Helena estava sentada em seu pequeno sofá improvisado, feito de fardos de palha cobertos com um tecido grosso, costurado por suas próprias mãos. O móvel era simples, mas servia ao seu propósito.Seus dedos tamborilavam sobre a coxa enquanto olhava para a porta, preocupada.Horas haviam se passado. O sol já começava a se despedir no horizonte, tingindo o céu com tons alaranjados. O guerreiro ingrato foi embora sem dizer nada. E se estivesse ferido? E se tivesse caído morto em algum lugar da floresta?Ela suspirou, balançando a cabeça.— Que morra, então — murmurou para si mesma.Antes que pudesse aprofundar-se no pensamento, a porta foi aberta com um baque forte.Helena sobressaltou-se.Tristan surgiu na soleira, sujo de sangue e carregando uma quantidade absurda de carne crua em suas mãos. O cheiro ferroso do sangue fresco preencheu o ar enquanto ele caminhava até a mesa e, sem cerimônia, jogava tudo ali com um baque úmido.— Cozinhe, mulher.Helena piscou.Depois piscou de novo.Depo
O toque era suave, meticuloso. Helena deslizava os dedos ágeis sobre a pele dele, trocando as ataduras com o mesmo cuidado que dedicava aos seus animais. Tristan observava em silêncio, os olhos fixos no rosto dela, no pequeno vinco entre suas sobrancelhas enquanto se concentrava no que fazia.Ele deveria estar aliviado que a dor estivesse diminuindo, que os ferimentos estivessem cicatrizando bem, mas, por alguma razão, sentiu um aperto estranho no peito ao perceber que a rotina estava chegando ao fim. Logo, não haveria mais bandagens para trocar. Logo, ela não teria mais motivos para tocá-lo.Helena umedeceu um pano e passou delicadamente sobre um corte mais recente, arrancando um suspiro baixo dele.— Está doendo? — ela perguntou, sem erguer os olhos.— Não.Era mentira. Mas não pela dor do ferimento.Ele deveria desviar o olhar, deveria fingir que nada disso o afetava. Mas era difícil ignorar a maneira como os lábios dela se franziam levemente enquanto examinava o corte, o jeito com
A porta se abriu de repente, batendo contra a parede com um rangido alto. Tristan se virou, já pronto para soltar um resmungo furioso, mas a visão diante dele o fez congelar.Helena estava ali, ensopada dos pés à cabeça. Seus cabelos grudavam no rosto, e a roupa fina colava-se à pele, deixando claro que a chuva não tivera piedade. Mesmo assim, ela sorria. Um daqueles sorrisos serenos que sempre o irritavam.— Consegui boas ervas — anunciou, levantando um pequeno embrulho de pano, como se aquilo explicasse tudo.Tristan estreitou os olhos.— Você está pingando.— Descobriu isso sozinho, brutamontes? — Ela arqueou uma sobrancelha, tirando a capa encharcada e pendurando-a perto da lareira. — Eu também cobri o curral. Os animais estão secos.Tristan cruzou os braços.— Você quase se afogou na tempestade por causa de algumas ervas e de um monte de bichos?Helena revirou os olhos, como se ele estivesse falando algo completamente absurdo.— Eles não podem cuidar de si mesmos. E as ervas não
Tristan acordou antes do sol nascer, um hábito que a guerra gravou em seus ossos. O silêncio dentro da cabana era profundo, apenas quebrado pelo crepitar fraco das brasas na lareira.Virou-se e seus olhos pousaram sobre a pequena bruxa.Helena dormia profundamente, o rosto pálido contra as peles que ele jogara sobre ela na noite anterior. Seu nariz ainda estava avermelhado, e seus lábios entreabertos deixavam escapar uma respiração ligeiramente rouca.Ele franziu o cenho.Frágil demais.Isso o incomodava mais do que deveria.Tristan suspirou, passando a mão pelo rosto. Sentia fome, e sabia que ela também sentir
Já fazia uma lua desde que Tristan chegara à cabana.No início, ele era apenas um guerreiro ferido, bruto e desconfiado, e ela, a bruxa teimosa e irritante que o tratava sem pedir nada em troca. Mas, com o passar dos dias, as provocações entre eles haviam se tornado parte da rotina. Ele resmungava sobre a comida, e ela retrucava que ele era um ingrato. Ela o chamava de brutamontes, e ele respondia chamando-a de bruxa.Só que agora... agora não parecia mais uma afronta.Helena estava no pequeno sofá improvisado, feito de troncos cobertos por peles costuradas à mão. A chaleira de ferro chiava no fogão, espalhando um aroma de ervas pela cabana. Seus dedos apertavam distraidamente um pedaço de linha solta no tecido do vestido enquanto su
As ruas de paralelepípedos estavam movimentadas, repletas de mercadores e aldeões que iam e vinham, carregando cestos e sacos de estopa. O cheiro de pão fresco e carne assada misturava-se ao aroma forte de estrume e terra molhada.Tristan caminhava à frente, imponente, como se nada ao redor fosse digno de sua atenção. Helena, por outro lado, mantinha o capuz do manto puxado sobre o rosto, tentando não atrair olhares indesejados. Mas, mesmo assim, sentia os cochichos ao seu redor.— É ela… — A bruxa… — O que aquele homem está fazendo com ela?Seu coração acelerou, mas ela se manteve firme. Era assustador estar lá, em lugar que ela sabe que todos a odeiam, sem nem ter um bom motivo para isso! Fazia tempo que ela não sentia essa dor tão forte e claramente, a dor da rejeição, do abandono, Helena odiava viver essa vida, mas foi a vida que os deuses deram para ela.Tristan parou diante de uma grande tenda de madeira, coberta por um tecido grosso e gasto pelo tempo. Era o açougueiro da vi
Depois das barracas de alimento, Tristan continuou marchando pelo mercado como um rei em seu domínio. Helena o seguiu, ainda atônita com a quantidade de coisas que ele estava pegando para ela.Eles passaram por uma barraca de ervas e temperos. Pequenos feixes de alecrim, tomilho e sálvia estavam pendurados ao lado de potes de barro cheios de pimenta, cravo e canela. Ela sentiu o coração aquecer. Fazia tanto tempo que não cozinhava com algo além de sal e alho-poró.— Pegue o que precisar, mulher — Tristan ordenou.Helena piscou, surpresa, mas não discutiu. Escolheu ervas secas e frescas, um punhado de pimenta e um pequeno frasco de óleo de noz.A próxima parada foi em uma barraca de gr
Tristan empilhou os sacos de grãos, os fardos de palha e as caixas de suprimentos na carroça, os músculos contraídos sob o peso da carga. O jovem contratado para levar tudo até a cabana observava com olhos arregalados, claramente intimidado pela presença do guerreiro.Quando a carroça estava cheia, Tristan voltou-se para o rapaz, segurando-o pelo colarinho com uma facilidade assustadora.— Escute bem, moleque — sua voz era baixa, mas carregada de ameaça. — Você vai levar isso até a cabana sem reclamar, sem bisbilhotar e, principalmente, sem abrir a boca sobre o que viu aqui hoje.O rapaz engoliu em seco, assentindo freneticamente.— S-Sim, senhor!Último capítulo