No silêncio da noite, fui acordada por gritos e soluços angustiantes.Ainda tentando entender o que estava acontecendo, ouvi a porta do meu quarto ser escancarada com violência.Renata invadiu o quarto, chorando descontroladamente. Antes que eu pudesse reagir, senti a mão dela estalar contra meu rosto, uma, duas, várias vezes.— Como você teve coragem de fazer isso? Já não bastava machucá-la de dia, agora quer matar a Isabela também? — Renata se jogou no colo do meu pai, soluçando, enquanto gritava. — Ela sabia que a Isabela é alérgica a pêssego e, mesmo assim, colocou suco de pêssego no travesseiro e no colchão! Isso foi de propósito, ela queria matar a nossa filha!— Chega, Renata, não precisa chorar assim. Ainda bem que a Isabela tomou o remédio e está fora de perigo. — Meu pai tentou acalmá-la, mas enquanto falava, seu olhar para mim era frio, cheio de desprezo. — Mariana, não tem mais como. Você só traz problemas para essa casa. Amanhã mesmo vai embora.Renata imediatamente parou
Ainda faltavam as lembranças que Eduardo me deu ao longo dos anos.Havia brincadeiras bobas, como chaveiros e pelúcias, mas também joias caras, presentes valiosos.Separei os mais caros, pedi à minha melhor amiga que os guardasse. Depois que eu deixasse Bela Vista, ela os devolveria a Eduardo por mim. Assim, terminaríamos de vez.Os presentes simples, que antes eu guardava com tanto carinho, agora só me traziam indiferença.Joguei todos numa caixa e os levei para o lixo.Era esquisito. Aqueles pequenos objetos que um dia foram tão importantes já não me causavam nada. Nem dor, nem saudade. Apenas vazio.Quando terminei, embalei cuidadosamente o retrato da minha mãe, o colocando com segurança na mala.Depois disso, saí daquela casa, sem olhar para trás.Mal tinha atravessado o portão quando vi o carro de Eduardo se aproximar.Continuei andando, ignorando o veículo, mas ele parou ao meu lado.A janela de trás foi abaixada, e o rosto de Eduardo apareceu. Era tão elegante, tão intocável com
Eduardo nunca acreditou que eu seria capaz de deixá-lo. Afinal, por mais que eu sofresse, sempre estava lá, esperando pacientemente, pronta para perdoar suas falhas.Ele se acostumou com isso.Todos ao seu redor diziam que eu jamais conseguiria deixá-lo. E talvez, por muito tempo, isso fosse verdade.Mas agora, enquanto eu me esforçava para puxar duas malas pesadas, não olhei para trás nem por um segundo.Enquanto eu arrastava as malas para ir embora, a voz doce de Isabela ecoou.— Edu, que bom que você chegou!Ela correu até ele, segurando seu braço com uma intimidade que fazia questão de exibir.— Você está melhor? A alergia passou? — Eduardo perguntou ajeitando os fios de cabelo que caíam sobre o rosto dela, a examinando com atenção quase exagerada.— Sim, estou bem melhor agora. — Isabela respondeu com um sorriso largo, os olhos brilhando de alegria. — Edu, por favor, não fique bravo com a Mariana. — Enquanto falava, balançava delicadamente o braço dele, como se fosse uma criança
Já era mais de sete da noite, e ainda não havia se ouvia nenhum anúncio sobre o início da festa de aniversário.Eduardo permanecia no sofá, com os dedos brincando distraidamente com um isqueiro, a mente claramente distante.De vez em quanto, ele levantava o pulso para olhar a hora, ou então desbloqueava o celular, apenas para bloqueá-lo novamente.Isabela, com um olhar preocupado, puxou delicadamente a manga de sua camisa, mordendo o lábio.— Edu, está ficando tarde, todo mundo já está com fome.Ele olhou para ela com um sorriso que não chegava a tocar seus olhos, como se a expressão fosse apenas uma formalidade.— Você está com fome, né? — Disse ele, brincando, enquanto apertava a bochecha de Isabela.— Eu estou morrendo de fome, mal posso esperar pelo bolo.Isabela se aproximou dele, com a cabeça repousando suavemente sobre seu ombro.Eduardo sentiu um perfume familiar, um aroma suave que, de alguma forma, parecia cortar o ar de forma inesperada.Ele parou por um segundo, surpreso, e
Assim que cheguei na nova cidade, não fui procurar Gael imediatamente.Minha prioridade foi encontrar Lina, minha melhor amiga da época de faculdade.Eu queria dividir aquele segredo com ela, mas ainda não tinha pensado em como contar.O que eu não esperava era cruzar com Gael logo no jantar de boas-vindas que Lina organizou.Ele estava parado na entrada da sala reservada, impecável em um terno preto, com o casaco no braço.As luzes suaves do corredor iluminavam os murais vibrantes atrás dele, criando um contraste de sombras e reflexos quase artísticos.Gael permanecia fora daquele jogo de luz, mas, de alguma forma, parecia que todo o ambiente girava em torno dele.Fazia anos que não o via. Ele parecia ainda mais bonito do que na época da faculdade, e agora exalava uma confiança madura que antes não tinha.Mas o que mais me desconcertava era a realidade que se impunha. Ele não era apenas um conhecido do passado. Ele era o meu noivo.Meu rosto ficou quente no mesmo instante. Desviei o o
— Mariana, quanto tempo. — Disse Gael, me olhando profundamente antes de erguer a taça para brindar comigo.Tomei um gole pequeno do vinho, sentindo o sabor forte e marcante, e me sentei novamente, tentando disfarçar o nervosismo.Mas Lina, com seu jeito curioso, puxou minha manga e me lançou um olhar significativo.— Vocês dois estão diferentes, viu, querida.— Di-diferentes como? — Perguntei, desviando o olhar.— Desde que Gael chegou, os olhos dele não saíram do seu rosto, está achando que eu não percebi?— Você está vendo coisa, Lina.— Querida, fica tranquila. Eu sou uma detetive nata, está no meu DNA. Se tem algo rolando entre homem e mulher, eu sinto de longe!Pressionei os lábios, tentando não demonstrar nada, mas meu coração batia descompassado, quase saindo do ritmo.Depois da formatura, voltei para Bela Vista com o Eduardo. Desde então, nunca mais encontrei Gael pessoalmente. O máximo que trocamos foram mensagens de felicitações em datas comemorativas.Tudo mudou há pouco te
Quando a reunião terminou, desci e esperei Gael no saguão.Foi então que recebi uma ligação de um amigo lá de Bela Vista.— Mari, por onde você anda esses dias? A gente não te vê faz um tempo.— Estava resolvendo umas coisas pessoais.— Ah, então vem encontrar a gente hoje à noite!Dei uma risadinha.— Hoje não vai dar. Vocês aproveitem por mim.— Espera, Mari, não desliga ainda. Olha, na verdade, é o Eduardo... Ele não está bem hoje, ficou bêbado, ninguém consegue fazer ele parar de beber. Dá uma força, vai? Se ele continuar assim, vai acabar com outra crise de gastrite.— Por que vocês não ligam pra Isabela?— Ele acabou de mandar a Isabela embora, Mari. Dá pra ver na cara dele que ele ainda pensa em você. Ele está arrependido.— Tiago, chega. Eu e o Eduardo terminamos. Não tem mais nada entre a gente. — Segurei o celular com firmeza, mantendo a voz tranquila. — E, por favor, não me procurem mais por causa dele.Mal terminei de falar, ouvi uma confusão do outro lado da linha. Parecia
— Gael... — Chamei.— Não é um sonho, é você, Mari. Você é a Mariana, não é? — Murmurou Gael.De repente, Gael segurou meu rosto com as duas mãos.A proximidade era tamanha que até nossas respirações pareciam se enroscar, perdidas no espaço entre nós.Seus olhos, pesados pelo álcool, refletiam um turbilhão de emoções. Havia confusão, incredulidade, um leve toque de amargura e algo mais profundo que eu não conseguia decifrar.Meu coração apertou, como se alguém o tivesse espremido na palma da mão. Era uma dor silenciosa, misturada com uma estranha melancolia.— Gael, você não está sonhando. Sou eu. Sou a Mariana...Antes que eu pudesse terminar a frase, senti o calor dos lábios dele tocar os meus.Foi um beijo leve, suave, quase como uma brisa. A delicadeza daquele momento parecia se gravar em cada fibra do meu ser.Quando finalmente percebi o que tinha acontecido, Gael já havia recuado.Pelo reflexo em seu rosto, percebi que ele notou meu desconcerto e o medo evidente em meus olhos.El