02. Correntes de sangue

Ceyas

Depois de pedir para Lugi não agir precipitadamente, uma vez que há outros lobos demonstrando sinais de que sentem medo, o que foi o motivo para nos chamarem. Volto a seguir a mulher. Com passos vagarosos, ela indica a cabana mais adiante.

O lugar está em um péssimo estado, no entanto, o que me deixa assustado é a quantidade de sigilos bruxos que vejo marcados nas árvores. Nunca vi algo assim antes. Como se isso não fosse assombroso o bastante, a maioria dos lobos recua instintivamente para longe do local.

Eles têm medo e não podem evitar mostrá-lo.

— Ceyas, nós deveríamos voltar e chamar a Kanoi — profere Lugi. Olha para a direita onde Lewyn está, contudo, seguindo as suas ordens, ele logo começa a se mover, embora seja o único.

Pode ter a ver com a sua diligência ou talvez ele não se incomode tanto quanto os outros lobos. Contudo, experiencio um pouco do que os deixa incomodados.

O cheiro de sangue fica mais forte a cada segundo, além disso, tem uma aura forte escapando de algo.

— Por que haveria tantos sigilos aqui? — me pergunto.

Uvtrian abandonou tudo, deixando os membros da sua alcateia para trás assim que percebeu que iriamos caçá-lo. Mesmo se não houvesse a nossa aliança com os Silver, ainda os mataríamos, dado que ameaçaram os nossos lobos e protegidos.

— Não sei, mas para haver tantos, o que foi escondido aqui é no mínimo perigoso — professa Lugi, observando o caminho que Lewyn seguiu sem que ninguém fosse atrás dele para ter certeza de que poderia voltar em segurança.

— Vamos, não podemos deixar que ele veja o que há lá sozinho — articulo, experimentando uma pressão em meu peito que faz com que meus pés demorem a se mover.

A bruxa que criou esses sigilos era muito forte. Ela tinha uma intenção muito clara em sua magia, dado que assim que atravesso a camada poderosa de magia, me sinto bem mais livre. Viro-me erguendo o braço e consigo sentir como é impossível atravessar para sair da redoma que criou.

— Ótimo, estamos presos no covil de uma bruxa — reclama Lugi, me deixando para trás quando anda para mais perto da cabana, adentrando nela de modo muito imprudente para alguém que acabou de reclamar sobre termos entrado no covil de uma bruxa.

— Tragam a Kanoi, peçam que ela venha rapidamente — mando para os dois lobos que conseguiram se movimentar, apesar do medo que devem sentir. Precisamos de pessoas rápidas e que possam se movimentar. — Digam que uma bruxa criou um covil.

Ligeiro, dado que sabem os perigos que um lugar como esse pode acarretar, os dois se apressam para trazer a mulher aqui antes que algo irreversível possa acontecer. Seguindo o som da voz de Lugi, adentro na cabana.

Preciso levar uma mão ao nariz, dado o cheiro de sangue pungente que chega até mim, sigo-o já que ele vem da mesma direção que a voz de Lugi. No momento em que consigo ver as suas costas, assisto à sua pressa em agarrar o Lewyn, puxando-o para trás.

Não vi o que os atacaria, mas ouvi o tilintar pesado das correntes.

— Que caralho é isso? — Ouvi Lugi se questionar, tropeçando tão rápido quanto as palavras que disparou. Ajeitou sua posição, se preparando para atacar, e a silhueta vinda do escuro primeiro exibiu os seus olhos.

O tom de verde sendo embaralhado pelas notas laranjas me lembra a mudança entre verão e outono, quase como se os dois pudessem coexistir perfeitamente, causando uma sensação gostosa no coração.

Porém, nesse caso, é um aviso. Rapidamente, as notas alaranjadas, polidas e bonitas se transformam em um tom vermelho-sangue que me recorda o líquido rubro escapando fresco das veias de alguém prestes a morrer.

— Quem são vocês? — pergunta a voz feminina, que chega aos meus ouvidos como se sinos estivessem soando no Natal, lembrando-me da felicidade carregada pela época.

— Quem é você? — replica Lugi, e tenho certeza de que ele notou, assim como percebi que a aura dessa sujeita difere de qualquer um dos monstros que estivemos encontrando recentemente.

Foi ela que estava impondo parte do receio aos lobos do lado de fora.

— Se saírem do meu caminho, todos poderemos ser felizes — profere ela, embora não consigamos discernir mais do que os seus olhos e a sua voz dada a escuridão onde ela parou.

Nada ilumina o ambiente que a esconde.

Algo desse tipo só é possível com magia.

— Você está com Uvtrian? — pergunta Lugi a ela, consegue falar muito bem, embora a mulher esteja impondo uma pressão de submissão tão firme que me pego pensando em quantas vezes já vi algo assim.

— Uvtrian? — Ela sorri, uma gargalhada intensa, vinda direto da boca do estômago. É repleta de sentimentos negativos, porém, a sua raiva se sobressai com facilidade a todos eles. — Tudo que quero dele é a sua cabeça.

— Se não está com ele, pare de tentar fazer com que meus lobos se submetam — mando, sentindo que a intensidade dela muda completamente quando me observa. Ter os olhos vermelhos voltados na minha direção fazem com que algo dentro do meu peito se parta.

Contudo, o som das correntes é ainda mais chamativo do que isso.

— Por que eu deveria parar? — pontua, andando um pouco mais para fora da sombra. — Tudo o que recebi nos últimos tempos foi dor, eu deveria cobrar um pouco do que me devem.

Mais do que as suas palavras, a sua aparência faz com que eu precise controlar os meus pensamentos. Embora a sua voz soe firme, a mulher está só pele e osso. Tem tantas correntes em torno do seu corpo que me pergunto o quanto a temiam para fazer com que fosse mantida dessa maneira.

Os cabelos longos e avermelhados escorrem por suas costas em cascatas tão bagunçadas que somente complementam o pacote maculado que é no momento.

Mais do que a ponta de preocupação se expondo em minha mente, experimento uma confusão ao ver a barriga grandiosa que ela tem. Nitidamente, está grávida, contudo, ainda assim, consegue emitir uma aura tão violenta.

Por que tenho essa sensação estranha rodeando o meu coração enquanto os nossos olhos demoram a se encontrar? No instante em que ela me observa diretamente, abre um sorriso grande, erguendo os braços, fazendo as correntes tilintarem mais alto.

— Você… — Antes que Lugi continue a falar, ela grita, caindo de joelhos no chão, pondo uma mão sobre a barriga, encolhendo-se em meio a sua dor e estranho minhas próprias reações quando me movo para me aproximar dela.

Impeço-a de ir completamente ao chão, auxiliando-a a deitar-se sobre ele. Vê-la se contorcendo me deixa tão irritado quanto saber que Uvtrian queria usar os nossos lobos no seu processo de acelerar a nossa evolução.

Não posso continuar ouvindo os seus gritos.

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