“De qualquer forma, você precisa ir ao médico. Precisa iniciar os exames e tomar vitaminas. À tarde a gente pode passar numa clínica aqui perto.” “Faça como desejar”, disse ela. Logo se virou e dormiu novamente. Após o almoço, o casal foi ao médico.Felícia passou por consulta com um obstetra e realizou exames pré-natais.“Parabéns, você está com dezoito semanas de gestação. O bebê está esperto, crescido e saudável. Vou prescrever algumas vitaminas e exames. Retornem em um mês!”, orientou o médico.Após a consulta médica, o casal foi conhecer a casa nova. Felícia estava apática, sem interesse e sonolenta. Conheceu seu novo lar sem explorar os espaços e sem empolgação alguma. Os móveis estavam chegando. Raul também contratou uma empresa especialista em reforma e decoração.“Na próxima semana estará tudo pronto e daí podemos nos mudar”, disse ele se esforçando para animar a mulher. Retornando ao hotel, Felícia tomou um banho. Durante o jantar, ela conversou com o marido:“V
Numa segunda-feira, dia do marido retornar para casa, Felícia e a mãe, como sempre, aguardavam Raul. Elas prepararam o almoço e depois o jantar, porém ele não retornou e nem ligou. Na quinta-feira, na mesa do café da manhã, elas conversavam sobre ausência de Raul: “Ele deve ter se cansado de mim e arranjado outra mulher, deve ser isso.” “Não diga isso, Felícia, ele estava quase louco por você. Alguma coisa deve ter acontecido e você deveria estar preocupada.” “Não aconteceu nada, mãe. Você não sabe como funciona aquele povo do interior? As notícias ruins correm ligeiras, se tivesse acontecido algo todo mundo estaria sabendo.” “Por que você não tenta ligar lá?” “Não, jamais. Não quero que eles pensem que eu estou preocupada, quero ficar bem longe daquela família.” “Ele deve estar em apuros, filha, aposto que não iria te deixar sem notícias.” “Não me importo, ele sabe que estou grávida. Queria muito que ele ficasse de vez na fazenda, bem longe de mim e do meu filho.”
“Sim, vá e veja se ela precisa de alguma coisa, filha.”Felícia saiu de casa aflita e cheia de expectativas. Chegou na recepção e procurou o quarto do marido. Subiu as escadas quase correndo, mesmo com uma barriga de sete meses. Adentrou o quarto e encontrou a sogra rezando ao lado do filho. Ela se aproximou e olhou para o corpo do homem despojado na cama com uma coberta fina vestido com uma bata de hospital.Ele parecia estar dormindo, magro e debilitado. Dona Quitéria levantou e deu um abraço afetuoso na nora, as duas choraram. “Felícia, minha querida, que barrigão! Que felicidade em te ver.”“Como está Raul, Dona Quitéria? Somente hoje que descobri o que aconteceu, demoraram muito para me avisar.”“Filha, que bom que você veio. Precisamos conversar, aconteceram muitas coisas desde a última vez que Raul foi à fazenda.”“Eu sei, fiquei sabendo de alguns informações.”“Já estamos aqui há uma semana.”“Minha nossa senhora, e como ele está?” “Está em coma profundo, ele não acorda”,
“Ele vai acordar, filha, vai recuperar sua saúde e toda sua fortuna. Você vai ver.” “Ai, mãe, estou agindo por impulso e compaixão. Não aguento ver a situação deles, é muito triste. Espero não me arrepender no futuro.” “Filha, o bem está dentro de nós. É da sua natureza a bondade, mesmo depois de tanto mal que te causaram. Não deixe que as mazelas do passado te tornem uma pessoa amarga. Você tem o seu valor, minha filha, e ninguém tirará isso de você. Admiro tanto seu jeito amoroso e altruísta, você é uma menina de ouro.” Felícia refletia as sábias palavras da mãe. Determinada em fazer a coisa certa, iria ajudar a sogra e o marido. Não porque eles mereciam, mas por que faria o mesmo por qualquer outra a pessoa que necessitasse. No outro dia, ela voltou ao hospital. Felícia conversou com o médico e ele explicou todo o quadro do marido. Ela levou a sogra para morar em sua casa e ficava com ela no hospital para auxiliar nos cuidados com Raul, mesmo estando na fase final da g
Ela repetia constantemente: “Meu filho, você acordou! Meu amor, você acordou!” Correu para perto, abraçou e beijou o filho com vibração. Em seguida, correu para chamar os médicos. Raul foi examinado e foi constatado um estado minimamente consciente. Ele estabelecia interação significativa com a equipe. Dona Quitéria chorava e comemorava enquanto o filho era examinado por uma equipe médica especialista que solicitou exames de imediato. Ela passou o dia interagindo com o filho. Cada hora que passava, Raul respondia mais e mais aos seus estímulos. Apertava sua mão, abria os olhos e até tentava falar... Tentou proferir algumas palavras, porém o som não saiu e ele se mostrou desorientado e agitado. Já era tarde da noite quando Raul abriu inteiramente os olhos e falou baixinho com a voz fraca e rouca: “Estou com sede.” Dona Quitéria sentia uma felicidade infinita com o despertar do filho. Pegou um copo de água, levantou a sua cabeça e ajudou ele a beber um pouco. Ele o
À noite, novamente Raul insistiu e abordou a mãe sobre o incidente que lhe deixou tanto tempo em coma: “Mãe, você precisa me falar o que aconteceu e como vim parar aqui. Já estou preparado para ouvir.” “Tudo bem, filho, conversei com os médicos e eles concordaram que eu lhe falasse os fatos.” Dona Quitéria sentou junto do filho e contou todos os detalhes de seu acidente. Contou, também, que eles tinham perdido a fazenda e todo o dinheiro, sua riqueza estava sob posse da justiça. Ele reagiu com revolta, sentiu-se nervoso e agitado com a notícia de ter perdido todo seu patrimônio. “Raul, se acalme, isso pode desestabilizar seu estado de saúde.” Ele se aquietou, mirou o teto e ficou em silêncio com desgosto. “Raul, meu filho, onde está o testamento que o advogado do seu pai te entregou? Onde você colocou aquele documento?” “Não sei, mãe, eu não lembro.” “Reviramos a casa grande e não encontramos”, disse Dona Quitéria. “Mas não se preocupe, Doutor Damião garan
“Não fique triste, ainda não terminei. Seu caso não é tão grave assim. Revisei seus exames com alguns colegas e chegamos à conclusão que sua situação é reversível por meio de uma intervenção cirúrgica. Mas, infelizmente, trata-se de uma cirurgia cara e delicada que não é coberta pelo sistema público de saúde. Conheço um colega que pode lhe operar, ele estará aqui hoje.”Dona Quitéria se adiantou:“Doutor, eu agradeço pelos esforços. Vamos arranjar o dinheiro e providenciar essa cirurgia de imediato. Peça para seu amigo avaliar o meu filho.”“Certo, vou conversar com ele.”O médico se retirou e Raul questionou: “De onde vamos tirar esse dinheiro, mãe?”“Você vai lembrar onde enfiou esse testamento, filho, estou rezando para isso. Até fiz uma novena para Santa Rita.” Ele estava imóvel. Sentia um peso na alma, um aperto no peito, sem querer aceitar sua realidade. No domingo de manhã, Felícia retornou para o hospital. Foi levar o filho, Antônio, para conhecer o pai. Dona Quitéria a es
Ela sentiu uma pontada de rejeição, a mesma que a afetava quando vivera na fazenda.Retirou-se com o filho, sem entender a mudança de humor do marido. “Raul, por que você falou daquele jeito com Felícia? Ela está te ajudando.”“Mãe, não quero ela aqui. Não quero que me veja nessas condições e sinta pena de mim.”Em casa, Felícia atualizou a mãe sobre a situação do marido e a rejeição que sofreu.“Mãe, ele é um ingrato. Pedi para ficar com ele para Dona Quitéria descansar, coitada! Ela ficou três dias no hospital. E ele não aceitou.”“Felícia, entenda, seu marido deve estar devastado e envergonhado. Ele perdeu tudo, se coloque no lugar dele, filha! Era um homem poderoso e cheio de saúde, que, quando acorda de um coma, descobre que está arruinado.”“Não, mãe, ele continua o mesmo. Orgulhoso, arrogante e soberbo. Vou esperar ele se recuperar para procurar o rumo dele. Não vou continuar na mesma vida de antes.”“Tenha paciência, filha, tudo irá se resolver. Ele deve mudar com o c