjas, me lembra a mudança entre verão e outono, quase como se os dois pudessem coexistir perfeitamente, causando uma sensação gostosa no coração.
Porém, nesse caso, é um aviso. Rapidamente, as notas alaranjadas, polidas e bonitas se transformam em um tom vermelho-sangue que me recorda o líquido rubro escapando fresco das veias de alguém prestes a morrer.
— Quem são vocês? — pergunta a voz feminina, que chega aos meus ouvidos como se sinos estivessem soando no Natal, lembrando-me da felicidade carregada pela época.
— Quem é você? — replica Lugi, e tenho certeza de que ele notou, assim como percebi que a aura dessa sujeita difere de qualquer um dos monstros que estivemos encontrando recentemente.
Foi ela que estava impondo parte do receio aos lobos do lado de fora.
— Se saírem do meu caminho, todos poderemos ser felizes — profere ela, embora não consigamos discernir mais do que os seus olhos e a sua voz, dada a escuridão onde ela parou.
Nada ilumina o ambiente que a esconde.
Algo desse tipo só é possível com magia.
— Você está com Uvtrian? — pergunta Lugi a ela. Consegue falar muito bem, embora a mulher esteja impondo uma pressão de submissão tão firme que me pego pensando em quantas vezes já vi algo assim.
— Uvtrian? — Ela sorri, uma gargalhada intensa, vinda direto da boca do estômago. É repleta de sentimentos negativos, porém, a sua raiva se sobressai com facilidade a todos eles. — Tudo o que quero dele é a sua cabeça.
— Se não está com ele, pare de tentar fazer com que meus lobos se submetam — mando, sentindo que a intensidade dela muda completamente quando me observa. Ter os olhos vermelhos voltados na minha direção faz com que algo dentro do meu peito se parta.
Contudo, o som das correntes é ainda mais chamativo do que isso.
— Por que eu deveria parar? — pontua, andando um pouco mais para fora da sombra. — Tudo o que recebi nos últimos tempos foi dor, eu deveria cobrar um pouco do que me devem.
Mais do que as suas palavras, a sua aparência faz com que eu precise controlar os meus pensamentos. Embora a sua voz soe firme, a mulher está só pele e osso. Tem tantas correntes em torno do seu corpo que me pergunto o quanto a temiam para fazer com que fosse mantida dessa maneira.
Os cabelos longos e avermelhados escorrem por suas costas em cascatas tão bagunçadas que somente complementam o pacote maculado que ela é no momento.
Mais do que a ponta de preocupação se expondo em minha mente, experimento uma confusão ao ver a barriga grandiosa que ela tem. Nitidamente, está grávida, contudo, ainda assim, consegue emitir uma aura tão violenta.
Por que tenho essa sensação estranha rodeando o meu coração enquanto os nossos olhos demoram a se encontrar? No instante em que ela me observa diretamente, abre um sorriso grande, erguendo os braços, fazendo as correntes tilintarem mais alto.
— Você… — Antes que Lugi continue a falar, ela grita, caindo de joelhos no chão, pondo uma mão sobre a barriga, encolhendo-se em meio à sua dor, e estranho minhas próprias reações quando me movo para me aproximar dela.
Impeço-a de ir completamente ao chão, auxiliando-a a deitar-se sobre ele. Vê-la se contorcendo me deixa tão irritado quanto saber que Uvtrian queria usar os nossos lobos no seu processo de acelerar a nossa evolução.
Não posso continuar ouvindo os seus gritos.
Ceyas— O que merda é isso? — pergunto a Lugi, que depois de algum tempo chega mais perto, me auxiliando a segurá-la, já que seu corpo começa a se debater, indo contra a onda de dor que ela parece estar sentindo.— Você acha que eu sei? — replica Lugi, segurando-a com força, mas é possível notar que ele sente dificuldade. Que força descomunal é essa que essa mulher tem, mesmo com uma aparência tão fragilizada? Qualquer um diria que o seu estado é doentio, mas ainda assim, ela emana aquela aura assustadora e solta palavras ácidas, ameaçando-nos como se pudesse passar por cima de nós a qualquer momento.— Ela vai morder a própria língua — comenta Lewyn em voz baixa. No entanto, as palavras dele não são processadas pelo meu cérebro rápido o bastante. Ele se abaixa, ajoelhando-se perto dela, abrindo a boca dela com força e colocando o seu braço entre seus dentes.— O que está fazendo? Nem sabe quem é essa mulher — profere Lugi, recriminando-o. O breve segundo em que a soltou foi o suficien
Ceyas— Me lembre o motivo para que Lewyn esteja aqui — pede Lugi, parado na porta do quarto de hóspedes da minha casa, ao meu lado. O homem não tem saído do lado da mulher, eu até tentei fazer com que ele saísse, mas Kanoi me disse para deixar que faça o que quiser.— Kanoi disse que ele deve fazer o que quiser — lembro a meu amigo.— Esse maldito nunca mostrou interesse por nada, como agora fica assim? Velando o sono de uma estranha? — pergunta injuriado, o que entendo e não compreendo na mesma medida, dado que eles não possuem um relacionamento. Contudo, também me sinto incomodado pela presença constante dele.— Vocês sabem que ele pode ouvir tudo o que estão dizendo, certo? — A mulher, mais baixa que eu, fica na minha frente como se fosse muito maior. Onna gosta de criar encrenca, até mesmo comigo, que sou seu irmão. — Não acredito que me pediu para ficar cuidando de uma estranha.Ela faz questão de pontuar a palavra, expondo que foi Lugi a usá-la dessa maneira primeiro. Ninguém ac
CeyasKanoi não demorou a sair da minha casa depois de dar o seu remédio milagroso para a estranha. Depois disso, Lewyn continuou cuidando dela como tem feito, ou seja, eu não deveria ter preocupações, mas por que me sinto incomodado?Diferente de Lugi, não tenho qualquer motivo para me preocupar com ela, ainda que tenha sido aquele que decidiu que a traria para dentro do território da nossa matilha. Kanoi me deu mais de uma opção, apenas escolhi a que pareceu certa.Não, se eu for sincero, não tem isso de certo nas opções para o que faria com a grávida. A minha mente escolheu por salvá-la sem que houvesse nada que pudesse garantir que não é um perigo para os nossos lobos, da forma como Lugi me avisou.Talvez eu tenha sorte de o meu amigo não ter sido ainda mais invasivo com as suas palavras, porque poderia ter explanado o quanto a minha loucura me demoveu na direção dessa escolha.Um ataque de loucura é a única explicação para o que fiz naquele momento, também pode explicar o que est
CeyasTento me erguer o mais rápido que consigo após ter sido pego tão diretamente pelo seu ataque. Ele falou sério quando mencionou que quebraria os meus ossos. Sinto a dor correr através dos meus músculos enquanto eles se ajustam até que a cura ponha os ossos no lugar.— Eu não sei qual é a sua intenção aqui, mas não conseguirá o que quer — atesto, ouvindo o som dos meus ossos se reunindo onde pertencem. Apoio a palma da mão na boca, limpando o sangue que subiu pela garganta e escapou. — Coloque a mulher no chão.— Não — diz o bruxo, lançando mais uma onda de ar na minha direção, e meu corpo é pressionado novamente contra a madeira da casa.Mais do que o som dos meus ossos se partindo, escuto o trincar da madeira, que se torna mais alto, quase tomando toda a minha atenção. Se eu não pudesse ver a mulher sendo mantida pelo homem, quem sabe faria menos esforço contra a sua magia. Contudo, me pego sendo impelido a me esforçar grandemente.Espero que ele mantenha o foco em mim. Lugi deve
Ceyas— Pode me explicar como um feiticeiro conseguiu passar despercebido? — pergunta meu amigo, Lugi, para Kanoi. A estranha foi trazida até nós ao amanhecer, e eu me certifiquei de posicionar os lobos de forma estratégica, em pontos onde poderiam nos apoiar caso um novo ataque acontecesse.— Seus sentidos podem ser enganados, dependerá da habilidade que o bruxo possui — responde Kanoi, mantendo-se sentada no sofá como se não houvesse nada que pudesse fazer, já que não pode arrancar informações de um morto.No entanto, como poderíamos tentar prendê-lo quando ele representava um risco óbvio à nossa segurança? Além disso, ele queria levar a mulher embora. Ela, que ainda não acordou, mesmo com Kanoi dizendo que o remédio dela resolveria o que a acomete a ponto de deixá-la inconsciente.— O que faremos agora, já que não sabemos o que ele queria? Bem, temos uma parte da resposta — articula Lugi, apontando para o andar de cima, onde a estranha repousa tranquilamente.Mais de uma vez, até am
CeyasEstou me xingando mentalmente, porém, continuo indo na direção do quarto da minha hóspede adormecida. A mulher com certeza recebe mais visitas do que eu, uma vez que traz tantas preocupações para pessoas diferentes.Ouvi Lewyn saindo do cômodo, provavelmente para encontrar algo para comer, dado que fica do lado dela, como se ela pudesse saber os exatos momentos em que ele não está. Sinceramente, não o entendo, mas também não me compreendo neste instante.Dessa vez, não hesito muito em abrir a porta, apenas giro a maçaneta e a abro ligeiro. Como pensei na outra noite, essa é minha casa, posso ir exatamente para onde eu quiser, na hora que desejar.Contudo, algo deve estar contra mim nos últimos dias.Antes que toda a porta fosse aberta, senti o meu corpo ser empurrado para trás pela palma da mão me pressionando com tanta força que tenho certeza de que minhas costelas trincaram.Meio cambaleante, ousei olhar para a pessoa à minha frente, e ela mostrou as suas presas com muito entus
CeyasPensei que, depois do ocorrido, Lewyn pudesse tentar escapar, mas ele apenas a colocou no quarto, ignorando todo o estrago feito por Lugi. Não vai ser fácil consertar essa parede sem fazer uma bagunça.O homem ao meu lado pede que eu não o critique, uma vez que fez tudo o que precisava para me ajudar. Mesmo que não pedisse, não é minha intenção. Odeio que tudo ao meu redor esteja transcorrendo de uma maneira tão absurda.É tudo influência dessa mulher?Com uma expressão fechada, fria e impassível de emoções, Lewyn se aproxima de nós. Ele é muito diferente do rosto que vi sorrir de forma tão límpida enquanto a observava.— Devemos conversar aqui? — pergunta ele. — Prefiro não me afastar tanto dela.— Caralho, que merda está acontecendo com você? — inquiro Lugi. Sua ignorância não muda a maneira como Lewyn o observa, porque, aparentemente, o tom de nossas palavras não altera como ele as compreende.Coloco uma mão sobre o peito dele, evitando que avance no sujeito inexpressivo à min
CeyasDemorou um pouco mais de tempo do que eu esperava para que Lugi voltasse a se aproximar de nós. Contudo, na sua posição, não poderia simplesmente ignorar o que aconteceu. É preciso que ele também saiba tudo o que Lewyn tem a dizer.— É melhor que dessa vez você fale tudo o que sabe — ordena Lugi, esquecendo-se de todos os momentos em que usava sua fala mansa com o homem, apenas esperando que as suas emoções fossem escutadas, quando, na verdade, talvez ele nem pudesse percebê-las.— Posso resumir — declara Lewyn. — Meu pai, assim como uma dezena de outros, queria aprender sobre o que faria os lobos evoluírem. Para isso, ele usou tudo o que tinha: sua magia, sua esposa, seus filhos, mulheres inocentes, mendigos, o que estivesse à disposição.— Seu pai não é um lupino? — pergunto, olhando de canto para Lugi. No entanto, neste momento, parece que ele consegue se controlar muito melhor do que antes, quem sabe por absorver o impacto inicial.— Não, ele era um bruxo. Minha mãe era uma l