O fogão era simples, construído em pedra e argila, com um espaço para acomodar a lenha que mantinha o fogo aceso. Pequenas rachaduras nas laterais testemunhavam os anos de uso, mas ainda cumpria bem seu papel. Acima dele, uma grade de ferro envelhecido servia de suporte para panelas e chaleiras. O calor irradiava do braseiro, iluminando o ambiente com um brilho alaranjado e lançando sombras dançantes pelas paredes da cabana.
Helena mexeu o mingau mais uma vez, apenas por hábito, antes de se virar. Seu olhar pousou no guerreiro ainda estirado no colchão improvisado. O cenho dela se franziu.
Ele continuava deitado, a expressão fechada e tensa. Foi então que se deu conta: ele não conseguia se mexer. O leite de papoula ainda fazia efeito, impedindo que seu corpo respondesse como deveria.
Helena bufou, cruzando os braços.
— Então você vai me dar trabalho até para comer? — resmungou, sem esconder a irritação.
O guerreiro lançou-lhe um olhar carregado de fúria e constrangimento, mas nada disse.
Ela suspirou, pegou a tigela e se ajoelhou ao lado dele.
— Se eu sou uma bruxa, talvez devesse envenenar você agora mesmo. — Um sorriso zombeteiro curvou seus lábios enquanto ela mergulhava a colher no mingau quente. — Mas sou uma alma generosa, então abra a boca.
O homem virou o rosto para o lado, obstinado.
Helena revirou os olhos.
— Ah, pelo amor dos deuses… Prefere morrer de fome?
Ele permaneceu em silêncio. O maxilar cerrado e o olhar flamejante demonstravam claramente seu orgulho ferido.
Ela ergueu uma sobrancelha, impaciente.
— Você pode ser enorme e assustador, mas, no momento, não passa de um bebê gigante. Agora coma, ou juro que enfio essa colher goela abaixo.
O guerreiro soltou um grunhido baixo, claramente humilhado pela situação. Mas, no fim, abriu a boca—de má vontade.
Helena sorriu, vitoriosa.
— Bom menino.
E lhe deu a primeira colherada.
Helena continuou alimentando o guerreiro, sem pressa. O silêncio entre eles era denso, carregado de ressentimento por parte dele e de divertimento disfarçado por parte dela. Cada colherada parecia um golpe em seu orgulho, e Helena se deliciava um pouco com isso.
Depois de alguns minutos, decidiu quebrar o silêncio.
— Qual o seu nome, afinal? — perguntou, soprando a colher antes de levá-la à boca dele.
O homem apenas rosnou e desviou o olhar.
Helena revirou os olhos.
— Certo. Guerreiro imenso, mal-humorado e ingrato. Um nome um tanto longo, mas acho que serve.
Ele bufou.
— Tristan. — A palavra saiu entre os dentes, quase forçada.
Helena sorriu.
— Ah, então pode falar. Já é um progresso. E por que um Tristan tão imenso e assustador veio parar desmaiado na porta de uma bruxa?
Ele a fuzilou com o olhar.
— Isso não é da sua conta.
— Ah, então você invade minha casa, cai desmaiado no meu chão, me faz gastar meus suprimentos para te salvar, mas não posso nem perguntar o que diabos aconteceu? Interessante.
Ele fechou os olhos, exalando o ar pelo nariz, claramente tentando conter a irritação.
— Fui emboscado. — Disse, enfim, a voz áspera.
Helena arqueou uma sobrancelha.
— Emboscado por quem?
— Isso também não é da sua conta.
Ela soltou uma risada nasal.
— Certo. Então foi uma gangue de coelhos ferozes? Talvez um bando de patos violentos? Só pode ser isso, já que é tão difícil dizer.
Tristan cerrou os dentes, os punhos fechando-se contra o tecido gasto do colchão.
— Você fala demais.
— E você é mal-agradecido. Mas eu sou uma mulher paciente. — Ela lhe deu mais uma colherada, ignorando o olhar mortal que recebeu.
O silêncio voltou a se instalar por um momento, até que Helena decidiu continuar.
— Você tem família?
Tristan não respondeu de imediato. Quando o fez, sua voz veio mais baixa.
— Não mais.
O tom fez Helena hesitar. Pela primeira vez, não havia apenas grosseria nele, mas algo mais profundo. Algo que ela reconhecia.
Solidão.
Decidiu não pressioná-lo mais—por enquanto. Apenas ergueu a colher mais uma vez e, com um tom mais suave, disse:
— Então coma. Você precisa ficar forte se quiser continuar me tratando mal amanhã.
Helena deu a última colherada a Tristan e se levantou, levando consigo a tigela vazia.
— Pronto. Agora durma. Quando acordar, vai conseguir se mexer de novo — disse, sem muita cerimônia.
Ele apenas resmungou algo ininteligível, mas seus olhos já pesavam de sono. O efeito do leite de papoula ainda o deixava sonolento, e logo sua respiração ficou mais lenta e profunda.
Helena suspirou e foi até o pequeno balde de água no canto da cabana. Molhou um pano e limpou os restos de comida da colher e da tigela. Não era um grande trabalho, mas manteve as mãos ocupadas enquanto sua mente vagava.
Precisava encontrar um jeito de conseguir algumas moedas. Suas ervas medicinais sempre eram úteis para os aldeões, mas ultimamente poucos vinham até ela, e os que vinham traziam apenas trocas, nunca dinheiro. Se conseguisse algumas moedas, poderia comprar galinhas. Seria um alívio ter ovos frescos todos os dias, uma fonte de alimento confiável.
Mas como?
Vender unguentos na vila era arriscado—cada vez que ia até lá, sentia os olhares e os sussurros. Alguns apenas evitavam seu caminho, outros cochichavam às suas costas. Não era uma presença bem-vinda.
Talvez pudesse fazer algum trato com o ferreiro? Ou com a mulher que cuidava do moinho? As duas eram menos hostis que o resto do vilarejo.
Enquanto secava a tigela, mordeu o lábio, pensativa.
Haveria um jeito. Sempre havia.
Tristan despertou lentamente, o peso da inconsciência se esvaindo conforme seus sentidos voltavam a funcionar. O primeiro sinal de que algo estava diferente foi a dor. Ainda estava lá, mas não era mais esmagadora. Seus músculos, antes inertes, agora formigavam com um incômodo suportável.Ele piscou algumas vezes, os olhos ajustando-se à luz fraca do interior da cabana. Virou a cabeça devagar e percebeu que estava sozinho. A bruxa não estava ali.Inspirou fundo e tentou se mover. Para sua surpresa, conseguiu. Seu corpo ainda estava rígido e dolorido, mas já não estava paralisado. Com um gemido baixo, empurrou-se para uma posição semi-sentada, apoiando-se no cotovelo.Foi então que observou ao redor.A cabana era pequena, absurdamente pequena para alguém de seu tamanho. Tudo estava no mesmo cômodo—cama, mesa, lareira, prateleiras improvisadas abarrotadas de potes de barro e ervas secas. O cheiro de terra, fumaça e alguma mistura de ervas desconhecidas impregnava o ar.Ele franziu o cenh
Helena estava sentada em seu pequeno sofá improvisado, feito de fardos de palha cobertos com um tecido grosso, costurado por suas próprias mãos. O móvel era simples, mas servia ao seu propósito.Seus dedos tamborilavam sobre a coxa enquanto olhava para a porta, preocupada.Horas haviam se passado. O sol já começava a se despedir no horizonte, tingindo o céu com tons alaranjados. O guerreiro ingrato foi embora sem dizer nada. E se estivesse ferido? E se tivesse caído morto em algum lugar da floresta?Ela suspirou, balançando a cabeça.— Que morra, então — murmurou para si mesma.Antes que pudesse aprofundar-se no pensamento, a porta foi aberta com um baque forte.Helena sobressaltou-se.Tristan surgiu na soleira, sujo de sangue e carregando uma quantidade absurda de carne crua em suas mãos. O cheiro ferroso do sangue fresco preencheu o ar enquanto ele caminhava até a mesa e, sem cerimônia, jogava tudo ali com um baque úmido.— Cozinhe, mulher.Helena piscou.Depois piscou de novo.Depo
O toque era suave, meticuloso. Helena deslizava os dedos ágeis sobre a pele dele, trocando as ataduras com o mesmo cuidado que dedicava aos seus animais. Tristan observava em silêncio, os olhos fixos no rosto dela, no pequeno vinco entre suas sobrancelhas enquanto se concentrava no que fazia.Ele deveria estar aliviado que a dor estivesse diminuindo, que os ferimentos estivessem cicatrizando bem, mas, por alguma razão, sentiu um aperto estranho no peito ao perceber que a rotina estava chegando ao fim. Logo, não haveria mais bandagens para trocar. Logo, ela não teria mais motivos para tocá-lo.Helena umedeceu um pano e passou delicadamente sobre um corte mais recente, arrancando um suspiro baixo dele.— Está doendo? — ela perguntou, sem erguer os olhos.— Não.Era mentira. Mas não pela dor do ferimento.Ele deveria desviar o olhar, deveria fingir que nada disso o afetava. Mas era difícil ignorar a maneira como os lábios dela se franziam levemente enquanto examinava o corte, o jeito com
A porta se abriu de repente, batendo contra a parede com um rangido alto. Tristan se virou, já pronto para soltar um resmungo furioso, mas a visão diante dele o fez congelar.Helena estava ali, ensopada dos pés à cabeça. Seus cabelos grudavam no rosto, e a roupa fina colava-se à pele, deixando claro que a chuva não tivera piedade. Mesmo assim, ela sorria. Um daqueles sorrisos serenos que sempre o irritavam.— Consegui boas ervas — anunciou, levantando um pequeno embrulho de pano, como se aquilo explicasse tudo.Tristan estreitou os olhos.— Você está pingando.— Descobriu isso sozinho, brutamontes? — Ela arqueou uma sobrancelha, tirando a capa encharcada e pendurando-a perto da lareira. — Eu também cobri o curral. Os animais estão secos.Tristan cruzou os braços.— Você quase se afogou na tempestade por causa de algumas ervas e de um monte de bichos?Helena revirou os olhos, como se ele estivesse falando algo completamente absurdo.— Eles não podem cuidar de si mesmos. E as ervas não
Tristan acordou antes do sol nascer, um hábito que a guerra gravou em seus ossos. O silêncio dentro da cabana era profundo, apenas quebrado pelo crepitar fraco das brasas na lareira.Virou-se e seus olhos pousaram sobre a pequena bruxa.Helena dormia profundamente, o rosto pálido contra as peles que ele jogara sobre ela na noite anterior. Seu nariz ainda estava avermelhado, e seus lábios entreabertos deixavam escapar uma respiração ligeiramente rouca.Ele franziu o cenho.Frágil demais.Isso o incomodava mais do que deveria.Tristan suspirou, passando a mão pelo rosto. Sentia fome, e sabia que ela também sentir
Já fazia uma lua desde que Tristan chegara à cabana.No início, ele era apenas um guerreiro ferido, bruto e desconfiado, e ela, a bruxa teimosa e irritante que o tratava sem pedir nada em troca. Mas, com o passar dos dias, as provocações entre eles haviam se tornado parte da rotina. Ele resmungava sobre a comida, e ela retrucava que ele era um ingrato. Ela o chamava de brutamontes, e ele respondia chamando-a de bruxa.Só que agora... agora não parecia mais uma afronta.Helena estava no pequeno sofá improvisado, feito de troncos cobertos por peles costuradas à mão. A chaleira de ferro chiava no fogão, espalhando um aroma de ervas pela cabana. Seus dedos apertavam distraidamente um pedaço de linha solta no tecido do vestido enquanto su
As ruas de paralelepípedos estavam movimentadas, repletas de mercadores e aldeões que iam e vinham, carregando cestos e sacos de estopa. O cheiro de pão fresco e carne assada misturava-se ao aroma forte de estrume e terra molhada.Tristan caminhava à frente, imponente, como se nada ao redor fosse digno de sua atenção. Helena, por outro lado, mantinha o capuz do manto puxado sobre o rosto, tentando não atrair olhares indesejados. Mas, mesmo assim, sentia os cochichos ao seu redor.— É ela… — A bruxa… — O que aquele homem está fazendo com ela?Seu coração acelerou, mas ela se manteve firme. Era assustador estar lá, em lugar que ela sabe que todos a odeiam, sem nem ter um bom motivo para isso! Fazia tempo que ela não sentia essa dor tão forte e claramente, a dor da rejeição, do abandono, Helena odiava viver essa vida, mas foi a vida que os deuses deram para ela.Tristan parou diante de uma grande tenda de madeira, coberta por um tecido grosso e gasto pelo tempo. Era o açougueiro da vi
Depois das barracas de alimento, Tristan continuou marchando pelo mercado como um rei em seu domínio. Helena o seguiu, ainda atônita com a quantidade de coisas que ele estava pegando para ela.Eles passaram por uma barraca de ervas e temperos. Pequenos feixes de alecrim, tomilho e sálvia estavam pendurados ao lado de potes de barro cheios de pimenta, cravo e canela. Ela sentiu o coração aquecer. Fazia tanto tempo que não cozinhava com algo além de sal e alho-poró.— Pegue o que precisar, mulher — Tristan ordenou.Helena piscou, surpresa, mas não discutiu. Escolheu ervas secas e frescas, um punhado de pimenta e um pequeno frasco de óleo de noz.A próxima parada foi em uma barraca de gr