“Ele vai acordar, filha, vai recuperar sua saúde e toda sua fortuna. Você vai ver.” “Ai, mãe, estou agindo por impulso e compaixão. Não aguento ver a situação deles, é muito triste. Espero não me arrepender no futuro.” “Filha, o bem está dentro de nós. É da sua natureza a bondade, mesmo depois de tanto mal que te causaram. Não deixe que as mazelas do passado te tornem uma pessoa amarga. Você tem o seu valor, minha filha, e ninguém tirará isso de você. Admiro tanto seu jeito amoroso e altruísta, você é uma menina de ouro.” Felícia refletia as sábias palavras da mãe. Determinada em fazer a coisa certa, iria ajudar a sogra e o marido. Não porque eles mereciam, mas por que faria o mesmo por qualquer outra a pessoa que necessitasse. No outro dia, ela voltou ao hospital. Felícia conversou com o médico e ele explicou todo o quadro do marido. Ela levou a sogra para morar em sua casa e ficava com ela no hospital para auxiliar nos cuidados com Raul, mesmo estando na fase final da g
Ela repetia constantemente: “Meu filho, você acordou! Meu amor, você acordou!” Correu para perto, abraçou e beijou o filho com vibração. Em seguida, correu para chamar os médicos. Raul foi examinado e foi constatado um estado minimamente consciente. Ele estabelecia interação significativa com a equipe. Dona Quitéria chorava e comemorava enquanto o filho era examinado por uma equipe médica especialista que solicitou exames de imediato. Ela passou o dia interagindo com o filho. Cada hora que passava, Raul respondia mais e mais aos seus estímulos. Apertava sua mão, abria os olhos e até tentava falar... Tentou proferir algumas palavras, porém o som não saiu e ele se mostrou desorientado e agitado. Já era tarde da noite quando Raul abriu inteiramente os olhos e falou baixinho com a voz fraca e rouca: “Estou com sede.” Dona Quitéria sentia uma felicidade infinita com o despertar do filho. Pegou um copo de água, levantou a sua cabeça e ajudou ele a beber um pouco. Ele o
À noite, novamente Raul insistiu e abordou a mãe sobre o incidente que lhe deixou tanto tempo em coma: “Mãe, você precisa me falar o que aconteceu e como vim parar aqui. Já estou preparado para ouvir.” “Tudo bem, filho, conversei com os médicos e eles concordaram que eu lhe falasse os fatos.” Dona Quitéria sentou junto do filho e contou todos os detalhes de seu acidente. Contou, também, que eles tinham perdido a fazenda e todo o dinheiro, sua riqueza estava sob posse da justiça. Ele reagiu com revolta, sentiu-se nervoso e agitado com a notícia de ter perdido todo seu patrimônio. “Raul, se acalme, isso pode desestabilizar seu estado de saúde.” Ele se aquietou, mirou o teto e ficou em silêncio com desgosto. “Raul, meu filho, onde está o testamento que o advogado do seu pai te entregou? Onde você colocou aquele documento?” “Não sei, mãe, eu não lembro.” “Reviramos a casa grande e não encontramos”, disse Dona Quitéria. “Mas não se preocupe, Doutor Damião garan
“Não fique triste, ainda não terminei. Seu caso não é tão grave assim. Revisei seus exames com alguns colegas e chegamos à conclusão que sua situação é reversível por meio de uma intervenção cirúrgica. Mas, infelizmente, trata-se de uma cirurgia cara e delicada que não é coberta pelo sistema público de saúde. Conheço um colega que pode lhe operar, ele estará aqui hoje.”Dona Quitéria se adiantou:“Doutor, eu agradeço pelos esforços. Vamos arranjar o dinheiro e providenciar essa cirurgia de imediato. Peça para seu amigo avaliar o meu filho.”“Certo, vou conversar com ele.”O médico se retirou e Raul questionou: “De onde vamos tirar esse dinheiro, mãe?”“Você vai lembrar onde enfiou esse testamento, filho, estou rezando para isso. Até fiz uma novena para Santa Rita.” Ele estava imóvel. Sentia um peso na alma, um aperto no peito, sem querer aceitar sua realidade. No domingo de manhã, Felícia retornou para o hospital. Foi levar o filho, Antônio, para conhecer o pai. Dona Quitéria a es
Ela sentiu uma pontada de rejeição, a mesma que a afetava quando vivera na fazenda.Retirou-se com o filho, sem entender a mudança de humor do marido. “Raul, por que você falou daquele jeito com Felícia? Ela está te ajudando.”“Mãe, não quero ela aqui. Não quero que me veja nessas condições e sinta pena de mim.”Em casa, Felícia atualizou a mãe sobre a situação do marido e a rejeição que sofreu.“Mãe, ele é um ingrato. Pedi para ficar com ele para Dona Quitéria descansar, coitada! Ela ficou três dias no hospital. E ele não aceitou.”“Felícia, entenda, seu marido deve estar devastado e envergonhado. Ele perdeu tudo, se coloque no lugar dele, filha! Era um homem poderoso e cheio de saúde, que, quando acorda de um coma, descobre que está arruinado.”“Não, mãe, ele continua o mesmo. Orgulhoso, arrogante e soberbo. Vou esperar ele se recuperar para procurar o rumo dele. Não vou continuar na mesma vida de antes.”“Tenha paciência, filha, tudo irá se resolver. Ele deve mudar com o c
Nos dias de recuperação que sucederam a cirurgia, Raul fazia fisioterapia e exames que constataram o bom êxito da cirurgia. Ele voltou a sentir novamente os movimentos dos membros inferiores e até chegou a dar alguns passos. Na segunda-feira, pela manhã, o médico compareceu no quarto para passar o boletim médico: “Sr. Trajano, se tudo continuar bem, amanhã mesmo o senhor terá alta e precisará ser acompanhado por um profissional fisioterapeuta.” Mais uma vez Dona Quitéria agradeceu ao médico pelos esforços na cura do seu filho. Finalmente Raul deixou o hospital e Dona Quitéria chamou um táxi. Ele não teve outra alternativa a não ser acompanhar a mãe e voltar a morar com ela, a esposa e a sogra. Chegou em casa com o auxílio de duas muletas. Adentrou observando tudo. Tudo muito limpo e aconchegante, do jeito que ele tinha deixado. Dona Salete, juntamente com a irmã e a filha, preparou uma refeição nutritiva. Felícia estava serena, com o olhar sério e o filho no colo. Permane
“Certo.”Felícia amamentou o filho até ele dormir e o colocou no bercinho. Ela se dirigiu até o quarto do marido e calmamente perguntou:“Você me chamou, Raul?”“Sim, entre e se sente.”Os dois estavam tensos e ansiosos. Ela sentou na outra cama, apoiou as mãos sobre as coxas e cruzou os dedos. Ele estava deitado em uma cama de solteiro com vários travesseiros apoiando o seu tronco. Logo quebrou o clima perguntando:“Como você está?”“Estou bem!” “E sua família, como está depois da morte do seu pai?”“Estão bem. Dionísio está cuidando das coisas na fazenda e minha mãe continua aqui comigo, me ajudando a cuidar do nosso filho.”“Que bom.”Ele mal conseguiu olhar para ela conforme falava:“Preciso saber porque resolveu me ajudar e me recebeu aqui com gentileza depois de tudo o que aconteceu entre a gente. Pois essa casa é sua, está no seu nome.”Ela respondeu segura e sem ressentimentos: “Porque no dia em que nos casamos prometi ser fiel, na alegria e na tristeza, na saúde e na doenç
Ele se encostou na pia conforme conversava com ela. “Estava tentando lembrar, onde estávamos no seu aniversário do ano passado?” “Não se preocupe, mesmo sem saber você me proporcionou uma tarde maravilhosa há exatamente um ano atrás.” “Naquele dia que te encontrei chorando debaixo do pé de jabuticaba?”“Sim, foi um dos nossos melhores momentos juntos.”“Que bom! Se você tivesse me lembrado, teria providenciado um bolo para comemorarmos.”“Já passou e, além disso, sei que sua família não tem apreço em comemorar aniversários, por isso não falei nada. Seu aniversário também passou e eu nem lembrei.” Em clima lisonjeiro e carregado de gentileza, Raul a abordou com outro assunto:“Você mudou tanto! Suas atitudes, seu comportamento e compostura. Você está serena, com jeito de mulher madura. A maternidade te transformou, Felícia. Espero que a gente se entenda logo.” “Aconteceram tantas coisas que fui obrigada a me reinventar.” Ele continuava a elogiá-la:“Sua aparência está muito mais