Helena acordou com um sobressalto ao ouvir um gemido grave e raivoso preencher a cabana. Antes que pudesse reagir, um grito ecoou pelo cômodo.
— O que diabos você fez comigo?! — a voz do guerreiro saiu carregada de fúria. Ele tentou se mexer, mas seu corpo recusava-se a obedecer. — Meu corpo…! Eu não consigo me mover! O que você fez, m*****a bruxa?!
Os olhos dele ardiam com uma mistura de ódio e desespero. Helena cruzou os braços e ergueu uma sobrancelha, impassível.
— Leite de papoula — respondeu, com um sorriso sarcástico. — Você estava choramingando de dor, achei que um grande guerreiro como você não fosse tão sensível.
Ele rosnou, os músculos se retesando apesar da dormência.
— Veneno. Você me envenenou.
Helena soltou uma risada curta, sacudindo a cabeça.
— Sim, claro. Minha estratégia brilhante foi arrastar um homem do tamanho de um cavalo para dentro da minha casa, limpar seu sangue imundo do meu chão e depois matá-lo lentamente. Faz todo o sentido.
Os olhos do guerreiro se estreitaram, faíscas de raiva queimando em seu olhar.
— Eu devia arrancar sua cabeça por isso.
Helena bufou.
— Engraçado. Para alguém tão bravo, você ainda está aí, deitado feito um saco de batatas.
Os punhos dele se fecharam, mas seu corpo recusava-se a responder. Ele cerrou os dentes, visivelmente frustrado.
— M*****a bruxa.
Helena sorriu, inclinando-se ligeiramente.
— Se tem tanto medo de uma bruxa, por que veio parar na casa de uma?
A mandíbula do guerreiro travou, mas ele não respondeu.
O guerreiro bufou, os olhos faiscando de irritação enquanto tentava, sem sucesso, mover os braços.
Helena revirou os olhos.
— Ingrato — murmurou, balançando a cabeça. — Eu salvo sua vida, cuido dos seus ferimentos, e tudo o que recebo em troca são ameaças e resmungos. Devia ter deixado você sangrar no chão.
Ele abriu a boca para retrucar, mas Helena já estava se afastando. Com passos decididos, foi até a porta e começou a destrancá-la. O som metálico das trancas ecoou pela cabana — e continuou ecoando. Uma, duas, três, quatro… O guerreiro a observou em silêncio enquanto ela removia cada uma das travas.
Quantas malditas trancas aquela mulher tinha?
Ainda assim, ele nada disse. Apenas observou, registrando a informação.
Helena abriu a porta e saiu, voltando instantes depois para pegar uma trouxa de roupas limpas.
— Vou me banhar — anunciou, sem se preocupar em dar mais explicações. — Tente não morrer de ódio sozinho.
O guerreiro franziu o cenho, mas ela já estava saindo pela porta, deixando-o preso à própria frustração.
Do lado de fora, Helena inspirou o ar fresco da manhã e seguiu pelo caminho familiar até o lago. O sol ainda não estava completamente alto, e a neblina pairava sobre a água cristalina. Um banho decente era exatamente o que precisava para aliviar o cansaço… e a irritação.
Helena mergulhou mais uma vez nas águas geladas do lago, sentindo o choque refrescante contra sua pele. Depois do estresse da manhã, o banho era um alívio bem-vindo. Com movimentos ágeis, esfregou os braços e o pescoço, removendo qualquer resquício de suor e sujeira.
Depois de se lavar, pegou as roupas sujas e começou a esfregá-las contra as pedras lisas à beira do lago. A espuma se misturava com a correnteza leve, levando embora a poeira e o cheiro do dia anterior. Assim que terminou, torceu bem os tecidos e os estendeu sobre os galhos baixos de uma árvore próxima, deixando-os secar ao sol da manhã.
Suspirou, sentindo-se revigorada.
No caminho de volta para a cabana, passou pelo cercado dos animais. As cabras baliram ao vê-la, Lita quase escalando a cerca na ansiedade por comida.
— Impacientes como sempre — murmurou, pegando um punhado de vegetais e jogando para elas.
Branca mugiu, e Helena sorriu, passando a mão pelo focinho da vaca antes de servi-la com um balde de água fresca. Os porcos grunhiram satisfeitos ao receberem sua porção de restos de comida.
Satisfeita por ter cumprido sua rotina, Helena voltou para dentro da cabana.
O guerreiro ainda estava lá, deitado onde ela o deixara, com o cenho franzido e um olhar intenso que parecia querer queimá-la viva.
Ela, no entanto, passou direto por ele. Nem um olhar. Nem uma palavra.
Simplesmente o ignorou.
Helena abriu a pequena despensa e soltou um suspiro desanimado. Suas reservas estavam escassas. Havia um pouco de aveia, algumas raízes que colhera dias atrás e um pedaço de pão já endurecido. Nada que sustentasse um homem do tamanho daquele guerreiro.
Ela mordeu o lábio, preocupada. Ele precisava de comida de verdade para se recuperar. Carne, caldos ricos, pão fresco… mas tudo isso estava além do que ela podia oferecer.
Por um instante, pensou em simplesmente dividir o pouco que tinha, mas sabia que sua porção não faria diferença para ele. Então, resignada, tomou a decisão mais óbvia: faria algo apenas para ele.
Helena não esperava gratidão. O homem era um bruto resmungão, mas não era isso que importava. Ela não ajudava esperando algo em troca.
Com mãos ágeis, separou a aveia e começou a fervê-la em um pouco de água, jogando algumas ervas para dar sabor. Pegou o pão duro e cortou-o em pedaços menores, deixando-os ao lado para que ele os amolecesse no mingau. Não era muito, mas era o melhor que podia oferecer.
Enquanto cozinhava, sentiu uma leve tristeza pesar em seu peito. Viver sozinha significava não precisar de muito, mas agora havia outra boca para alimentar, e ela não sabia até quando ele ficaria ali.
Ainda assim, não hesitou.
Quando o mingau ficou pronto, ela pegou uma colher de madeira, misturou um pouco e se dirigiu ao guerreiro, deixando a tigela perto dele.
— Coma. Não é um banquete, mas vai impedir que morra de fome.
Sem esperar resposta, ela se afastou e voltou para o fogão. Não havia cozinhado para si. Mas estava acostumada a abrir mão de certas coisas.
O fogão era simples, construído em pedra e argila, com um espaço para acomodar a lenha que mantinha o fogo aceso. Pequenas rachaduras nas laterais testemunhavam os anos de uso, mas ainda cumpria bem seu papel. Acima dele, uma grade de ferro envelhecido servia de suporte para panelas e chaleiras. O calor irradiava do braseiro, iluminando o ambiente com um brilho alaranjado e lançando sombras dançantes pelas paredes da cabana.Helena mexeu o mingau mais uma vez, apenas por hábito, antes de se virar. Seu olhar pousou no guerreiro ainda estirado no colchão improvisado. O cenho dela se franziu.Ele continuava deitado, a expressão fechada e tensa. Foi então que se deu conta: ele não conseguia se mexer. O leite de papoula ainda fazia efeito, impedindo que seu corpo respondesse como deveria.Helena bufou, cruzando os braços.— Então você vai me dar trabalho até para comer? — resmungou, sem esconder a irritação.O guerreiro lançou-lhe um olhar carregado de fúria e constrangimento, mas nada dis
Tristan despertou lentamente, o peso da inconsciência se esvaindo conforme seus sentidos voltavam a funcionar. O primeiro sinal de que algo estava diferente foi a dor. Ainda estava lá, mas não era mais esmagadora. Seus músculos, antes inertes, agora formigavam com um incômodo suportável.Ele piscou algumas vezes, os olhos ajustando-se à luz fraca do interior da cabana. Virou a cabeça devagar e percebeu que estava sozinho. A bruxa não estava ali.Inspirou fundo e tentou se mover. Para sua surpresa, conseguiu. Seu corpo ainda estava rígido e dolorido, mas já não estava paralisado. Com um gemido baixo, empurrou-se para uma posição semi-sentada, apoiando-se no cotovelo.Foi então que observou ao redor.A cabana era pequena, absurdamente pequena para alguém de seu tamanho. Tudo estava no mesmo cômodo—cama, mesa, lareira, prateleiras improvisadas abarrotadas de potes de barro e ervas secas. O cheiro de terra, fumaça e alguma mistura de ervas desconhecidas impregnava o ar.Ele franziu o cenh
Helena estava sentada em seu pequeno sofá improvisado, feito de fardos de palha cobertos com um tecido grosso, costurado por suas próprias mãos. O móvel era simples, mas servia ao seu propósito.Seus dedos tamborilavam sobre a coxa enquanto olhava para a porta, preocupada.Horas haviam se passado. O sol já começava a se despedir no horizonte, tingindo o céu com tons alaranjados. O guerreiro ingrato foi embora sem dizer nada. E se estivesse ferido? E se tivesse caído morto em algum lugar da floresta?Ela suspirou, balançando a cabeça.— Que morra, então — murmurou para si mesma.Antes que pudesse aprofundar-se no pensamento, a porta foi aberta com um baque forte.Helena sobressaltou-se.Tristan surgiu na soleira, sujo de sangue e carregando uma quantidade absurda de carne crua em suas mãos. O cheiro ferroso do sangue fresco preencheu o ar enquanto ele caminhava até a mesa e, sem cerimônia, jogava tudo ali com um baque úmido.— Cozinhe, mulher.Helena piscou.Depois piscou de novo.Depo
A noite caía pesada sobre o vilarejo, as sombras dançando nas paredes de madeira da pequena casa onde Helena se escondia. O vento uivava através das frestas da pequena casa de pedra, carregando consigo o cheiro de chuva e medo. Helena, encolhida atrás de um baú de madeira, pressionava as mãos pequenas contra os ouvidos, tentando abafar as vozes que ecoavam pela casa. Mas era impossível não ouvir.— Não podemos continuar assim, Wilhelm! — A voz da mãe soava cortante, desesperada. — Essa marca... Essa maldição... Ela vai trazer desgraça para todos nós!— Ela é só uma criança — retrucou o pai, mas a hesitação em sua voz era evidente. — Não sabemos se... se é mesmo o que dizem.— Abra os olhos! — A mãe interrompeu, a voz embargada pelo medo. — Todos sabem o que aquela marca significa. O padre Mathias viu! Ele mesmo disse que é obra do demônio. Como podemos manter isso sob nosso teto?Helena apertou ainda mais as mãos contra os ouvidos, como se pudesse afastar aquelas palavras. Os olhos ar
O sol nascente tingia o céu com tons dourados e alaranjados quando Helena abriu a pequena janela de madeira, deixando a brisa fresca da manhã invadir a cabana. O ar carregava o cheiro úmido da terra e o canto distante dos pássaros que despertavam junto com o dia.Durante anos, aquele lugar que fora um refúgio miserável se tornara seu lar. A estrutura que antes ameaçava desmoronar agora estava reforçada com tábuas novas e musgo removido das paredes. O teto, antes perfurado pela chuva, fora consertado com cuidado, impedindo que as águas tempestuosas invadissem seu abrigo. O chão de terra batida dera lugar a um revestimento de madeira rústica, e o cheiro de mofo foi substituído pelo aroma das ervas secando em pequenos feixes pendurados no teto.A lareira crepitava suavemente no canto da cabana, aquecendo a chaleira de ferro onde a água fervia para o chá da manhã. Em uma mesa simples, porém bem cuidada, repousavam pequenos potes de barro contendo ervas e unguentos que ela mesma preparava.
O calor do fogo na lareira tornava a cabana aconchegante enquanto Helena mexia uma panela de ferro sobre as chamas. O cheiro de ervas e legumes cozinhando preenchia o ar, e o suor já umedecia sua nuca. Cozinhar era uma tarefa simples, mas necessária, e ela se permitia aproveitar o momento em silêncio.Foi então que ouviu os animais. O balido alto das cabras, o mugido aflito de Branca e os grunhidos nervosos dos porcos. Seu coração acelerou. Esse tipo de alarde nunca era bom sinal.Limpando as mãos no avental, Helena se dirigiu à porta, o corpo tenso. Pegou uma faca que sempre deixava por perto—não que ela soubesse lutar, mas a mera sensação de ter algo nas mãos lhe dava uma falsa segurança. Respirou fundo antes de puxar a tranca e abrir a porta.O que viu fez seu estômago se revirar.Um homem estava parado ali, oscilando entre um passo e outro, como se o próprio corpo estivesse prestes a ceder. Ele era imenso—assustadoramente alto e absurdamente forte, mesmo com a armadura rachada e o
Helena ainda estava sentada no chão, recuperando o fôlego, quando seus olhos caíram sobre a armadura do guerreiro. Era um emaranhado de ferro pesado, rachado e coberto de sujeira e sangue seco. Se ele precisava de cuidados urgentes, a primeira coisa a fazer era se livrar daquilo.— Ótimo, mais trabalho para mim… — murmurou, passando a mão no rosto.Ela se aproximou e começou a desfazer as correias de couro que mantinham as peças unidas. Algumas estavam tão apertadas e rígidas que seus dedos doíam ao tentar afrouxá-las.— Quem foi que te vestiu, homem? Um ferreiro com raiva da humanidade?Depois de alguns minutos de luta, a primeira peça caiu com um baque surdo no chão de madeira. Seguiram-se os ombreiros e a couraça, revelando um peitoral coberto de hematomas, arranhões e cortes abertos. A pele quente, marcada por cicatrizes antigas, se esticava sobre músculos firmes.Helena parou. Engoliu em seco.Seu rosto esquentou no mesmo instante.— Isso não importa — murmurou para si mesma, vol