Acordei antes do amanhecer, com a respiração ainda acelerada e a mente repleta de imagens da noite anterior. Enquanto a cidade dormia, os pensamentos corriam soltos: os olhares de desdém, o toque gelado de Lorenzo, o sorriso malicioso de Bianca e, principalmente, o olhar intrigado de Emilio Conti. Cada detalhe me lembrava que a vida que escolhi – ou que me foi imposta – era feita de riscos e que, agora, eu tinha que aprender a jogar o jogo da máfia com unhas e dentes.
Levantei-me devagar, tentando recuperar o fôlego e a compostura. O quarto da mansão De Luca era imenso, com cortinas pesadas e mobília de época, mas nada me fazia sentir que pertencia ali. Ainda assim, cada canto lembrava o peso do legado que carregava. Minha mente vagou para as palavras de Lorenzo na noite anterior: "Você está brincando com forças que não entende." E, por mais que ele tentasse me intimidar, eu sabia que cada palavra dele só alimentava minha determinação. Eu não seria uma sombra. Eu seria a força que faria esse império se curvar – ou ao menos prestar atenção.
Enquanto o sol começava a surgir timidamente no horizonte, preparei-me para enfrentar o dia. Sabia que hoje seria diferente: não bastava marcar presença no cassino; era preciso mostrar que eu sabia mais do que aparentava. Na mesa de café da manhã, os capangas e funcionários lançavam olhares mistos, alguns repletos de curiosidade, outros de desconfiança. Sentei-me ereta e, com uma voz controlada, falei:
— Hoje, serei mais do que uma convidada inesperada neste mundo. Serei uma aliada indispensável.
Aos poucos, fui conquistando a atenção de alguns dos homens que, até então, me tratavam como uma mera extensão do sobrenome De Luca. Durante o almoço, uma conversa com Pietro, um dos seguranças mais antigos, revelou os rumores que circulavam: havia um novo movimento entre as facções rivais, e o equilíbrio de poder estava prestes a ser abalado. Essa informação, embora perigosa, era a oportunidade perfeita para eu mostrar meu valor.
Mais tarde, enquanto caminhava pelos corredores frios da mansão, encontrei Lorenzo sozinho na sala de estar. A luz baixa e o silêncio entre nós criavam um ambiente carregado de tensão. Ele me olhou com aquele misto de irritação e resignação, como se lamentasse a inevitabilidade de ter que conviver comigo.
— Você tem ousado demais, Priscilla – disse ele, a voz rouca, mas firme.
Eu mantive a calma, respondendo com a frieza que procurava dominar meus sentimentos:
— Ousadia é o que se espera de uma De Luca. Se quero ser parte deste império, preciso conhecer cada recanto dele.
Seus olhos se estreitaram, e por um breve momento, percebi um lampejo de algo indizível – talvez um reconhecimento relutante da minha determinação ou, quem sabe, a semente de um respeito que ele ainda não quis admitir. Mas a porta da vulnerabilidade sempre é difícil de abrir para um homem como Lorenzo. Ele se virou, dizendo apenas:
— Não esqueça que neste mundo, cada passo tem um preço.
Aquilo me deixou mais alerta. Sabia que, a partir de agora, cada atitude minha seria observada de perto, e as repercussões poderiam ser inevitáveis.
Naquela tarde, decidi sair da mansão. O ar frio da cidade contrastava com o calor sufocante do ambiente familiar da De Luca. Peguei um carro discreto e dirigi até o Il Vincitore, o cassino que, na noite anterior, fora palco do meu primeiro verdadeiro desafio público. Lá, planejava encontrar Emilio Conti – o homem que, com seu olhar enigmático, me havia dado a entender que havia algo mais a ser explorado naquela rede de alianças e traições.
Ao chegar, senti novamente o burburinho do ambiente luxuoso. O cassino, com suas luzes douradas e o som ritmado das fichas e cartas, era um mundo à parte, onde o poder se mostrava tanto no brilho dos olhos quanto no tilintar do dinheiro. Desta vez, porém, eu não estava lá para impressionar os outros; estava em busca de respostas.
Depois de alguns momentos circulando discretamente, encontrei Emilio numa sala reservada, com janelas que davam para a rua. Ele estava sozinho, sentado em uma poltrona de couro, absorto em pensamentos, quando ouvi a porta se abrir silenciosamente. Levantei-me com a elegância que vinha praticada desde a minha infância – muito antes de ser jogada num universo onde o sangue e o medo ditavam as regras.
— Priscilla, certo? — Ele perguntou, sem se virar imediatamente. Sua voz era baixa, mas carregava uma autoridade que fazia a sala parecer ainda menor.
— Sim, sou eu. E você deve ser Emilio Conti, não é mesmo? — respondi, aproximando-me devagar.
Ele se levantou e, finalmente, me olhou. Havia algo de inesperado em sua expressão: não era apenas o interesse que eu já havia notado na noite anterior, mas também uma ponta de preocupação, como se ele soubesse que o caminho que eu escolhia podia ser tanto um trunfo quanto uma armadilha mortal.
— Você não se intimida facilmente, Priscilla. – Disse ele, quase em tom de elogio. – Tenho ouvido falar do que fez no cassino ontem à noite. Muitos consideraram imprudente, mas eu vejo nela uma audácia rara.
Eu sorri, mas a cautela permanecia em meus olhos.
— Audácia sem direção é imprudência, Emilio. O que você sabe deste império que ninguém mais ousa mencionar?
Ele hesitou por um instante, como se ponderasse se deveria ou não confiar em mim. Finalmente, aproximou-se, a voz baixa e conspiratória:
— Há coisas que nem todos podem saber. Os De Luca não são apenas uma família de poder e influência; eles se movem nas sombras, fazendo acordos que mantêm o equilíbrio – e, às vezes, o caos – entre os grandes. Mas ultimamente, tenho percebido movimentos que ameaçam esse equilíbrio. E você, tendo se lançado de cabeça nesse jogo, corre riscos que podem não ser visíveis à superfície.
Senti um arrepio percorrer minha espinha.
— Explique-me, por favor. — Pedi, sabendo que cada palavra poderia ser crucial.
Emilio assentiu lentamente e, numa série de sussurros e gestos discretos, começou a me revelar os contornos de uma conspiração que envolvia não apenas as facções rivais, mas também elementos inesperados dentro do próprio império De Luca. Havia uma trama para desestabilizar a família, com alianças que se formavam e se desfaziam em um piscar de olhos. Cada palavra dele era como um pedaço de um quebra-cabeça que eu precisava montar rapidamente.
Enquanto ele falava, senti a urgência do momento. Minha mente fervilhava com as possibilidades: se Lorenzo descobrisse que eu estava tecendo uma rede de informações – ou pior, que me aliara a interesses contrários – as consequências poderiam ser fatais. Mas, por outro lado, ignorar aquele conhecimento seria um erro que me custaria o direito de existir neste mundo.
Quando Emilio terminou, o silêncio pairou entre nós por longos instantes. Finalmente, ele se afastou e disse:
— Tenha cuidado, Priscilla. No jogo da máfia, a confiança é uma moeda rara, e a traição pode vir de onde menos se espera. Mas, se você realmente deseja fazer parte deste império, terá que aprender a jogar conforme as regras, mesmo que elas mudem constantemente.
Aquela advertência ecoou em minha mente enquanto eu deixava o cassino. A noite havia se estendido em uma série de revelações e desafios, e eu sabia que os próximos dias seriam decisivos. De volta à mansão, fui recebida por um silêncio tenso. Lorenzo estava ausente naquele momento, e os servos trocavam olhares furtivos. A atmosfera parecia anunciar que algo maior estava para acontecer.
Sentada no meu quarto, revivi os acontecimentos do dia: o café da manhã tenso, as conversas que insinuavam revoltas internas, o confronto com Lorenzo, e, por fim, o encontro com Emilio. Cada detalhe era uma peça do quebra-cabeça, e eu sentia que, finalmente, começava a entender as complexidades daquele universo sombrio. A decisão de me impor não era mais apenas uma questão de orgulho; era uma questão de sobrevivência.
A porta se abriu de repente, interrompendo meus pensamentos. Lorenzo entrou sem dizer uma palavra. Seu olhar, geralmente tão frio e calculista, trazia uma mistura de irritação e apreensão. Aproximou-se da cama e parou ao lado de mim, como se ponderasse se deveria se sentar ou permanecer em pé. Após alguns instantes, falou com voz baixa:
— Ouvi dizer que você andou fazendo movimentos ousados hoje. Conversou com Emilio Conti...
Eu o encarei, sentindo a adrenalina pulsar.
— Sim, conversei. E aprendi que há tempestades se formando, tempestades que ameaçam destruir tudo o que construímos. Se você quer me manter em um lugar seguro, terá que me mostrar que posso confiar em você – e não apenas em seus capangas ou acordos de fachada.
Contínua...