Ceyas
— Me lembre o motivo para que Lewyn esteja aqui — pede Lugi, parado na porta do quarto de hóspedes da minha casa, ao meu lado. O homem não tem saído do lado da mulher, eu até tentei fazer com que ele saísse, mas Kanoi me disse para deixar que faça o que quiser.
— Kanoi disse que ele deve fazer o que quiser — lembro a meu amigo.
— Esse maldito nunca mostrou interesse por nada, como agora fica assim? Velando o sono de uma estranha? — pergunta injuriado, o que entendo e não compreendo na mesma medida, dado que eles não possuem um relacionamento. Contudo, também me sinto incomodado pela presença constante dele.
— Vocês sabem que ele pode ouvir tudo o que estão dizendo, certo? — A mulher, mais baixa que eu, fica na minha frente como se fosse muito maior. Onna gosta de criar encrenca, até mesmo comigo, que sou seu irmão. — Não acredito que me pediu para ficar cuidando de uma estranha.
Ela faz questão de pontuar a palavra, expondo que foi Lugi a usá-la dessa maneira primeiro. Ninguém acreditaria que minha irmã usa palavras tão bem quando gosta de utilizar primeiro os punhos.
— Você sabe, foi o alfa que pediu — professa ele, jogando a culpa para mim. No entanto, acredito que a mulher ficaria muito irada de saber que um bando de homens estranhos foram os responsáveis por cuidar de seu corpo.
Ela estava imunda, precisava ser limpa.
— Saiam do quarto, eu preciso dar banho nela antes de ir para a reunião da faculdade — esclarece, fazendo um sinal de mão para sairmos. Contudo, de novo, tenho aquela sensação estranha em meu peito, me dizendo que não deveria seguir o que me falou.
É minha casa, vou aonde eu quiser.
— Ei, vamos, antes que ela enfie suas garras em nós — comenta Lugi, segurando em meu braço, me fazendo segui-lo, uma vez que percebeu que Lewyn olhou para nós como se fosse nos expulsar caso não saíssemos com nossas próprias pernas.
Tenho mesmo que seguir o que Kanoi disse e o deixar com ela até nesse momento?
— Já faz três dias, ela não deveria ter acordado? — questiona Lugi, descendo as escadas ao meu lado, enchendo sua mente com outro assunto para não pensar que o homem ficou para trás, acompanhando a estranha que mantenho na minha residência.
Os comentários sobre eu ter trazido uma mulher após sair de uma missão onde deveria apenas assassinar começaram a se espalhar. Contudo, não quero me preocupar com os comentários no momento. Tem muito para resolver, o que inclui descobrir a identidade da sujeita.
— Kanoi disse que ela estava a ponto de morrer — articulo as palavras que ela disse com tanta calma e a sensação que experimentei quando as ouvi se repete. Meu peito volta a formigar de um modo estranho.
— Uma mulher a ponto de morrer fez tudo aquilo? — inquire Lugi. Me olha de soslaio, pedindo que eu pense cuidadosamente no que estou fazendo, mantendo-a embaixo do meu teto, dado que ela demonstrou ser um perigo.
Contudo, Kanoi disse que eu tinha duas opções, escolhi aquela na qual a salvo.
— Estamos investigando lobas que podem ter sido sequestradas recentemente, mas muitos lupinos acabaram sumindo nos últimos tempos — explico, e esse foi um problema muito grande para o mundo sobrenatural num todo.
Todas as pessoas se preocupavam com a possibilidade de não voltarem para casa depois de saírem. Após algumas concluírem que havia alguém nos capturando, a situação se tornou mais turbulenta, já que poderia ter a ver com caçadores. Contudo, os Silver falaram conosco, pedindo que ajudássemos a eliminar os híbridos violentos.
— Nós nem temos certeza de que ela é uma loba — raciocina Lugi, jogando-se no sofá, apanhando um cubo mágico e começando a resolvê-lo quase que automaticamente.
— Você sentiu aquela aura, aquele desejo de subjugar — comento, avaliando como o seu semblante se modifica, uma vez que deve ter sido difícil para ele, dado que era um alfa interferindo com a sua lealdade a mim. — Apenas um lupino conseguiria impô-la a nós daquela maneira.
— Ainda é estranho — pondera Lugi. — Por que de repente ela começou a sofrer daquele jeito? E o que foi aquilo que houve com o bebê? Ainda penso naquilo com receio.
— Não sabia que você era um covarde, Lugi — zomba a voz da mulher que nunca se lembra de que antes de entrar na casa de alguém é preciso bater na porta.
— Kanoi, é sempre incrível ver você — debocha o meu amigo. — Consegui o que queria?
— Achar begônia de sangue não é tão simples, mas tenho contato com alguns covens e recebi ajuda — profere ela. Contudo, assim como eu, Lugi estranha que a mulher tenha decidido pedir auxílio para conseguir algo para uma pessoa que não conhece.
Kanoi muito dificilmente pedirá a ajuda de alguém, mesmo que a situação seja horrorosa. Porém, foi lá e fez o que não está dentro de seu comum somente para ajudar aquela mulher.
— E o que fazemos agora? — pergunto, dado que sua movimentação foi simplesmente para que a estranha se recupere.
— Fiz um extrato e farei com que ela tome, deve ser o bastante para que ela acorde — explica a bruxa. — Claro, trouxe novas sementes de begônia de sangue. Espero que dessa vez elas sejam cultivadas com cuidado.
— Você pensa na alcateia — zomba Lugi. Tenho certeza de que bateria palmas debochadas se a situação fosse um pouco melhor. Contudo, todo o clima na casa está estranho devido à presença de uma única pessoa.
— Pago os favores que me fazem — garante Kanoi. — Agora verei a minha paciente — avisa, rumando para o primeiro andar sem ligar para o consentimento que posso dar.
É incrível como as pessoas ao meu redor tendem a agir exatamente como querem.
— É bom que ela tenha trazido novas sementes de begônia de sangue, depois que as nossas foram destruídas pelo seu pai, nós… — Lugi para de falar antes que eu peça para fazer. Esse não é um assunto que goste de comentar. Não quero colocar mais problemas na nossa lista imensa. — Deveríamos verificar o que ela vai fazer?
— Sim, é uma boa ideia — pontuo, erguendo-me para voltar até o quarto que mantém o único som de batimento cardíaco que continua atraindo a minha atenção sem parar.
CeyasKanoi não demorou a sair da minha casa depois de dar o seu remédio milagroso para a estranha. Depois disso, Lewyn continuou cuidando dela como tem feito, ou seja, eu não deveria ter preocupações, mas por que me sinto incomodado?Diferente de Lugi, não tenho qualquer motivo para me preocupar com ela, ainda que tenha sido aquele que decidiu que a traria para dentro do território da nossa matilha. Kanoi me deu mais de uma opção, apenas escolhi a que pareceu certa.Não, se eu for sincero, não tem isso de certo nas opções para o que faria com a grávida. A minha mente escolheu por salvá-la sem que houvesse nada que pudesse garantir que não é um perigo para os nossos lobos, da forma como Lugi me avisou.Talvez eu tenha sorte de o meu amigo não ter sido ainda mais invasivo com as suas palavras, porque poderia ter explanado o quanto a minha loucura me demoveu na direção dessa escolha.Um ataque de loucura é a única explicação para o que fiz naquele momento, também pode explicar o que est
CeyasTento me erguer o mais rápido que consigo após ter sido pego tão diretamente pelo seu ataque. Ele falou sério quando mencionou que quebraria os meus ossos. Sinto a dor correr através dos meus músculos enquanto eles se ajustam até que a cura ponha os ossos no lugar.— Eu não sei qual é a sua intenção aqui, mas não conseguirá o que quer — atesto, ouvindo o som dos meus ossos se reunindo onde pertencem. Apoio a palma da mão na boca, limpando o sangue que subiu pela garganta e escapou. — Coloque a mulher no chão.— Não — diz o bruxo, lançando mais uma onda de ar na minha direção, e meu corpo é pressionado novamente contra a madeira da casa.Mais do que o som dos meus ossos se partindo, escuto o trincar da madeira, que se torna mais alto, quase tomando toda a minha atenção. Se eu não pudesse ver a mulher sendo mantida pelo homem, quem sabe faria menos esforço contra a sua magia. Contudo, me pego sendo impelido a me esforçar grandemente.Espero que ele mantenha o foco em mim. Lugi deve
Ceyas— Pode me explicar como um feiticeiro conseguiu passar despercebido? — pergunta meu amigo, Lugi, para Kanoi. A estranha foi trazida até nós ao amanhecer, e eu me certifiquei de posicionar os lobos de forma estratégica, em pontos onde poderiam nos apoiar caso um novo ataque acontecesse.— Seus sentidos podem ser enganados, dependerá da habilidade que o bruxo possui — responde Kanoi, mantendo-se sentada no sofá como se não houvesse nada que pudesse fazer, já que não pode arrancar informações de um morto.No entanto, como poderíamos tentar prendê-lo quando ele representava um risco óbvio à nossa segurança? Além disso, ele queria levar a mulher embora. Ela, que ainda não acordou, mesmo com Kanoi dizendo que o remédio dela resolveria o que a acomete a ponto de deixá-la inconsciente.— O que faremos agora, já que não sabemos o que ele queria? Bem, temos uma parte da resposta — articula Lugi, apontando para o andar de cima, onde a estranha repousa tranquilamente.Mais de uma vez, até am
CeyasEstou me xingando mentalmente, porém, continuo indo na direção do quarto da minha hóspede adormecida. A mulher com certeza recebe mais visitas do que eu, uma vez que traz tantas preocupações para pessoas diferentes.Ouvi Lewyn saindo do cômodo, provavelmente para encontrar algo para comer, dado que fica do lado dela, como se ela pudesse saber os exatos momentos em que ele não está. Sinceramente, não o entendo, mas também não me compreendo neste instante.Dessa vez, não hesito muito em abrir a porta, apenas giro a maçaneta e a abro ligeiro. Como pensei na outra noite, essa é minha casa, posso ir exatamente para onde eu quiser, na hora que desejar.Contudo, algo deve estar contra mim nos últimos dias.Antes que toda a porta fosse aberta, senti o meu corpo ser empurrado para trás pela palma da mão me pressionando com tanta força que tenho certeza de que minhas costelas trincaram.Meio cambaleante, ousei olhar para a pessoa à minha frente, e ela mostrou as suas presas com muito entus
CeyasPensei que, depois do ocorrido, Lewyn pudesse tentar escapar, mas ele apenas a colocou no quarto, ignorando todo o estrago feito por Lugi. Não vai ser fácil consertar essa parede sem fazer uma bagunça.O homem ao meu lado pede que eu não o critique, uma vez que fez tudo o que precisava para me ajudar. Mesmo que não pedisse, não é minha intenção. Odeio que tudo ao meu redor esteja transcorrendo de uma maneira tão absurda.É tudo influência dessa mulher?Com uma expressão fechada, fria e impassível de emoções, Lewyn se aproxima de nós. Ele é muito diferente do rosto que vi sorrir de forma tão límpida enquanto a observava.— Devemos conversar aqui? — pergunta ele. — Prefiro não me afastar tanto dela.— Caralho, que merda está acontecendo com você? — inquiro Lugi. Sua ignorância não muda a maneira como Lewyn o observa, porque, aparentemente, o tom de nossas palavras não altera como ele as compreende.Coloco uma mão sobre o peito dele, evitando que avance no sujeito inexpressivo à min
CeyasDemorou um pouco mais de tempo do que eu esperava para que Lugi voltasse a se aproximar de nós. Contudo, na sua posição, não poderia simplesmente ignorar o que aconteceu. É preciso que ele também saiba tudo o que Lewyn tem a dizer.— É melhor que dessa vez você fale tudo o que sabe — ordena Lugi, esquecendo-se de todos os momentos em que usava sua fala mansa com o homem, apenas esperando que as suas emoções fossem escutadas, quando, na verdade, talvez ele nem pudesse percebê-las.— Posso resumir — declara Lewyn. — Meu pai, assim como uma dezena de outros, queria aprender sobre o que faria os lobos evoluírem. Para isso, ele usou tudo o que tinha: sua magia, sua esposa, seus filhos, mulheres inocentes, mendigos, o que estivesse à disposição.— Seu pai não é um lupino? — pergunto, olhando de canto para Lugi. No entanto, neste momento, parece que ele consegue se controlar muito melhor do que antes, quem sabe por absorver o impacto inicial.— Não, ele era um bruxo. Minha mãe era uma l
CeyasApós as revelações de Lewyn, não temos tantas informações quanto imaginávamos, uma vez que ele não tem ideia de como a sua irmã sobreviveu todos esses anos, e muito menos podia senti-la.— Sentiu ela morrer? — investigo. — Pode ter se enganado. Era uma criança.— Se tivesse um luparck, saberia que não tem como se enganar — me responde ligeiro. — Da mesma forma que sei que o sangue dela está correndo muito lentamente nas veias, apesar do nível de cura que possui, eu saberia que o seu coração parou. O que senti naquele momento… nada do que vivi depois me fez esquecer — atesta.— Sabemos quem ela é agora — replica Lugi, como se não houvesse nada mais pelo que devêssemos nos alegrar nesta ocasião, uma vez que a vida dela antes de Lewyn e depois do momento em que a viu morrer ainda são obscuros.— Ela não é um lobo puro? — inquiro para Lewyn.— Não, embora seja difícil saber que traços ele pôde acrescentar à existência dela com as suas maluquices — declara, me dando uma resposta objet
CeyasEu que falei sobre não querer ninguém fazendo nada de cabeça cheia, então, por que estou aqui observando essa mulher dormir de novo? Lewyn foi arrastado para algum lugar da casa por Lugi.Poucas vezes vi meu amigo tão irritado como hoje. Lewyn pode ter sorte e azar na mesma medida por ser aquele que faz com que ele fique nesse estado. É difícil dizer quão bom pode ser para os dois.Mas os meus receios para aqueles dois não explicam o porquê de eu ter parado aqui.Ela tentou me matar, com certeza continuaria tentando se não fosse o que ocorreu em seguida. Vi em seus olhos como ansiava pela minha vida. Porém, estou aqui. Que tipo de loucura é essa?Deveria apenas me afastar o máximo que puder, porque se acontecer algo incontrolável, tenho que priorizar o que fará com que mais vidas sejam salvas. Não posso cometer um erro.Contudo, talvez eu tenha cometido um no instante em que a trouxe para minha casa. Podia tê-la colocado sob a responsabilidade de alguém, entretanto, abracei o pro