Ceyas
Kanoi não demorou a sair da minha casa depois de dar o seu remédio milagroso para a estranha. Depois disso, Lewyn continuou cuidando dela como tem feito, ou seja, eu não deveria ter preocupações, mas por que me sinto incomodado?
Diferente de Lugi, não tenho qualquer motivo para me preocupar com ela, ainda que tenha sido aquele que decidiu que a traria para dentro do território da nossa matilha. Kanoi me deu mais de uma opção, apenas escolhi a que pareceu certa.
Não, se eu for sincero, não tem isso de certo nas opções para o que faria com a grávida. A minha mente escolheu por salvá-la sem que houvesse nada que pudesse garantir que não é um perigo para os nossos lobos, da forma como Lugi me avisou.
Talvez eu tenha sorte de o meu amigo não ter sido ainda mais invasivo com as suas palavras, porque poderia ter explanado o quanto a minha loucura me demoveu na direção dessa escolha.
Um ataque de loucura é a única explicação para o que fiz naquele momento, também pode explicar o que estou fazendo nesse momento. “Só estou cumprindo o meu papel como alfa depois de a trazer para baixo da minha asa”, penso, uma vez que colocar qualquer explicação mais em meus pensamentos pode fazer com que eu enlouqueça de verdade.
Paro um pouco antes de abrir a porta do cômodo.
Fico em uma luta interna sobre abrir a porta ou não, porém, considerando que essa é minha casa, tenho o direito de ir aonde quiser. Além disso, só escuto dois batimentos tranquilos do lado de dentro.
Se Lewyn estivesse no cômodo, haveria mais um, soando tão calmo que ninguém diria que pôde me olhar daquela maneira no instante em que percebeu que Kanoi me deu a escolha de matá-la.
Creio que nunca entenderei Lewyn, mas naquele dia, diante dessa mulher, as atitudes dele foram mais descaradas e impossíveis de compreender do que o normal. Ignorando as questões que não posso responder em minha mente, abro a porta do quarto.
Adentro nele rapidamente, dado que não consigo ver o corpo fragilizado no mesmo lugar de antes, contudo, eu pude ouvir o seu coração, tenho certeza de que ela estava aqui.
Vasculho o ambiente ligeiro com os olhos, me atentando a tudo aquilo que ele pode esconder. No entanto, o som que me encontrou quando a porta estava fechada sumiu completamente.
O que diabos está acontecendo aqui?
Viro-me analisando o caminho que fiz até chegar aqui.
Não havia nada de errado. A casa permaneceu silenciosa depois que Lugi se retirou para dormir e minha irmã saiu. Ela sempre faz o que precisa e vai embora em seguida. Esse lugar inteiro costuma ser silencioso, contudo, as duas novas vidas enchendo-o se foram.
Mas como?
Enquanto os meus pensamentos se tornam confusos, emaranhando-se de uma maneira que não consigo desenrolar, experimento um frio intenso envolvendo a minha coluna e ele a pressiona com tanta força que preciso girar o meu corpo, tentando compreender o que pode me afligir com tanta intensidade.
Não há nada na minha frente, vejo apenas a parede, porém, continuo sentindo a presença gélida, escorrendo pelos meus ossos, me perseguindo, rastejando por cada parte de mim para me devorar.
O que sinto é tão esquito, tão estranhamente aterrador que não me recordo de ter experimentado nada assim na minha vida. O que diabos está acontecendo dentro desse quarto agora?
Ouço o som de passos vindo do lado de fora.
Ele passou a correr pela casa no instante em que deixei a minha aura se alastrar pelo cômodo, enchendo-o porque pode ser a única maneira de fazer com que essa sensação estranha se afaste de mim.
Concentre-se Ceyas.
Pense no que pode ser o responsável por atiçar os seus sentidos dessa maneira e mesmo assim não fazer com que recue? Ainda que o receio corra pelos meus ossos, meu corpo não age para me tirar de onde estou.
Isso é muito diferente de enfrentar uma sensação de perigo.
Cubro os olhos quando uma rajada de vento vindo da parede onde a cama está colocada preenche o cômodo. É tão forte que meu corpo é empurrado para trás, centímetro a centímetro, me afastando sob o desejo de alguém.
“O que está acontecendo aqui só pode ser magia” concluo rapidamente. Não haveria uma forma diferente de realizar tal coisa. Já conheci criaturas o bastante para saber.
Todavia, que bruxo se atreveria a invadir não só o meu território, mas também a minha residência? Foi querendo aquela estranha? Se sim, onde ela está no momento? Preciso encontrá-la.
O responsável pode ter sido um enviado de Uvtrian.
Depois de fazer tudo aquilo para mantê-la presa, é claro que não a deixaria para trás sem tentar conseguir o que considera seu de volta. Se esse for o caso, acabou de cometer um grande engano, porque mais uma vez terá mexido com alguém que não se importará em caçá-lo até o fim do mundo.
Imponho mais força em minhas pernas, tentando fazer com que meu corpo pare de ser arrastado e fico fora do cômodo muito mais rápido do que quando adentrei nele com ideias distorcidas em mente.
Rugo, esperando que mais do que aqueles próximos possam me escutar.
Se houver interferência mágica do lado de fora, posso não ser capaz de chamar reforços.
— Você é mesmo resistente — ouço a voz do sujeito soando no cômodo e, descobrindo parte dos meus olhos, o vejo atravessando a parede e ele segura a estranha em seus braços.
Ela continua apagada, no entanto, não posso ouvir o seu coração e o pensamento de que ele foi o responsável por fazer com que ele pare de bater faz com que tente dar passos para chegar a ele com mais vontade.
— Não se esforce, vou acabar quebrando todos os seus ossos se não parar — profere ele, mas quem apenas aceitaria o conselho de alguém que adentrou na sua casa e tomou algo que lhe pertence?
Cometeu um engano vindo até aqui, terá que pagar por ele.
— Que fofo, ele sabe como grunhir mais alto — zomba, movendo a sua mão, fazendo com que o ar que me pressionava fique ainda mais forte e com uma rajada sou lançado para trás.
O que caralhos está acontecendo aqui e quem é esse desgraçado?
CeyasTento me erguer o mais rápido que consigo após ter sido pego tão diretamente pelo seu ataque. Ele falou sério quando mencionou que quebraria os meus ossos. Experimento a dor correndo através dos meus músculos enquanto eles se ajustam até que a cura ponha os ossos no lugar.— Eu não sei qual é a sua intenção aqui, mas não conseguirá o que quer — atesto, ouvindo o barulho dos pedaços dos ossos se reunindo onde pertencem. Apoio a palma da mão na boca, limpando o sangue que subiu por minha garganta, escapando por ela. — Coloque a mulher no chão.— Não — diz o bruxo, lançando mais uma onda de ar na minha direção e meu corpo é pressionado mais uma vez contra a madeira da casa.Mais do que o som dos meus ossos se partindo. Escuto o trincar da madeira, ele se torna mais alto, quase tomando toda a minha atenção. Se eu não pudesse ver a mulher sendo mantida pelo homem, quem sabe fizesse menos esforço contra a sua magia, contudo, me pego sendo impelido a me esforçar grandiosamente.Espero
Ceyas— Pode me dizer como um bruxo passou despercebido por nós? — pergunta Lugi para Kanoi. A mulher foi trazida até nós assim que amanheceu e eu tive certeza de posicionar os lobos estrategicamente em lugares onde poderiam nos apoiar em caso de um novo ataque ocorrer.— Seus sentidos podem ser enganados, dependerá da habilidade que o bruxo possui — articula a bruxa, mantendo-se sentada no sofá como se não houvesse nada que possa fazer, já que não pode arrancar informações de um morto.No entanto, como poderíamos tentar prendê-lo quando era um risco óbvio à nossa integridade? Além disso, ele queria tirar a mulher daqui. Esta que não acordou, mesmo Kanoi dizendo que o seu remédio resolveria o que a acomete a ponto de deixá-la apagada.— O que nos faremos agora que não temos ideia do que ele queria? Bom, temos uma parte da resposta — articula Lugi, apontando para o andar de cima, onde a mulher dorme calmamente.Mais de uma vez, até que amanhecesse, verifiquei se continuava ouvindo seu
CeyasEstou me xingando mentalmente, porém, continuo indo na direção do quarto da minha hóspede adormecida. A mulher com certeza recebe mais visitas do que eu, uma vez que traz tantas preocupações para pessoas diferentes.Ouvi Lewyn saindo do cômodo, provavelmente para encontrar algo para comer, dado que fica do lado dela, como se ela pudesse saber os exatos momentos em que não está. Sinceramente, não o entendo, mas também não me compreendo nesse instante.Dessa vez, não hesito muito em abrir a porta, apenas giro a maçaneta e a abro ligeiro. Como pensei na outra noite, essa é minha casa, posso ir exatamente para onde eu quiser, na hora que desejar.Contudo, algo deve estar contra mim nos últimos dias.Antes que toda a porta fosse aberta senti o meu corpo ser empurrado para trás pela palma da mão me pressionando com tanta força que tenho certeza de que minhas costelas trincaram.Meio cambaleante, ousei olhar para a pessoa na minha frente e ela mostrou as suas presas com muito entusiasm
CeyasPensei que, depois do ocorrido, Lewyn pudesse tentar escapar, mas ele apenas a colocou no quarto, ignorando todo o estrago feito por Lugi. Não vai ser fácil consertar essa parede sem fazer uma bagunça.O homem do meu lado pede que não o critique, uma vez que fez tudo o que precisava para me ajudar. Mesmo que não pedisse, não é minha intenção. Odeio que tudo em meu entorno esteja transcorrendo de uma maneira tão absurda.É tudo influência dessa mulher?Com uma expressão fechada, fria e impassível de emoções, Lewyn se aproxima de nós. É muito diferente do rosto que eu vir dar um sorriso tão límpido enquanto a observava.— Devemos conversar aqui? — pergunta ele. — Prefiro não me afastar tanto dela.— Caralho, que merda tá acontecendo com você? — inquire Lugi. Sua ignorância não muda a maneira como Lewyn o observa, porque, aparentemente, o tom de nossas palavras não muda em nada como as compreende.Coloco uma mão sobre o peito dele, evitando que ele tente avançar no sujeito inexpres
CeyasDemorou um pouco mais de tempo do que esperava para que Lugi voltasse a se aproximar de nós. Contudo, na sua posição, não poderia apenas ignorar o que aconteceu, é preciso que ele também saiba tudo que Lewyn tenha a dizer.— É melhor que dessa vez você fale tudo o que sabe — ordena ele, esquecendo de todos os momentos em que usava a sua fala mansa com o homem, apenas esperando que as suas emoções fossem escutadas, quando, na verdade, talvez ele nem pudesse percebê-las.— Posso resumir — declara Lewyn. — Meu pai, assim como uma dezena de outros, queria aprender sobre o que faria os lobos evoluírem, para isso, ele usou tudo o que tinha. Sua magia, sua esposa, seus filhos, mulheres inocentes, mendigos, o que estivesse à disposição.— Seu pai não é um lupino? — pergunto, olhando de canto para Lugi. No entanto, neste momento, parece que ele consegue se controlar muito melhor do que antes, quem sabe por absorver o impacto inicial.— Não, ele era um bruxo, minha mãe era uma loba, uma m
CeyasApós as revelações de Lewyn não temos tantas informações quanto imaginávamos, uma vez que ele não tem ideia de como a sua irmã sobreviveu todos esses anos, e muito menos podia senti-la.— Sentiu ela morrer? — investigo. — Pode ter se enganado. Era uma criança.— Se tivesse um luparck saberia que não tem como se enganar — me responde ligeiro. — Da mesma forma que sei que o sangue dela está correndo muito lentamente nas veias, apesar do nível de cura que possui, eu saberia que o seu coração parou. O que senti naquele momento… nada do que vivi depois me fez esquecer — atesta.— Sabemos quem ela é agora — replica Lugi, como se não houvesse nada mais pelo que devêssemos ficar feliz nessa ocasião, uma vez que a vida dela antes de Lewyn e depois do momento em que a viu morrer ainda são obscuros.— Ela não é um lobo puro? — inquiro para Lewyn.— Não, embora seja difícil saber que traços ele pôde acrescentar à existência dela com as suas maluquices — declara, me dando uma resposta objeti
CeyasEu que falei sobre não querer ninguém fazendo nada de cabeça cheia, então, por que estou aqui observando essa mulher dormir de novo? Lewyn foi arrastado para algum lugar da casa por Lugi.Poucas vezes vi meu amigo tão irritado como hoje. Lewyn pode ter sorte e azar na mesma medida por ser aquele que faz com que ele fique nesse estado. É difícil dizer quão bom pode ser para os dois.Mas os meus receios para aqueles dois não explicam o porquê de eu ter parado aqui.Ela tentou me matar, com certeza continuaria tentando se não fosse o que ocorreu em seguida. Vi em seus olhos como ansiava pela minha vida. Porém, estou aqui. Que tipo de loucura é essa?Deveria apenas me afastar o máximo que puder, porque se acontecer algo incontrolável, tenho que priorizar o que fará com que mais vidas sejam salvas. Não posso cometer um erro.Contudo, talvez eu tenha o cometido no instante em que a trouxe para minha casa. Podia tê-la colocado sob a responsabilidade de alguém, entretanto, abracei o pro
Ceyas— Você está com essa expressão horrível há três dias — comenta Lugi, ignorando o olhar que lhe lanço. Coloca a comida na minha frente em seguida. — Se você não se mantiver forte, toda a alcateia pode morrer — diz as palavras com um tom zombatório, mas é a mais pura verdade.— Está falando de si? O que são esses olhos de peixe morto? Quanto tempo você não entra na água, peixinho? — Ele ergue um talher, o aponta para mim, contudo, esquece que queria me acusar no segundo em que vê a pessoa aproximando-se da cozinha.Agora faz cerca de trinta e duas horas desde que Neamir acordou, mas é um pouco menos se considerarmos a sua última tentativa de matar alguém. No segundo em que viu Lugi, tentou o atacar, teria conseguido se Le