O sol da manhã filtrava-se pelas cortinas pesadas do meu novo quarto. A cama era enorme, macia demais, mas vazia.
Lorenzo não dormira aqui.
Óbvio.
Eu me espreguicei, sentindo o peso da noite anterior ainda sobre mim. A cena de Lorenzo deixando claro que eu não significava nada para ele repetia-se na minha cabeça como um disco arranhado.
Não vai me importar.
Levantei-me, deixando de lado a camisola de seda que fora cuidadosamente separada por uma das empregadas. Se Lorenzo esperava que eu me trancasse nesse quarto e me lamentasse, estava enganado.
Eu sou uma Romano.
E Romanos lutam.
Quando desci para o café da manhã, fui recebida por olhares de surpresa dos funcionários.
Nenhuma das esposas de Lorenzo havia durado tempo suficiente para tomar café da manhã na mansão.
Os poucos que estavam na mesa – capangas de confiança e membros da família – pararam de mastigar quando me viram.
Mas eu não hesitei. Caminhei até a mesa como se pertencesse ali. Peguei uma xícara de café, servi-me de frutas e sentei-me em um dos lugares principais.
Exatamente onde Lorenzo deveria estar.
— Senhora De Luca. — Um dos homens, de terno impecável e olhar desconfiado, me saudou. — O chefe não mencionou que tomaria o café conosco.
Sorri, inocente.
— Isso porque ele não mencionou.
O silêncio pairou no ar. Lorenzo claramente não esperava que eu me movimentasse sem a sua permissão.
Problema dele.
Fingi não perceber o desconforto e continuei meu café. Se Lorenzo queria me ignorar, então eu mostraria que existia – e que não seria fácil de apagar.
— Onde está meu marido? — perguntei, casualmente.
O mesmo homem pigarreou.
— Saiu cedo.
Claro que sim.
Mas o detalhe que me chamou atenção foi o jeito que ele não disse para onde.
Algo me dizia que Lorenzo não estava apenas resolvendo negócios.
Deve estar com ela.
A raiva formigou sob minha pele. Mas eu mantive o sorriso no rosto.
— Ótimo. Então, tomarei o café na companhia de vocês.
E assim fiz.
Enquanto comia, ouvi conversas fragmentadas sobre as operações da família.
Nenhum deles imaginava que eu prestava atenção em cada detalhe.
Eles podiam me ver apenas como uma esposa indesejada, mas logo perceberiam que eu era muito mais do que isso.
O relógio marcava quase meio-dia quando Lorenzo finalmente chegou.
Eu estava na sala principal, analisando alguns dos livros antigos da biblioteca, quando ouvi a porta bater.
Ele passou direto pelo hall, ignorando minha presença.
A gravata estava frouxa, a camisa ligeiramente amassada, e o cheiro de perfume feminino misturado ao seu perfume caro era inconfundível.
Minha mandíbula se retesou.
— Pelo visto, sua noite foi animada. — Comentei, sem desviar os olhos do livro em minhas mãos.
Ele parou, como se só agora percebesse que eu estava ali.
— O que você está fazendo?
— Lendo. — Virei a página. — Já que meu marido me ignora, achei melhor procurar algo mais interessante para passar o tempo.
Ele bufou, jogando as chaves sobre a mesa.
— Não seja dramática.
Ri, fechando o livro com um estalo.
— Dramática? Você foge da própria casa na noite de núpcias e eu sou a dramática?
Ele massageou as têmporas.
— Não temos um casamento de verdade, Priscilla. Não preciso justificar onde vou ou com quem estou.
Cruzei os braços, inclinando a cabeça para o lado.
— Eu sei disso.
Ele pareceu surpreso com minha resposta.
Levantei-me, caminhando até ele devagar.
— Não quero seu amor, Lorenzo. Você pode continuar com sua amante o quanto quiser.
Ele estreitou os olhos.
— Então, o que você quer?
Sorri.
— O mesmo que você. Poder.
Dessa vez, ele ficou em silêncio.
Eu me aproximei mais, até estar a poucos centímetros dele.
— Enquanto você me tratar com respeito diante dos outros, eu não me importo com o que você faz. Mas se me humilhar de novo…
Minhas unhas deslizaram pela gravata dele, puxando-a levemente.
— Prometo que vou tornar sua vida um inferno.
O silêncio que se seguiu foi denso.
Lorenzo me analisou com algo novo no olhar.
Talvez ele esperasse que eu chorasse, que implorasse, que aceitasse meu destino como tantas outras antes de mim.
Mas ele não sabia que eu tinha sangue de Romano correndo nas veias.
Finalmente, ele se afastou, puxando a gravata de volta.
— Vamos ver até onde você aguenta esse jogo.
Virei as costas, sentindo seu olhar queimando em minhas costas.
Eu já ganhei esse jogo, Lorenzo. Você só ainda não percebeu.
Depois que Lorenzo se afastou, um sorriso vitorioso surgiu em meus lábios.
Ele queria um casamento sem amor? Ótimo.
Mas eu não seria a esposa invisível que ele esperava.
Quando cheguei à sala de jantar, alguns dos capangas ainda estavam lá. Todos pararam de falar quando me viram, como se minha simples presença fosse uma afronta.
— Podem continuar. — Peguei uma xícara de café e sentei-me como se estivesse em casa.
Os olhares trocados não passaram despercebidos. Eles não sabiam como agir comigo.
Mas eu sabia como agir com eles.
— Fiquei sabendo que haverá uma reunião hoje à noite. — Disse, casualmente.
O silêncio ficou mais pesado.
Um dos homens, Pietro, um dos braços direitos de Lorenzo, limpou a garganta.
— O chefe não costuma permitir que as mulheres participem.
Apertei os dedos ao redor da xícara.
— Curioso. Meu pai sempre me ensinou sobre os negócios da família.
Outro homem, mais velho, riu baixo.
— Com todo respeito, senhora De Luca, seu pai era um Romano. O chefe tem outras regras.
Sorri, mas não era um sorriso amigável.
— Então vamos ver se ele consegue me impedir.
A mansão estava inquieta naquela tarde. Capangas iam e vinham, conversando entre si. Havia uma tensão no ar, algo grande estava para acontecer.
E eu faria parte disso.
Eu estava descendo as escadas quando ela apareceu.
Bianca Moretti.
Alta, loira, vestindo um vestido justo demais para ser apropriado.
Ela não parecia surpresa em me ver ali.
Pelo contrário, sorriu, como se estivesse esperando por isso.
— Que cena linda. A esposa abandonada vagando pela casa.
Fiquei parada, observando-a.
— Ainda não se cansou de se agarrar a um homem casado, Bianca?
O sorriso dela não vacilou.
— Um casamento sem amor não significa nada. E você sabe disso.
Cruzei os braços.
— Pelo menos eu tenho um anel no dedo. E você? O que tem, além das migalhas que ele te dá?
Ela apertou os lábios, mas logo se recompôs.
— Você não entende, não é? Lorenzo me ama.
Revirei os olhos.
— Você está confiante demais para alguém que ainda é a outra.
Dessa vez, o sorriso dela sumiu.
Ela deu um passo à frente.
— Ele vai se livrar de você. É só questão de tempo.
Dei um passo também, aproximando-me o suficiente para que nossas respirações se misturassem.
— Se eu fosse você, não teria tanta certeza.
Vi um lampejo de insegurança cruzar seu rosto antes de se recompor.
Mas eu já tinha conseguido o que queria.
Pisquei para ela e continuei meu caminho.
Se Lorenzo estava apaixonado por Bianca, ótimo. Isso só significava que eu teria que destruir qualquer chance que ela tivesse de me substituir.
Quando Lorenzo entrou no salão onde aconteceria a reunião, já esperava me encontrar lá.
Ele parou na porta, os olhos analisando minha postura relaxada no sofá de couro preto.
— O que você está fazendo aqui?
Cruzei as pernas, fingindo desinteresse.
— Me inteirando dos negócios.
Os outros homens ficaram tensos. Nenhuma esposa jamais ousara entrar numa reunião da família.
Mas eu não era uma esposa comum.
Lorenzo passou uma mão pelo rosto, exasperado.
— Priscilla, saia. Agora.
Levantei-me lentamente.
— Não.
O silêncio foi absoluto.
Os capangas trocaram olhares. Nenhum deles sabia se deveriam me tirar à força ou esperar o que Lorenzo faria.
Ele caminhou até mim, cada passo carregado de tensão.
— Você não entende as regras aqui.
— Então me ensine. — Cruzei os braços.
Seus olhos escureceram.
— Isso não é um jogo.
Dei um passo à frente, erguendo o rosto para encará-lo.
— Você acha que sou uma menininha mimada que não sabe nada sobre a máfia, mas esquece que eu sou uma Romano. Cresci nesse mundo. Sei exatamente o que acontece nessas reuniões. E se sou sua esposa, tenho o direito de saber.
Lorenzo ficou em silêncio por alguns instantes.
Então, virou-se para os homens atrás dele.
— Saiam.
Eles hesitaram, mas obedeceram.
Quando ficamos a sós, Lorenzo se aproximou.
— Se você quer tanto entender esse mundo, então vou te mostrar.
Seu tom não era de desafio, mas de advertência.
— Mas não reclame quando descobrir que ele não é nada bonito.
Sorri de canto.
— Eu nunca reclamei de um bom jogo sujo.
Ele me olhou por mais alguns segundos, então soltou um suspiro cansado.
— Você é um problema, Priscilla.
Dei de ombros.
— Então é melhor se acostumar.
A porta fechou atrás dos últimos capangas, e o silêncio entre mim e Lorenzo se tornou quase sufocante.
Ele se recostou contra a mesa de mogno escuro no centro da sala, cruzando os braços sobre o peito. Seus olhos estavam fixos em mim, avaliando cada detalhe da minha postura.
— Você realmente quer jogar esse jogo? — Sua voz era baixa, mas carregada de advertência.
— Não é um jogo para mim, Lorenzo. — Me aproximei, encarando-o de frente. — Sou uma Romano. E isso significa que eu já nasci nesse mundo.
Ele soltou um riso seco, sem humor.
— O sobrenome Romano pode ter peso, mas não significa nada aqui. Aqui, sou eu quem dita as regras.
— E você acha que vai me manter longe apenas porque quer? — Inclinei a cabeça, desafiadora.
Lorenzo esfregou o rosto com as mãos, claramente irritado.
— Você quer saber o que acontece nessas reuniões? Quer ver o que realmente significa ser parte da máfia?
Assenti, sem hesitar.
Ele riu, dessa vez com um brilho perigoso no olhar.
— Ótimo. Então você vai ver. Mas não venha chorar depois.
Sem me dar tempo de responder, ele pegou o telefone e discou rapidamente.
— Voltem.
Segundos depois, a porta se abriu e os capangas retornaram, alguns claramente surpresos por ainda me verem ali.
— Sentem-se. — Lorenzo ordenou, e todos obedeceram sem questionar.
Caminhei até um dos assentos e fiz o mesmo, ignorando os olhares desconfiados.
Um dos homens, de cabelos grisalhos e olhar severo, olhou para Lorenzo.
— Tem certeza disso, chefe?
Lorenzo se recostou na cadeira de couro.
— Minha esposa quer aprender. Então vamos ensinar.
O tom zombeteiro em sua voz não passou despercebido, mas eu permaneci impassível.
Outro homem, mais jovem e com um sotaque carregado do sul da Itália, se inclinou para frente.
— Estamos lidando com um problema no porto. Uma nova remessa foi interceptada, e nossos contatos dentro da alfândega querem mais dinheiro para liberar.
Minha mente começou a trabalhar rapidamente.
— Quanto eles estão pedindo? — Perguntei antes que Lorenzo dissesse qualquer coisa.
O jovem me olhou, surpreso com minha intervenção.
Lorenzo também parecia irritado, mas permitiu que a conversa seguisse.
— O dobro do que normalmente pagamos.
Cruzei os braços.
— Então façam com que pareça que o dinheiro vem de outra fonte. Use um intermediário para pagar o valor inicial e os chantageie depois. Se eles acham que podem nos extorquir, precisamos lembrar quem tem o verdadeiro controle.
O silêncio tomou conta da sala.
Os homens trocaram olhares.
Lorenzo me observava com um misto de frustração e algo mais difícil de decifrar.
O homem mais velho riu, mas não era um riso de escárnio.
— Ela tem a mente de um mafioso, chefe.
Lorenzo não respondeu de imediato. Seus olhos estavam fixos nos meus, e pela primeira vez, vi algo que não era apenas desprezo.
Ele estava considerando minhas palavras.
Finalmente, ele se inclinou para frente.
— Vamos seguir essa sugestão. Mas se der errado, a culpa será sua.
Sorri de canto.
— Então é melhor dar certo.
A tensão no ar era palpável.
Mas eu sabia que tinha acabado de dar um passo para dentro do mundo de Lorenzo.
E ele percebeu que me subestimar poderia ser seu primeiro erro.