Ceyas
Tento me erguer o mais rápido que consigo após ter sido pego tão diretamente pelo seu ataque. Ele falou sério quando mencionou que quebraria os meus ossos. Sinto a dor correr através dos meus músculos enquanto eles se ajustam até que a cura ponha os ossos no lugar.
— Eu não sei qual é a sua intenção aqui, mas não conseguirá o que quer — atesto, ouvindo o som dos meus ossos se reunindo onde pertencem. Apoio a palma da mão na boca, limpando o sangue que subiu pela garganta e escapou. — Coloque a mulher no chão.
— Não — diz o bruxo, lançando mais uma onda de ar na minha direção, e meu corpo é pressionado novamente contra a madeira da casa.
Mais do que o som dos meus ossos se partindo, escuto o trincar da madeira, que se torna mais alto, quase tomando toda a minha atenção. Se eu não pudesse ver a mulher sendo mantida pelo homem, quem sabe faria menos esforço contra a sua magia. Contudo, me pego sendo impelido a me esforçar grandemente.
Espero que ele mantenha o foco em mim. Lugi deve ter percebido o que está acontecendo. Através dos sons, provavelmente percebeu que estou sendo pressionado e que a única maneira de pegar esse sujeito é surpreendê-lo.
Lidar com magia não é nada simples. Por isso, mantemos uma aliança com alguns bruxos que moram em nosso território. Não é o mesmo que ter um coven como aliado, mas tem servido para nós nos últimos anos.
Entretanto, não há como fazer com que eles cheguem até nós rapidamente agora.
— Ei! — O grito de Lewyn vindo do andar de baixo faz com que o homem verifique aquele que se atreveu a ficar no seu caminho depois de conseguir me pressionar tanto.
O sujeito muda o foco para aquele que berrou pela sua atenção. Ele lança um ataque igual àquele que usa para me prender na parede, mas arregala os olhos, expondo a sua presença quando não se move.
— Coloque-a no chão agora mesmo — manda Lewyn. Houve muitos momentos em que me perguntei o motivo de meu pai ter mantido alguém como ele na alcateia, ainda que não soubesse nada sobre o seu passado.
Apesar da desconfiança de todos, Lewyn nunca contou nada sobre o que fez ou quem é, apenas viveu entre nós calmamente, seguindo suas ordens e provando que seria um lobo de valor para a alcateia. Contudo, a sua reação atual é completamente diferente.
Não há muitas alcateias que mantenham vários alfas no seu território. No entanto, nos fazemos dessa maneira, porque sabemos que muitos não querem assumir a responsabilidade de criar uma alcateia, e um lobo sozinho pode ser pego desprevenido.
Entretanto, o receio de que eles se voltem contra o alfa regente nunca some do coração daqueles que pertencem a uma alcateia composta por vários alfas. Nesse momento, meio que vejo o receio dessas pessoas tomando a forma de um único homem.
Como a magia está apenas passando por ele sem causar estrago?
Olho para ele, acreditando que a lealdade que deu a mim não mudará simplesmente porque decidiu agir de um modo diferente desde que essa mulher surgiu em nossas vidas. Consigo senti-lo em minha mente, dizendo-me para ficar atento ao momento em que precisarei reagir.
— Você é como… — O bruxo não consegue continuar falando, já que atravessando entre os cômodos desenfreadamente em sua forma de lobo, Lugi o ataca.
A surpresa foi tanta que ele jogou o corpo da mulher enquanto proferia as palavras para o seu feitiço. Minha mente mais uma vez martelou entre duas opções: atacar o bruxo ou pegá-la antes que caísse.
Para ela, a queda não seria um problema, mas tem o bebê. É difícil dizer o que aconteceria com ele se sua mãe sofresse um impacto muito grande na região da barriga.
— Mate-o — foi o que ouvi Lewyn gritar, e entendi que ele se responsabilizaria por impedir que ela se machucasse.
O cheiro de sangue alcançou minhas narinas antes que eu colocasse minhas mãos no bruxo. Lugi não conseguiu atacá-lo fatalmente, mas arrancou um de seus braços, e meu amigo grunhe no chão, sendo acometido pela dor do feitiço com o qual foi atacado.
Aproveitando-me do período em que ele se focou somente em Lugi, enfiei minhas garras em suas costas, bem em sua coluna, sentindo os ossos se despedaçando entre meus dedos. Mais de uma vez repeti o ataque, garantindo que ele não conseguisse se mover.
Caindo no chão, o bruxo tenta proferir seu próximo feitiço, mas é atacado pela boca grande de Lugi. O lobo imenso abocanha a garganta do homem, mordendo até arrancar a cabeça do corpo.
A vibração correndo pelo meu corpo é um aviso de que meu processo de cura ainda está acontecendo, porque os poucos segundos que tive para sair de onde estava até alcançar o bruxo não seriam o bastante para me recuperar totalmente.
— O que merda aconteceu aqui? — pergunta Lugi, limpando a boca rudemente e cuspindo o sangue que se acumulou nela várias vezes. — De onde é esse cara? — inquiri, chutando a cabeça do morto.
— Eu não sei — digo, me apoiando no corrimão, olhando para baixo, onde Lewyn mantém a mulher segura em seus braços.
Mesmo sendo a causadora de toda essa confusão, ela nem abriu os olhos para ver os danos que causamos em nome da sua segurança. Lewyn olha para cima, observando-me, e não consigo distinguir o que vejo em seus olhos.
No entanto, também não compreendo como ele não foi afetado pela magia do bruxo. Vai me responder se eu perguntar? Não tenho certeza. Parece que não possuo a resposta para nada ultimamente.
— Traga ela para cima — mando, ouvindo que os lobos que conseguiram me escutar já chegaram.
Pedirei que eles verifiquem os arredores, que procurem qualquer um que pareça estranho, uma vez que, pelo visto, essa mulher nem precisa estar acordada para causar estrago.
Talvez eu deva pedir que Kanoi coloque uma magia de proteção na nossa residência, pelo menos até que eu consiga conversar com essa sujeita para lhe perguntar o porquê de desejarem tanto tê-la.
Ceyas— Pode me explicar como um feiticeiro conseguiu passar despercebido? — pergunta meu amigo, Lugi, para Kanoi. A estranha foi trazida até nós ao amanhecer, e eu me certifiquei de posicionar os lobos de forma estratégica, em pontos onde poderiam nos apoiar caso um novo ataque acontecesse.— Seus sentidos podem ser enganados, dependerá da habilidade que o bruxo possui — responde Kanoi, mantendo-se sentada no sofá como se não houvesse nada que pudesse fazer, já que não pode arrancar informações de um morto.No entanto, como poderíamos tentar prendê-lo quando ele representava um risco óbvio à nossa segurança? Além disso, ele queria levar a mulher embora. Ela, que ainda não acordou, mesmo com Kanoi dizendo que o remédio dela resolveria o que a acomete a ponto de deixá-la inconsciente.— O que faremos agora, já que não sabemos o que ele queria? Bem, temos uma parte da resposta — articula Lugi, apontando para o andar de cima, onde a estranha repousa tranquilamente.Mais de uma vez, até am
CeyasEstou me xingando mentalmente, porém, continuo indo na direção do quarto da minha hóspede adormecida. A mulher com certeza recebe mais visitas do que eu, uma vez que traz tantas preocupações para pessoas diferentes.Ouvi Lewyn saindo do cômodo, provavelmente para encontrar algo para comer, dado que fica do lado dela, como se ela pudesse saber os exatos momentos em que ele não está. Sinceramente, não o entendo, mas também não me compreendo neste instante.Dessa vez, não hesito muito em abrir a porta, apenas giro a maçaneta e a abro ligeiro. Como pensei na outra noite, essa é minha casa, posso ir exatamente para onde eu quiser, na hora que desejar.Contudo, algo deve estar contra mim nos últimos dias.Antes que toda a porta fosse aberta, senti o meu corpo ser empurrado para trás pela palma da mão me pressionando com tanta força que tenho certeza de que minhas costelas trincaram.Meio cambaleante, ousei olhar para a pessoa à minha frente, e ela mostrou as suas presas com muito entus
CeyasPensei que, depois do ocorrido, Lewyn pudesse tentar escapar, mas ele apenas a colocou no quarto, ignorando todo o estrago feito por Lugi. Não vai ser fácil consertar essa parede sem fazer uma bagunça.O homem ao meu lado pede que eu não o critique, uma vez que fez tudo o que precisava para me ajudar. Mesmo que não pedisse, não é minha intenção. Odeio que tudo ao meu redor esteja transcorrendo de uma maneira tão absurda.É tudo influência dessa mulher?Com uma expressão fechada, fria e impassível de emoções, Lewyn se aproxima de nós. Ele é muito diferente do rosto que vi sorrir de forma tão límpida enquanto a observava.— Devemos conversar aqui? — pergunta ele. — Prefiro não me afastar tanto dela.— Caralho, que merda está acontecendo com você? — inquiro Lugi. Sua ignorância não muda a maneira como Lewyn o observa, porque, aparentemente, o tom de nossas palavras não altera como ele as compreende.Coloco uma mão sobre o peito dele, evitando que avance no sujeito inexpressivo à min
CeyasDemorou um pouco mais de tempo do que eu esperava para que Lugi voltasse a se aproximar de nós. Contudo, na sua posição, não poderia simplesmente ignorar o que aconteceu. É preciso que ele também saiba tudo o que Lewyn tem a dizer.— É melhor que dessa vez você fale tudo o que sabe — ordena Lugi, esquecendo-se de todos os momentos em que usava sua fala mansa com o homem, apenas esperando que as suas emoções fossem escutadas, quando, na verdade, talvez ele nem pudesse percebê-las.— Posso resumir — declara Lewyn. — Meu pai, assim como uma dezena de outros, queria aprender sobre o que faria os lobos evoluírem. Para isso, ele usou tudo o que tinha: sua magia, sua esposa, seus filhos, mulheres inocentes, mendigos, o que estivesse à disposição.— Seu pai não é um lupino? — pergunto, olhando de canto para Lugi. No entanto, neste momento, parece que ele consegue se controlar muito melhor do que antes, quem sabe por absorver o impacto inicial.— Não, ele era um bruxo. Minha mãe era uma l
CeyasApós as revelações de Lewyn, não temos tantas informações quanto imaginávamos, uma vez que ele não tem ideia de como a sua irmã sobreviveu todos esses anos, e muito menos podia senti-la.— Sentiu ela morrer? — investigo. — Pode ter se enganado. Era uma criança.— Se tivesse um luparck, saberia que não tem como se enganar — me responde ligeiro. — Da mesma forma que sei que o sangue dela está correndo muito lentamente nas veias, apesar do nível de cura que possui, eu saberia que o seu coração parou. O que senti naquele momento… nada do que vivi depois me fez esquecer — atesta.— Sabemos quem ela é agora — replica Lugi, como se não houvesse nada mais pelo que devêssemos nos alegrar nesta ocasião, uma vez que a vida dela antes de Lewyn e depois do momento em que a viu morrer ainda são obscuros.— Ela não é um lobo puro? — inquiro para Lewyn.— Não, embora seja difícil saber que traços ele pôde acrescentar à existência dela com as suas maluquices — declara, me dando uma resposta objet
CeyasEu que falei sobre não querer ninguém fazendo nada de cabeça cheia, então, por que estou aqui observando essa mulher dormir de novo? Lewyn foi arrastado para algum lugar da casa por Lugi.Poucas vezes vi meu amigo tão irritado como hoje. Lewyn pode ter sorte e azar na mesma medida por ser aquele que faz com que ele fique nesse estado. É difícil dizer quão bom pode ser para os dois.Mas os meus receios para aqueles dois não explicam o porquê de eu ter parado aqui.Ela tentou me matar, com certeza continuaria tentando se não fosse o que ocorreu em seguida. Vi em seus olhos como ansiava pela minha vida. Porém, estou aqui. Que tipo de loucura é essa?Deveria apenas me afastar o máximo que puder, porque se acontecer algo incontrolável, tenho que priorizar o que fará com que mais vidas sejam salvas. Não posso cometer um erro.Contudo, talvez eu tenha cometido um no instante em que a trouxe para minha casa. Podia tê-la colocado sob a responsabilidade de alguém, entretanto, abracei o pro
Ceyas— Você está com essa expressão horrível há três dias — comenta Lugi, ignorando o olhar que lhe lanço. Coloca a comida na minha frente em seguida. — Se você não se mantiver forte, toda a alcateia pode morrer — diz as palavras com um tom zombatório, mas é a mais pura verdade.— Está falando de si? O que são esses olhos de peixe morto? Quanto tempo você não entra na água, peixinho? — Ele ergue um talher, aponta para mim, contudo, esquece que queria me acusar no segundo em que vê a pessoa se aproximando da cozinha.Agora faz cerca de trinta e duas horas desde que Neamir acordou, mas é um pouco menos se considerarmos a sua última tentativa de matar alguém. No segundo em que viu Lugi, tentou atacá-lo, teria conseguido se Lewyn não se colocasse no caminho.— Está pronta para aceitar a minha comida? — pergunta ele, baixando o que tinha em mãos, para não acabar disparando algum dos alarmes na cabeça dela que farão com que se torne seu alvo de novo.— O bebê está com fome — profere, e gost
Ceyas— Quer dizer que não sabia que ele tinha perdido a sua luparck? — inquiri Lugi para Kanoi.Hoje, mais do que em outros dias, parece que eles estão prestes a brigar, em parte porque meu amigo ainda não teve uma grande melhora em seu humor desde que percebeu o quanto não sabia sobre Lewyn.— Como eu poderia saber? Já disse que não sei tudo — articula a mulher, não usando uma entonação muito melhor, o que sempre os coloca em um ponto em que uma briga pode acontecer a qualquer momento, e eles sequer se importam com as consequências.Eu, como o alfa regente, é que tenho que lidar com os dois.— Não acha que deveríamos perguntar o mais importante a ela? — questiono aos dois, me metendo no meio de sua pequena discussão antes que ela se torne maior e saia de controle. Se possível, quero evitar que se matem.— Tem razão — comenta Lugi, sentando-se na cadeira de um modo completamente diferente, deixando as costas rente antes de empurrá-la lateralmente com um pé, trazendo-a para mais perto