Às seis da manhã, no romper da aurora, ela levantou com os olhos inchados e a cabeça doendo. Nas poucas horas que adormeceu, teve terríveis pesadelos. Após realizar sua higiene matinal, desceu com a alma oprimida pela amargura e pela vergonha. Disposta a revelar a verdade para o irmão, dirigiu-se à mesa de jantar onde o irmão se encontrava com mãe. “Bom dia!” Ela cumprimentou abatida com lágrimas genuínas escorrendo pelo canto dos olhos. Dona Quitéria se levantou e abraçou a filha com preocupação.“Bibiana, o que aconteceu? Por que acordou assim, filha?”Raul também se levantou preocupado com a irmã. Ela secou os olhos com a manga do casaco e murmurou:“Irmão, preciso falar com você.” “Pode falar, o que aconteceu?” “É uma história longa e delicada, pode ser no seu escritório?”“Bibiana, agora preciso ir à fazenda da família de Felícia. Podemos conversar quando eu voltar?” “Não, é sobre a morte do seu filho. Você precisa me escutar antes de conversar com Felícia.”
Antes do almoço, Raul chegou na fazenda Bela Vista. Ainda caiam fortes pancadas de chuva quando ele se aproximou e estacionou em frente à casa grande.Dionísio, que estava no estábulo, ouviu o barulho do ronco do motor e se apressou para ver de quem se tratava.Ao se deparar com o cunhado, ele não o cumprimentou. Chegou perto e interrogou em tom elevado:“Veio buscar sua mulher ou tomar nossa fazenda?” Raul desceu de sua caminhonete com guarda-chuva e respondeu calmo, porém com um nó na garganta:“Dionísio, meus pêsames pelo seu pai, sinto muito pelo que aconteceu. Hoje vim apenas conversar, será que podemos sentar?”“Não posso sentar, tenho muita coisa para fazer. Mas você pode me acompanhar até o estábulo, se quiser.”Raul o acompanhou.No estábulo, ele reparou no cavalo que deu de presente ao sogro. Haviam, também, três vacas magras, um bezerro e algumas ovelhas.“Onde estão os outros animais?”“Não temos animais, perdemos boa parte com a seca. Outra grande parte meu pai
“Fui um estúpido, eu sinto muito.” Em um clima tenso de revelações e ressentimentos, ela deitou na cama e não quis falar mais nada. Ele insistia, na tentativa de convencê-la:“Lembra quando eu prometi comprar uma casa para vivermos juntos na capital? É o que eu quero fazer agora. Vamos embora para a capital viver só nos dois, sem ninguém para tirar nossa paz.”“Eu perdi minha dignidade com esse casamento, sendo uma mulher submissa, oprimida e sofrendo humilhações. Acabou, Raul, meu pai pagou com a própria vida a dívida dele. Não existe mais nada que nos prenda.” Ele chegou perto dela e disse com serenidade: “Tem sim, esse filho que está no seu ventre. Ele será nosso porto seguro.”Felícia sentiu arrepios. Como ele descobriu seu segredo? Ela levantou rapidamente e disse alterada: “Eu não estou grávida, você está equivocado.”“Olha o tamanho dessa barriga, eu conheço o seu corpo. Aí tem um filho meu.”Ela colocou as mãos na cabeça com um semblante de desilusão e os olhos
Felícia desceu para conversar com o irmão e o marido e encontrou os dois na sala tomando café. “Dionísio, quero passar mais alguns dias aqui. Minha mãe ainda está debilitada por conta da perda do nosso pai, quero cuidar dela.”“Tudo bem, amanhã você vai embora então.”“Não, em três dias. Essa casa também é minha, eu tenho o direito de ficar aqui o tempo que eu quiser cuidando da minha mãe.” “Você não tem nada aqui, Felícia. Deixa de ser tola. Você ainda tem sorte de seu marido te aceitar de volta”, ele falou isso na presença do cunhado. Ela ignorou o irmão e se dirigiu ao marido com o semblante triste:“Volte na quarta-feira para me buscar.”Ele concordou acenando com a cabeça. Ela subiu as escadas, sem se despedir.Felícia voltou para o quarto e entregou um bolo de dinheiro para a mãe. “Isso é para ajudar nos custos do funeral do meu pai.” “Tem muito dinheiro aqui, Felícia.”“Não tem problema, mãe. Sei que a situação aqui não está nada bem. Vou tentar enviar mais dinheiro até os
Durante o percurso, ela acordou e se deu conta que estava chegando na capital. “Aonde estamos indo?” “Estou cumprindo minha promessa. A partir de hoje, vamos morar na capital. Quero criar nossos filhos lá.” Ele levou Felícia até um hotel modesto. Ela se aconchegou na cama e permaneceu quieta até a hora do almoço enquanto ele pesquisava no jornal uma casa para comprar. A todo momento, Raul manteve uma postura respeitosa. Tentou não incomodar a mulher até a hora do almoço. “Você não tomou café da manhã, precisa se alimentar agora que está gestando nosso filho. Pedi que trouxessem uma refeição nutritiva e saborosa. Por favor, levante-se e coma um pouco.” Ela levantou, não porque ele pediu, mas porque realmente estava com fome. Eles almoçavam em silêncio. Felícia saboreava sua comida vagarosamente até o marido quebrar silêncio e puxar assunto: “Você precisa passar no médico, amanhã vou marcar sua consulta.” Após uma pausa, ela respondeu baixinho: “Para quê? Você quer te
“De qualquer forma, você precisa ir ao médico. Precisa iniciar os exames e tomar vitaminas. À tarde a gente pode passar numa clínica aqui perto.” “Faça como desejar”, disse ela. Logo se virou e dormiu novamente. Após o almoço, o casal foi ao médico.Felícia passou por consulta com um obstetra e realizou exames pré-natais.“Parabéns, você está com dezoito semanas de gestação. O bebê está esperto, crescido e saudável. Vou prescrever algumas vitaminas e exames. Retornem em um mês!”, orientou o médico.Após a consulta médica, o casal foi conhecer a casa nova. Felícia estava apática, sem interesse e sonolenta. Conheceu seu novo lar sem explorar os espaços e sem empolgação alguma. Os móveis estavam chegando. Raul também contratou uma empresa especialista em reforma e decoração.“Na próxima semana estará tudo pronto e daí podemos nos mudar”, disse ele se esforçando para animar a mulher. Retornando ao hotel, Felícia tomou um banho. Durante o jantar, ela conversou com o marido:“V
Numa segunda-feira, dia do marido retornar para casa, Felícia e a mãe, como sempre, aguardavam Raul. Elas prepararam o almoço e depois o jantar, porém ele não retornou e nem ligou. Na quinta-feira, na mesa do café da manhã, elas conversavam sobre ausência de Raul: “Ele deve ter se cansado de mim e arranjado outra mulher, deve ser isso.” “Não diga isso, Felícia, ele estava quase louco por você. Alguma coisa deve ter acontecido e você deveria estar preocupada.” “Não aconteceu nada, mãe. Você não sabe como funciona aquele povo do interior? As notícias ruins correm ligeiras, se tivesse acontecido algo todo mundo estaria sabendo.” “Por que você não tenta ligar lá?” “Não, jamais. Não quero que eles pensem que eu estou preocupada, quero ficar bem longe daquela família.” “Ele deve estar em apuros, filha, aposto que não iria te deixar sem notícias.” “Não me importo, ele sabe que estou grávida. Queria muito que ele ficasse de vez na fazenda, bem longe de mim e do meu filho.”
“Sim, vá e veja se ela precisa de alguma coisa, filha.”Felícia saiu de casa aflita e cheia de expectativas. Chegou na recepção e procurou o quarto do marido. Subiu as escadas quase correndo, mesmo com uma barriga de sete meses. Adentrou o quarto e encontrou a sogra rezando ao lado do filho. Ela se aproximou e olhou para o corpo do homem despojado na cama com uma coberta fina vestido com uma bata de hospital.Ele parecia estar dormindo, magro e debilitado. Dona Quitéria levantou e deu um abraço afetuoso na nora, as duas choraram. “Felícia, minha querida, que barrigão! Que felicidade em te ver.”“Como está Raul, Dona Quitéria? Somente hoje que descobri o que aconteceu, demoraram muito para me avisar.”“Filha, que bom que você veio. Precisamos conversar, aconteceram muitas coisas desde a última vez que Raul foi à fazenda.”“Eu sei, fiquei sabendo de alguns informações.”“Já estamos aqui há uma semana.”“Minha nossa senhora, e como ele está?” “Está em coma profundo, ele não acorda”,