05. O invasor

Ceyas

Kanoi não demorou a sair da minha casa depois de dar o seu remédio milagroso para a estranha. Depois disso, Lewyn continuou cuidando dela como tem feito, ou seja, eu não deveria ter preocupações, mas por que me sinto incomodado?

Diferente de Lugi, não tenho qualquer motivo para me preocupar com ela, ainda que tenha sido aquele que decidiu que a traria para dentro do território da nossa matilha. Kanoi me deu mais de uma opção, apenas escolhi a que pareceu certa.

Não, se eu for sincero, não tem isso de certo nas opções para o que faria com a grávida. A minha mente escolheu por salvá-la sem que houvesse nada que pudesse garantir que não é um perigo para os nossos lobos, da forma como Lugi me avisou.

Talvez eu tenha sorte de o meu amigo não ter sido ainda mais invasivo com as suas palavras, porque poderia ter explanado o quanto a minha loucura me demoveu na direção dessa escolha.

Um ataque de loucura é a única explicação para o que fiz naquele momento, também pode explicar o que estou fazendo nesse momento. “Só estou cumprindo o meu papel como alfa depois de a trazer para baixo da minha asa”, penso, uma vez que colocar qualquer explicação mais em meus pensamentos pode fazer com que eu enlouqueça de verdade.

Paro um pouco antes de abrir a porta do cômodo.

Fico em uma luta interna sobre abrir a porta ou não, porém, considerando que essa é minha casa, tenho o direito de ir aonde quiser. Além disso, só escuto dois batimentos tranquilos do lado de dentro.

Se Lewyn estivesse no cômodo, haveria mais um, soando tão calmo que ninguém diria que pôde me olhar daquela maneira no instante em que percebeu que Kanoi me deu a escolha de matá-la.

Creio que nunca entenderei Lewyn, mas naquele dia, diante dessa mulher, as atitudes dele foram mais descaradas e impossíveis de compreender do que o normal. Ignorando as questões que não posso responder em minha mente, abro a porta do quarto.

Adentro nele rapidamente, dado que não consigo ver o corpo fragilizado no mesmo lugar de antes, contudo, eu pude ouvir o seu coração, tenho certeza de que ela estava aqui.

Vasculho o ambiente ligeiro com os olhos, me atentando a tudo aquilo que ele pode esconder. No entanto, o som que me encontrou quando a porta estava fechada sumiu completamente.

O que diabos está acontecendo aqui?

Viro-me analisando o caminho que fiz até chegar aqui.

Não havia nada de errado. A casa permaneceu silenciosa depois que Lugi se retirou para dormir e minha irmã saiu. Ela sempre faz o que precisa e vai embora em seguida. Esse lugar inteiro costuma ser silencioso, contudo, as duas novas vidas enchendo-o se foram.

Mas como?

Enquanto os meus pensamentos se tornam confusos, emaranhando-se de uma maneira que não consigo desenrolar, experimento um frio intenso envolvendo a minha coluna e ele a pressiona com tanta força que preciso girar o meu corpo, tentando compreender o que pode me afligir com tanta intensidade.

Não há nada na minha frente, vejo apenas a parede, porém, continuo sentindo a presença gélida, escorrendo pelos meus ossos, me perseguindo, rastejando por cada parte de mim para me devorar.

O que sinto é tão esquito, tão estranhamente aterrador que não me recordo de ter experimentado nada assim na minha vida. O que diabos está acontecendo dentro desse quarto agora?

Ouço o som de passos vindo do lado de fora.

Ele passou a correr pela casa no instante em que deixei a minha aura se alastrar pelo cômodo, enchendo-o porque pode ser a única maneira de fazer com que essa sensação estranha se afaste de mim.

Concentre-se Ceyas.

Pense no que pode ser o responsável por atiçar os seus sentidos dessa maneira e mesmo assim não fazer com que recue? Ainda que o receio corra pelos meus ossos, meu corpo não age para me tirar de onde estou.

Isso é muito diferente de enfrentar uma sensação de perigo.

Cubro os olhos quando uma rajada de vento vindo da parede onde a cama está colocada preenche o cômodo. É tão forte que meu corpo é empurrado para trás, centímetro a centímetro, me afastando sob o desejo de alguém.

“O que está acontecendo aqui só pode ser magia” concluo rapidamente. Não haveria uma forma diferente de realizar tal coisa. Já conheci criaturas o bastante para saber.

Todavia, que bruxo se atreveria a invadir não só o meu território, mas também a minha residência? Foi querendo aquela estranha? Se sim, onde ela está no momento? Preciso encontrá-la.

O responsável pode ter sido um enviado de Uvtrian.

Depois de fazer tudo aquilo para mantê-la presa, é claro que não a deixaria para trás sem tentar conseguir o que considera seu de volta. Se esse for o caso, acabou de cometer um grande engano, porque mais uma vez terá mexido com alguém que não se importará em caçá-lo até o fim do mundo.

Imponho mais força em minhas pernas, tentando fazer com que meu corpo pare de ser arrastado e fico fora do cômodo muito mais rápido do que quando adentrei nele com ideias distorcidas em mente.

Rugo, esperando que mais do que aqueles próximos possam me escutar.

Se houver interferência mágica do lado de fora, posso não ser capaz de chamar reforços.

— Você é mesmo resistente — ouço a voz do sujeito soando no cômodo e, descobrindo parte dos meus olhos, o vejo atravessando a parede e ele segura a estranha em seus braços.

Ela continua apagada, no entanto, não posso ouvir o seu coração e o pensamento de que ele foi o responsável por fazer com que ele pare de bater faz com que tente dar passos para chegar a ele com mais vontade.

— Não se esforce, vou acabar quebrando todos os seus ossos se não parar — profere ele, mas quem apenas aceitaria o conselho de alguém que adentrou na sua casa e tomou algo que lhe pertence?

Cometeu um engano vindo até aqui, terá que pagar por ele.

— Que fofo, ele sabe como grunhir mais alto — zomba, movendo a sua mão, fazendo com que o ar que me pressionava fique ainda mais forte e com uma rajada sou lançado para trás.

O que caralhos está acontecendo aqui e quem é esse desgraçado?

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