O véu pesava sobre minha cabeça, mas não mais do que a sensação sufocante em meu peito. O vestido era um verdadeiro espetáculo—rendas finíssimas, bordadas à mão, abraçavam minhas curvas com perfeição. Eu deveria estar deslumbrante. Deveria me sentir a mulher mais sortuda do mundo. Afinal, hoje era meu casamento.
Mas a única coisa que sentia era humilhação. Os convidados murmuravam entre si, trocando olhares discretos enquanto eu esperava diante do altar, as mãos firmemente entrelaçadas diante de mim. Onde ele estava? Lorenzo De Luca. O homem que deveria estar aqui. O homem a quem fui prometida antes mesmo de nascer. Ele estava atrasado. E não era um atraso qualquer. Era um atraso calculado. A igreja estava lotada. Homens de ternos impecáveis e mulheres de vestidos caros ocupavam os bancos, todos eles membros das famílias mais poderosas da máfia. O casamento não era apenas uma cerimônia. Era uma aliança entre os Romanos e os De Luca, duas das dinastias mais temidas da Itália. E Lorenzo fazia questão de mostrar, para cada um deles, que eu não era uma prioridade. A humilhação queimava minha pele. Meus dedos apertaram o buquê de lírios brancos, tentando conter a onda de raiva que ameaçava transbordar. Eu podia sentir o olhar do meu pai em mim, severo e impaciente. Ele não toleraria nenhuma demonstração de fraqueza. O som das portas da igreja se abrindo com força cortou o silêncio. Todos se viraram. Lá estava ele. Lorenzo De Luca. Alto, de ombros largos, vestindo um terno negro impecável. Seu cabelo escuro estava alinhado, e o olhar frio e calculista varreu o salão sem pressa, como se ele não fosse o homem mais esperado daquela noite. Como se não fosse o noivo. O choque inicial deu lugar a murmúrios ainda mais altos quando uma segunda figura entrou ao lado dele. Bianca Moretti. O ar desapareceu dos meus pulmões. Ela estava ali. Linda, como sempre. Vestindo um vestido de seda azul-claro, colado ao corpo, os lábios pintados de vermelho, como se quisesse desafiar a santidade desta cerimônia. E ela estava com ele. Lorenzo não apenas chegou atrasado ao próprio casamento—ele chegou com a amante ao lado. Senti o gosto amargo da humilhação na boca, mas me recusei a abaixar a cabeça. Minha mãe, sentada no banco da frente, levou uma mão ao peito, horrorizada. Meu pai cerrou o maxilar, mas não disse nada. Não podia. Este casamento tinha que acontecer. Lorenzo caminhou até o altar sem pressa, como se tudo isso fosse um mero incômodo para ele. Seus olhos se encontraram com os meus por um breve segundo, e tudo o que vi foi indiferença. — Você demorou. — Minha voz saiu firme, contrariando a tempestade dentro de mim. Um sorriso arrogante surgiu em seus lábios. — Tive coisas mais importantes para fazer. Eu não me permiti desviar o olhar. Se ele queria um jogo de poder, eu jogaria. O padre pigarreou, visivelmente desconfortável. Os sussurros entre os convidados eram como navalhas cortando o silêncio. — Podemos prosseguir? — perguntou, hesitante. Meu pai me lançou um olhar severo, deixando claro que não havia escolha. Eu sabia disso desde o momento em que nasci. Meu destino nunca me pertenceu. Engoli em seco e assenti. — Sim, podemos. A cerimônia começou, mas para mim, era apenas um borrão. Eu conseguia ouvir as palavras do padre, mas elas pareciam distantes, irreais. Meu coração batia forte dentro do peito, uma mistura de raiva e desespero. E então, chegou o momento das promessas. Lorenzo pegou minha mão sem emoção alguma, como se estivesse tocando um pedaço de madeira. — Você aceita Lorenzo De Luca como seu legítimo esposo, para amá-lo e respeitá-lo, na alegria e na tristeza, até que a morte os separe? Eu queria gritar. Queria dizer não. Mas o peso do olhar do meu pai era insuportável. Eu sabia o que aconteceria se me recusasse. Sabia o caos que isso traria. Então, fiz a única coisa que podia. — Aceito. O padre se virou para Lorenzo. — E você, Lorenzo? O salão ficou em silêncio. Cada segundo que se passou sem uma resposta foi como um golpe no meu estômago. Lorenzo não respondeu de imediato. Ele hesitou. Eu vi. Os convidados viram. Meu Deus… ele vai me rejeitar aqui? Minha respiração ficou presa na garganta. Finalmente, ele soltou um suspiro, como se isso fosse a coisa mais irritante que já teve que fazer. — Aceito. A humilhação estava completa. A aliança foi colocada no meu dedo. O beijo que selaria nossa união foi inexistente. Ele sequer fingiu. E então, estava feito. Eu era a esposa de Lorenzo De Luca. E ele me odiava. As palmas ressoaram pela igreja, um som mecânico e sem emoção, como se até os convidados estivessem incertos sobre o que acabaram de testemunhar. Eu sabia que minha vida nunca seria um conto de fadas, mas nunca imaginei que meu casamento começaria com uma humilhação pública. Lorenzo De Luca, meu marido, nem sequer olhou para mim quando virou de costas e começou a caminhar para fora da igreja, sem me dar o braço, sem um gesto mínimo de cortesia. Eu deveria segui-lo. Afinal, agora era sua esposa. Mas o que ele não sabia é que, por mais que esse casamento tivesse sido arranjado, eu não seria uma sombra apagada ao seu lado. Com o queixo erguido, girei nos calcanhares e caminhei em seu encalço, ignorando os olhares curiosos e cheios de pena que me cercavam. Se acham que vou chorar, estão muito enganados. A recepção aconteceria em uma das propriedades da família De Luca, um castelo luxuoso às margens do Lago de Como. O percurso até lá foi feito em silêncio absoluto. Lorenzo e eu estávamos no banco traseiro de um Rolls-Royce preto, e a presença dele ao meu lado era como um gelo cortante. Ele sequer se preocupou em fingir que esse casamento significava algo para ele. — Se pretende manter essa expressão de quem está sendo levado para a forca, ao menos tente disfarçar. — Quebrei o silêncio, mantendo os olhos fixos na paisagem do lado de fora. Ele soltou um riso baixo e sarcástico. — Engraçado você dizer isso, considerando que fui obrigado a esse casamento tanto quanto você. Virei-me para encará-lo, minha paciência se esgotando. — Você foi obrigado? — Ri, sem humor. — A única pessoa humilhada naquela igreja fui eu. Você teve o luxo de entrar com sua amante ao lado. A mandíbula dele se retesou. — Cuidado, Priscilla. Você não sabe nada sobre mim. — E nem quero saber. — Cruzei os braços. — A única coisa que me importa é que, a partir de hoje, somos marido e mulher. Você pode fingir que eu não existo, pode continuar com sua amante, mas não me trate como uma idiota. Eu sou uma Romano. E os Romanos não são descartáveis. Um silêncio pesado se instalou. Lorenzo virou o rosto, como se não quisesse gastar mais energia discutindo comigo. Ótimo. Se ele queria um casamento de aparências, eu também poderia jogar esse jogo. --- A propriedade dos De Luca parecia saída de um filme. Lustres de cristal reluziam no grande salão de festas, espelhos enormes refletiam o luxo do ambiente e garçons deslizavam entre os convidados, servindo champanhe em taças finíssimas. A festa estava em pleno andamento quando chegamos. Os convidados se voltaram para nós com expectativa, esperando que agíssemos como recém-casados apaixonados. Lorenzo nem sequer me ofereceu o braço. Respirei fundo e segui para o centro do salão, onde os convidados começaram a brindar. Os olhos da minha mãe estavam nublados de preocupação, e meu pai, como sempre, mantinha a expressão impassível. Eu estava acostumada com o mundo em que nasci. Filhas da máfia não escolhem seus maridos. Elas são moedas de troca, alianças seladas com um sobrenome e uma assinatura. Mas isso não significava que eu deixaria Lorenzo me transformar em um fantasma dentro desse casamento. — Agora, o brinde dos noivos! — O mestre de cerimônias anunciou, erguendo sua taça. Senti meu estômago se revirar. Lorenzo não parecia minimamente interessado. Peguei uma taça da bandeja de um garçom e ergui-a no alto, olhando diretamente para ele. — Ao nosso casamento. — Minha voz era firme, carregada de algo que não consegui identificar. Lorenzo hesitou por uma fração de segundo, então pegou sua taça e respondeu: — Ao nosso casamento. Os convidados aplaudiram, mas eu percebi os olhares de alguns—uns satisfeitos, outros cheios de dúvida. Todos sabiam que aquele casamento não passava de um contrato. Mas eu prometi a mim mesma, ali mesmo, que se Lorenzo queria me ignorar e me desprezar, eu faria com que um dia ele se arrependesse de cada segundo que passou me subestimando. Eu sou Priscilla Romano. E não nasci para ser rejeitada. A recepção seguiu seu curso, cheia de sorrisos falsos e conversas mornas. Eu dancei com aliados da família, aceitei cumprimentos de convidados que mal disfarçavam sua curiosidade sobre o casamento e mantive a pose. Mas, por dentro, meu sangue fervia. Lorenzo não fez questão de ficar ao meu lado. Pelo contrário. Ele desapareceu no meio da multidão assim que teve a chance, e quando o vi novamente, ele estava no bar, com Bianca Moretti sentada ao lado dele, rindo como se eu não existisse. O noivo da noite, agindo como um homem livre. A humilhação se repetia, dessa vez diante da alta cúpula da máfia. Eu poderia explodir. Criar um escândalo. Mas isso significaria perder. Então, fiz o que uma Romano faria. Peguei uma taça de vinho, deslizei pelo salão com um sorriso impecável e fingi que nada disso me atingia. Se ele quer jogar esse jogo, eu também posso jogar. --- A festa se prolongou, mas quando as horas avançaram, Lorenzo desapareceu novamente. Dessa vez, para a mansão. Nosso "lar". — Está na hora de ir, — meu pai sussurrou ao meu ouvido. Assenti, sentindo um arrepio na espinha. Não por medo, mas pelo desconhecido. Eu me despedi da minha mãe, cuja expressão preocupada não passou despercebida. Mesmo sem dizer nada, eu sabia que ela temia pelo que viria a seguir. Quando finalmente entrei no carro que me levaria para a mansão De Luca, uma nova realidade caiu sobre mim. Eu agora era a esposa de Lorenzo. E, gostando ou não, essa era minha nova vida. --- A primeira noite A mansão De Luca era imensa, com arquitetura imponente e jardins que pareciam se estender ao infinito. Mas, quando entrei, não tive tempo de admirar nada. Lorenzo já estava lá, no centro da sala principal, tirando o paletó e afrouxando a gravata. Quando me viu, ergueu uma sobrancelha. — Achei que fosse desistir e voltar para casa. Cruzei os braços, mantendo o queixo erguido. — Minha casa é aqui agora. Com você. Ele soltou uma risada curta, sem humor, e jogou o paletó no sofá. — Não se engane, Priscilla. Esse casamento pode ser oficial no papel, mas não significa nada para mim. Caminhei lentamente até ele, cada passo medido. — Então, você pretende me ignorar? Fingir que não existo? Ele passou a mão pelos cabelos, impaciente. — Seria melhor para nós dois. — Para nós dois? Ou para você e sua amante? Dessa vez, ele me olhou diretamente. Seu olhar era sombrio, ameaçador. Mas eu não recuei. — Escute bem. — Sua voz era baixa, cortante. — Eu não te escolhi. Eu nunca quis isso. Você pode carregar meu sobrenome, mas não tem o meu coração. Meu estômago se apertou, mas não deixei transparecer. — E eu nunca pedi seu coração, Lorenzo. Ele franziu o cenho, como se minha resposta o surpreendesse. Dei mais um passo à frente, tão próxima que podia sentir o cheiro amadeirado do seu perfume. — Se acha que vou ser uma esposa submissa, trancada nessa mansão enquanto você vive sua vida, está enganado. Seus olhos analisaram meu rosto, como se tentasse decifrar se eu falava sério. — E o que você pretende fazer, então? — perguntou com desdém. Sorri de canto. — O que uma Romano faria. Então, sem esperar por uma resposta, tirei os sapatos e segui pelo corredor, deixando-o para trás. Se Lorenzo pensava que eu seria um problema fácil de ignorar, ele acabava de cometer seu primeiro erro.O sol da manhã filtrava-se pelas cortinas pesadas do meu novo quarto. A cama era enorme, macia demais, mas vazia.Lorenzo não dormira aqui.Óbvio.Eu me espreguicei, sentindo o peso da noite anterior ainda sobre mim. A cena de Lorenzo deixando claro que eu não significava nada para ele repetia-se na minha cabeça como um disco arranhado.Não vai me importar.Levantei-me, deixando de lado a camisola de seda que fora cuidadosamente separada por uma das empregadas. Se Lorenzo esperava que eu me trancasse nesse quarto e me lamentasse, estava enganado.Eu sou uma Romano.E Romanos lutam.Quando desci para o café da manhã, fui recebida por olhares de surpresa dos funcionários.Nenhuma das esposas de Lorenzo havia durado tempo suficiente para tomar café da manhã na mansão.Os poucos que estavam na mesa – capangas de confiança e membros da família – pararam de mastigar quando me viram.Mas eu não hesitei. Caminhei até a mesa como se pertencesse ali. Peguei uma xícara de café, servi-me de fruta
A reunião havia terminado, e eu podia sentir os olhares em minhas costas enquanto saía da sala. Lorenzo me seguiu de perto, seu silêncio mais intimidador do que qualquer ameaça.Caminhamos lado a lado pelo corredor até chegarmos ao escritório dele. Assim que entramos, ele fechou a porta com força, fazendo o vidro tremer.— Você quer brincar com fogo, Priscilla? — Sua voz era fria, controlada, mas os olhos estavam cheios de fúria.Cruzei os braços, encarando-o sem desviar o olhar.— Não vejo problema em me envolver nos negócios da família. Afinal, sou uma De Luca agora.Ele riu, mas não havia humor no som.— Você é uma Romano. E continua agindo como uma.Dei de ombros.— E você ainda age como se eu fosse insignificante. Mas hoje, os seus próprios homens ouviram e consideraram minhas palavras. Isso te incomoda?Lorenzo se aproximou, seu rosto ficando a centímetros do meu.— O que me incomoda é você achar que pode desafiar as minhas decisões sem consequências.Minha respiração acelerou,
Acordei antes do amanhecer, com a respiração ainda acelerada e a mente repleta de imagens da noite anterior. Enquanto a cidade dormia, os pensamentos corriam soltos: os olhares de desdém, o toque gelado de Lorenzo, o sorriso malicioso de Bianca e, principalmente, o olhar intrigado de Emilio Conti. Cada detalhe me lembrava que a vida que escolhi – ou que me foi imposta – era feita de riscos e que, agora, eu tinha que aprender a jogar o jogo da máfia com unhas e dentes.Levantei-me devagar, tentando recuperar o fôlego e a compostura. O quarto da mansão De Luca era imenso, com cortinas pesadas e mobília de época, mas nada me fazia sentir que pertencia ali. Ainda assim, cada canto lembrava o peso do legado que carregava. Minha mente vagou para as palavras de Lorenzo na noite anterior: "Você está brincando com forças que não entende." E, por mais que ele tentasse me intimidar, eu sabia que cada palavra dele só alimentava minha determinação. Eu não seria uma sombra. Eu seria a força que far
Lorenzo permaneceu em silêncio por alguns longos segundos, o peso das minhas palavras parecendo finalmente penetrar naquela armadura de arrogância que sempre usava. Seus olhos se suavizaram brevemente, e eu pude ver, por trás da rigidez, um homem dividido entre o orgulho e a necessidade. Depois de uma pausa que pareceu eterna, ele falou: — Eu não escolhi ter você ao meu lado, Priscilla. Mas agora que está aqui, talvez seja hora de reavaliar algumas coisas. Você tem coragem, vou lhe dar isso. Mas saiba que cada passo seu, cada decisão, pode ter consequências que afetarão não apenas você, mas todos ao nosso redor. Eu respirei fundo, encarando-o com determinação: — Então, me mostre como podemos enfrentar essas tempestades juntos, Lorenzo. Não quero ser apenas uma marionete ou uma peça descartável. Quero ser a rainha que controla o jogo, e, se for preciso, quebre as regras para construir um império que resista a qualquer traição. A tensão entre nós parecia se transformar em uma alianç