Helena ainda estava sentada no chão, recuperando o fôlego, quando seus olhos caíram sobre a armadura do guerreiro. Era um emaranhado de ferro pesado, rachado e coberto de sujeira e sangue seco. Se ele precisava de cuidados urgentes, a primeira coisa a fazer era se livrar daquilo.
— Ótimo, mais trabalho para mim… — murmurou, passando a mão no rosto.
Ela se aproximou e começou a desfazer as correias de couro que mantinham as peças unidas. Algumas estavam tão apertadas e rígidas que seus dedos doíam ao tentar afrouxá-las.
— Quem foi que te vestiu, homem? Um ferreiro com raiva da humanidade?
Depois de alguns minutos de luta, a primeira peça caiu com um baque surdo no chão de madeira. Seguiram-se os ombreiros e a couraça, revelando um peitoral coberto de hematomas, arranhões e cortes abertos. A pele quente, marcada por cicatrizes antigas, se esticava sobre músculos firmes.
Helena parou. Engoliu em seco.
Seu rosto esquentou no mesmo instante.
— Isso não importa — murmurou para si mesma, voltando a mexer na armadura.
Cada peça removida revelava mais do corpo dele, e Helena se via constantemente desviando o olhar, o rosto queimando. Quando finalmente chegou às proteções das pernas, hesitou. Não era como se ela quisesse olhar… ali. Mas e se houvesse ferimentos?
Apertou os lábios, tentando ignorar a forma ridícula como sua mente lutava contra isso.
— É só um exame médico… — murmurou.
Ela deslizou as mãos com cuidado pela lateral da calça de couro, pressionando suavemente em busca de inchaços ou ferimentos. Quando seus dedos roçaram a parte interna da coxa dele, o guerreiro soltou um som rouco, quase um gemido abafado.
Helena congelou.
Seu coração saltou no peito, e ela afastou as mãos como se tivesse tocado fogo puro.
— Pelos deuses… — sussurrou, sentindo o rosto queimar como brasa.
Olhou para ele. Continuava desacordado, oscilando entre a inconsciência e algum delírio febril. Talvez o som tivesse sido apenas um reflexo da dor.
Engolindo em seco, Helena inspirou fundo, tentando acalmar sua respiração acelerada.
— Você vai me matar antes mesmo de acordar…
Ela ajeitou as roupas dele da melhor maneira possível, mantendo a compostura que ainda lhe restava. Então, limpou as mãos, pegou seus panos e ervas, e começou a preparar-se para tratar os ferimentos do guerreiro.
Helena afastou qualquer pensamento desnecessário e concentrou-se na tarefa à sua frente. O guerreiro estava ferido, e ela não podia perder tempo com tolices.
Levantou-se rapidamente e foi até uma pequena prateleira onde guardava seus suprimentos. Pegou uma bacia de madeira, encheu-a com água limpa e separou alguns panos. Também reuniu algumas ervas curativas e um pequeno frasco de leite de papoula, um analgésico forte que ajudaria a aliviar a dor quando ele acordasse.
Voltando para o lado do homem, ajoelhou-se ao lado dele e começou o trabalho. Primeiro, molhou um pano na água e passou delicadamente pelo rosto dele, limpando a sujeira e o suor. Era um rosto forte, marcado por cicatrizes antigas, e apesar da expressão relaxada pelo desmaio, havia algo nele que transparecia uma luta constante, como se nem mesmo a inconsciência pudesse afastar os fantasmas que o atormentavam.
Suspirando, ela continuou.
A água na bacia rapidamente se tingiu de vermelho conforme limpava os cortes profundos no peito e nos braços dele. Helena pegou uma pequena faca e cortou a camisa ensanguentada que restava em seu corpo, expondo ainda mais ferimentos espalhados por sua pele.
— Você é um verdadeiro imã para problemas, não é? — murmurou, trabalhando com mãos ágeis e experientes.
Moendo algumas ervas com os dedos, preparou uma pasta medicinal e a aplicou sobre os cortes mais graves, antes de cobri-los com bandagens limpas. Quando pressionou um dos ferimentos perto da costela, o guerreiro se mexeu levemente, soltando um grunhido de dor.
Helena franziu a testa. Ele estava começando a reagir.
Sabia que, quando acordasse, a dor seria insuportável. Com um suspiro resignado, pegou o pequeno frasco de leite de papoula e abriu a tampa, aproximando-o dos lábios dele.
— Sei que provavelmente vai odiar isso, mas precisa dormir um pouco mais — sussurrou, inclinando levemente a cabeça dele e despejando algumas gotas do líquido amargo em sua boca.
O guerreiro engoliu instintivamente, embora franzisse a testa, como se sua consciência tentasse lutar contra a substância. Helena o observou por um momento, esperando que o efeito calmante do medicamento fizesse efeito.
Se tudo corresse bem, ele permaneceria inconsciente por tempo suficiente para que ela terminasse de cuidar de seus ferimentos sem mais interrupções.
Respirando fundo, limpou as mãos e continuou seu trabalho. Ainda havia muito a ser feito, e algo lhe dizia que sua vida não voltaria à tranquilidade tão cedo.
Helena trabalhou em silêncio, focada em terminar os cuidados antes que a noite caísse por completo. Depois de enfaixar os ferimentos, pegou um pano limpo e umedecido e começou a limpar o restante do corpo do guerreiro.
Não poderia dar-lhe um banho, mas ao menos tiraria o suor, o sangue seco e a poeira da estrada. Passou o pano com delicadeza sobre seu peito forte e marcado por cicatrizes antigas, deslizou pelos braços musculosos e cuidou para limpar cada ferida com o máximo de atenção.
Quando chegou à linha do abdômen, hesitou.
Seu rosto esquentou ao perceber que precisava verificar se havia mais ferimentos abaixo da cintura. Respirou fundo, tentando afastar qualquer constrangimento. Era uma curandeira, e isso era apenas parte do trabalho. Com dedos ágeis, correu os olhos por ali rapidamente, constatando que não havia ferimentos graves—apenas alguns hematomas que sumiriam com o tempo.
Satisfeita, molhou outro pano com água morna e limpou qualquer resquício de sujeira no corpo dele. No fim, sentia-se exausta, mas o homem já não parecia mais tão miserável quanto quando chegou.
Ergueu-se e esticou os braços doloridos antes de pegar um cobertor de lã e cobri-lo. As noites eram frias na floresta, e apesar do tamanho imponente dele, um corpo debilitado poderia facilmente sucumbir ao frio.
— Pelo menos agora você não vai congelar — murmurou, ajeitando a manta sobre ele.
Olhou pela janela. O céu já escurecia, tingido de tons azulados e violetas. A floresta ao redor da cabana ganhava um aspecto sombrio à medida que a luz desaparecia, e Helena sentiu o velho temor familiar apertar seu peito.
Foi até a porta e começou a trancar tudo. Primeiro a tranca de madeira, depois a barra pesada que reforçava a entrada e, por fim, os pequenos ferrolhos adicionais que instalara ao longo dos anos. Sua cabana era uma fortaleza em miniatura—não por causa das feras da floresta, mas por causa das pessoas do vilarejo.
Eles a temiam, e ela nunca soube até onde o medo poderia levá-los.
Com tudo devidamente fechado, apagou a maioria das velas, deixando apenas uma pequena chama tremulando na mesa.
Deitou-se em sua cama, um pouco afastada do guerreiro inconsciente, mas ainda próxima o suficiente para ouvir qualquer movimento.
O silêncio da cabana era profundo, interrompido apenas pelo crepitar fraco da lareira e pela respiração lenta e pesada do homem.
Fechou os olhos, exausta. Amanhã, ele acordaria.
E então, sua vida poderia mudar para sempre.
Helena acordou com um sobressalto ao ouvir um gemido grave e raivoso preencher a cabana. Antes que pudesse reagir, um grito ecoou pelo cômodo.— O que diabos você fez comigo?! — a voz do guerreiro saiu carregada de fúria. Ele tentou se mexer, mas seu corpo recusava-se a obedecer. — Meu corpo…! Eu não consigo me mover! O que você fez, maldita bruxa?!Os olhos dele ardiam com uma mistura de ódio e desespero. Helena cruzou os braços e ergueu uma sobrancelha, impassível.— Leite de papoula — respondeu, com um sorriso sarcástico. — Você estava choramingando de dor, achei que um grande guerreiro como você não fosse tão sensível.Ele rosnou, os músculos se retesando apesar da dormência.— Veneno. Você me envenenou.Helena soltou uma risada curta, sacudindo a cabeça.— Sim, claro. Minha estratégia brilhante foi arrastar um homem do tamanho de um cavalo para dentro da minha casa, limpar seu sangue imundo do meu chão e depois matá-lo lentamente. Faz todo o sentido.Os olhos do guerreiro se estr
O fogão era simples, construído em pedra e argila, com um espaço para acomodar a lenha que mantinha o fogo aceso. Pequenas rachaduras nas laterais testemunhavam os anos de uso, mas ainda cumpria bem seu papel. Acima dele, uma grade de ferro envelhecido servia de suporte para panelas e chaleiras. O calor irradiava do braseiro, iluminando o ambiente com um brilho alaranjado e lançando sombras dançantes pelas paredes da cabana.Helena mexeu o mingau mais uma vez, apenas por hábito, antes de se virar. Seu olhar pousou no guerreiro ainda estirado no colchão improvisado. O cenho dela se franziu.Ele continuava deitado, a expressão fechada e tensa. Foi então que se deu conta: ele não conseguia se mexer. O leite de papoula ainda fazia efeito, impedindo que seu corpo respondesse como deveria.Helena bufou, cruzando os braços.— Então você vai me dar trabalho até para comer? — resmungou, sem esconder a irritação.O guerreiro lançou-lhe um olhar carregado de fúria e constrangimento, mas nada dis
Tristan despertou lentamente, o peso da inconsciência se esvaindo conforme seus sentidos voltavam a funcionar. O primeiro sinal de que algo estava diferente foi a dor. Ainda estava lá, mas não era mais esmagadora. Seus músculos, antes inertes, agora formigavam com um incômodo suportável.Ele piscou algumas vezes, os olhos ajustando-se à luz fraca do interior da cabana. Virou a cabeça devagar e percebeu que estava sozinho. A bruxa não estava ali.Inspirou fundo e tentou se mover. Para sua surpresa, conseguiu. Seu corpo ainda estava rígido e dolorido, mas já não estava paralisado. Com um gemido baixo, empurrou-se para uma posição semi-sentada, apoiando-se no cotovelo.Foi então que observou ao redor.A cabana era pequena, absurdamente pequena para alguém de seu tamanho. Tudo estava no mesmo cômodo—cama, mesa, lareira, prateleiras improvisadas abarrotadas de potes de barro e ervas secas. O cheiro de terra, fumaça e alguma mistura de ervas desconhecidas impregnava o ar.Ele franziu o cenh
Helena estava sentada em seu pequeno sofá improvisado, feito de fardos de palha cobertos com um tecido grosso, costurado por suas próprias mãos. O móvel era simples, mas servia ao seu propósito.Seus dedos tamborilavam sobre a coxa enquanto olhava para a porta, preocupada.Horas haviam se passado. O sol já começava a se despedir no horizonte, tingindo o céu com tons alaranjados. O guerreiro ingrato foi embora sem dizer nada. E se estivesse ferido? E se tivesse caído morto em algum lugar da floresta?Ela suspirou, balançando a cabeça.— Que morra, então — murmurou para si mesma.Antes que pudesse aprofundar-se no pensamento, a porta foi aberta com um baque forte.Helena sobressaltou-se.Tristan surgiu na soleira, sujo de sangue e carregando uma quantidade absurda de carne crua em suas mãos. O cheiro ferroso do sangue fresco preencheu o ar enquanto ele caminhava até a mesa e, sem cerimônia, jogava tudo ali com um baque úmido.— Cozinhe, mulher.Helena piscou.Depois piscou de novo.Depo
O toque era suave, meticuloso. Helena deslizava os dedos ágeis sobre a pele dele, trocando as ataduras com o mesmo cuidado que dedicava aos seus animais. Tristan observava em silêncio, os olhos fixos no rosto dela, no pequeno vinco entre suas sobrancelhas enquanto se concentrava no que fazia.Ele deveria estar aliviado que a dor estivesse diminuindo, que os ferimentos estivessem cicatrizando bem, mas, por alguma razão, sentiu um aperto estranho no peito ao perceber que a rotina estava chegando ao fim. Logo, não haveria mais bandagens para trocar. Logo, ela não teria mais motivos para tocá-lo.Helena umedeceu um pano e passou delicadamente sobre um corte mais recente, arrancando um suspiro baixo dele.— Está doendo? — ela perguntou, sem erguer os olhos.— Não.Era mentira. Mas não pela dor do ferimento.Ele deveria desviar o olhar, deveria fingir que nada disso o afetava. Mas era difícil ignorar a maneira como os lábios dela se franziam levemente enquanto examinava o corte, o jeito com
A porta se abriu de repente, batendo contra a parede com um rangido alto. Tristan se virou, já pronto para soltar um resmungo furioso, mas a visão diante dele o fez congelar.Helena estava ali, ensopada dos pés à cabeça. Seus cabelos grudavam no rosto, e a roupa fina colava-se à pele, deixando claro que a chuva não tivera piedade. Mesmo assim, ela sorria. Um daqueles sorrisos serenos que sempre o irritavam.— Consegui boas ervas — anunciou, levantando um pequeno embrulho de pano, como se aquilo explicasse tudo.Tristan estreitou os olhos.— Você está pingando.— Descobriu isso sozinho, brutamontes? — Ela arqueou uma sobrancelha, tirando a capa encharcada e pendurando-a perto da lareira. — Eu também cobri o curral. Os animais estão secos.Tristan cruzou os braços.— Você quase se afogou na tempestade por causa de algumas ervas e de um monte de bichos?Helena revirou os olhos, como se ele estivesse falando algo completamente absurdo.— Eles não podem cuidar de si mesmos. E as ervas não
Tristan acordou antes do sol nascer, um hábito que a guerra gravou em seus ossos. O silêncio dentro da cabana era profundo, apenas quebrado pelo crepitar fraco das brasas na lareira.Virou-se e seus olhos pousaram sobre a pequena bruxa.Helena dormia profundamente, o rosto pálido contra as peles que ele jogara sobre ela na noite anterior. Seu nariz ainda estava avermelhado, e seus lábios entreabertos deixavam escapar uma respiração ligeiramente rouca.Ele franziu o cenho.Frágil demais.Isso o incomodava mais do que deveria.Tristan suspirou, passando a mão pelo rosto. Sentia fome, e sabia que ela também sentir
Já fazia uma lua desde que Tristan chegara à cabana.No início, ele era apenas um guerreiro ferido, bruto e desconfiado, e ela, a bruxa teimosa e irritante que o tratava sem pedir nada em troca. Mas, com o passar dos dias, as provocações entre eles haviam se tornado parte da rotina. Ele resmungava sobre a comida, e ela retrucava que ele era um ingrato. Ela o chamava de brutamontes, e ele respondia chamando-a de bruxa.Só que agora... agora não parecia mais uma afronta.Helena estava no pequeno sofá improvisado, feito de troncos cobertos por peles costuradas à mão. A chaleira de ferro chiava no fogão, espalhando um aroma de ervas pela cabana. Seus dedos apertavam distraidamente um pedaço de linha solta no tecido do vestido enquanto su