Felícia desceu para conversar com o irmão e o marido e encontrou os dois na sala tomando café. “Dionísio, quero passar mais alguns dias aqui. Minha mãe ainda está debilitada por conta da perda do nosso pai, quero cuidar dela.”“Tudo bem, amanhã você vai embora então.”“Não, em três dias. Essa casa também é minha, eu tenho o direito de ficar aqui o tempo que eu quiser cuidando da minha mãe.” “Você não tem nada aqui, Felícia. Deixa de ser tola. Você ainda tem sorte de seu marido te aceitar de volta”, ele falou isso na presença do cunhado. Ela ignorou o irmão e se dirigiu ao marido com o semblante triste:“Volte na quarta-feira para me buscar.”Ele concordou acenando com a cabeça. Ela subiu as escadas, sem se despedir.Felícia voltou para o quarto e entregou um bolo de dinheiro para a mãe. “Isso é para ajudar nos custos do funeral do meu pai.” “Tem muito dinheiro aqui, Felícia.”“Não tem problema, mãe. Sei que a situação aqui não está nada bem. Vou tentar enviar mais dinheiro até os
Durante o percurso, ela acordou e se deu conta que estava chegando na capital. “Aonde estamos indo?” “Estou cumprindo minha promessa. A partir de hoje, vamos morar na capital. Quero criar nossos filhos lá.” Ele levou Felícia até um hotel modesto. Ela se aconchegou na cama e permaneceu quieta até a hora do almoço enquanto ele pesquisava no jornal uma casa para comprar. A todo momento, Raul manteve uma postura respeitosa. Tentou não incomodar a mulher até a hora do almoço. “Você não tomou café da manhã, precisa se alimentar agora que está gestando nosso filho. Pedi que trouxessem uma refeição nutritiva e saborosa. Por favor, levante-se e coma um pouco.” Ela levantou, não porque ele pediu, mas porque realmente estava com fome. Eles almoçavam em silêncio. Felícia saboreava sua comida vagarosamente até o marido quebrar silêncio e puxar assunto: “Você precisa passar no médico, amanhã vou marcar sua consulta.” Após uma pausa, ela respondeu baixinho: “Para quê? Você quer te
“De qualquer forma, você precisa ir ao médico. Precisa iniciar os exames e tomar vitaminas. À tarde a gente pode passar numa clínica aqui perto.” “Faça como desejar”, disse ela. Logo se virou e dormiu novamente. Após o almoço, o casal foi ao médico.Felícia passou por consulta com um obstetra e realizou exames pré-natais.“Parabéns, você está com dezoito semanas de gestação. O bebê está esperto, crescido e saudável. Vou prescrever algumas vitaminas e exames. Retornem em um mês!”, orientou o médico.Após a consulta médica, o casal foi conhecer a casa nova. Felícia estava apática, sem interesse e sonolenta. Conheceu seu novo lar sem explorar os espaços e sem empolgação alguma. Os móveis estavam chegando. Raul também contratou uma empresa especialista em reforma e decoração.“Na próxima semana estará tudo pronto e daí podemos nos mudar”, disse ele se esforçando para animar a mulher. Retornando ao hotel, Felícia tomou um banho. Durante o jantar, ela conversou com o marido:“V
Numa segunda-feira, dia do marido retornar para casa, Felícia e a mãe, como sempre, aguardavam Raul. Elas prepararam o almoço e depois o jantar, porém ele não retornou e nem ligou. Na quinta-feira, na mesa do café da manhã, elas conversavam sobre ausência de Raul: “Ele deve ter se cansado de mim e arranjado outra mulher, deve ser isso.” “Não diga isso, Felícia, ele estava quase louco por você. Alguma coisa deve ter acontecido e você deveria estar preocupada.” “Não aconteceu nada, mãe. Você não sabe como funciona aquele povo do interior? As notícias ruins correm ligeiras, se tivesse acontecido algo todo mundo estaria sabendo.” “Por que você não tenta ligar lá?” “Não, jamais. Não quero que eles pensem que eu estou preocupada, quero ficar bem longe daquela família.” “Ele deve estar em apuros, filha, aposto que não iria te deixar sem notícias.” “Não me importo, ele sabe que estou grávida. Queria muito que ele ficasse de vez na fazenda, bem longe de mim e do meu filho.”
“Sim, vá e veja se ela precisa de alguma coisa, filha.”Felícia saiu de casa aflita e cheia de expectativas. Chegou na recepção e procurou o quarto do marido. Subiu as escadas quase correndo, mesmo com uma barriga de sete meses. Adentrou o quarto e encontrou a sogra rezando ao lado do filho. Ela se aproximou e olhou para o corpo do homem despojado na cama com uma coberta fina vestido com uma bata de hospital.Ele parecia estar dormindo, magro e debilitado. Dona Quitéria levantou e deu um abraço afetuoso na nora, as duas choraram. “Felícia, minha querida, que barrigão! Que felicidade em te ver.”“Como está Raul, Dona Quitéria? Somente hoje que descobri o que aconteceu, demoraram muito para me avisar.”“Filha, que bom que você veio. Precisamos conversar, aconteceram muitas coisas desde a última vez que Raul foi à fazenda.”“Eu sei, fiquei sabendo de alguns informações.”“Já estamos aqui há uma semana.”“Minha nossa senhora, e como ele está?” “Está em coma profundo, ele não acorda”,
“Ele vai acordar, filha, vai recuperar sua saúde e toda sua fortuna. Você vai ver.” “Ai, mãe, estou agindo por impulso e compaixão. Não aguento ver a situação deles, é muito triste. Espero não me arrepender no futuro.” “Filha, o bem está dentro de nós. É da sua natureza a bondade, mesmo depois de tanto mal que te causaram. Não deixe que as mazelas do passado te tornem uma pessoa amarga. Você tem o seu valor, minha filha, e ninguém tirará isso de você. Admiro tanto seu jeito amoroso e altruísta, você é uma menina de ouro.” Felícia refletia as sábias palavras da mãe. Determinada em fazer a coisa certa, iria ajudar a sogra e o marido. Não porque eles mereciam, mas por que faria o mesmo por qualquer outra a pessoa que necessitasse. No outro dia, ela voltou ao hospital. Felícia conversou com o médico e ele explicou todo o quadro do marido. Ela levou a sogra para morar em sua casa e ficava com ela no hospital para auxiliar nos cuidados com Raul, mesmo estando na fase final da g
Ela repetia constantemente: “Meu filho, você acordou! Meu amor, você acordou!” Correu para perto, abraçou e beijou o filho com vibração. Em seguida, correu para chamar os médicos. Raul foi examinado e foi constatado um estado minimamente consciente. Ele estabelecia interação significativa com a equipe. Dona Quitéria chorava e comemorava enquanto o filho era examinado por uma equipe médica especialista que solicitou exames de imediato. Ela passou o dia interagindo com o filho. Cada hora que passava, Raul respondia mais e mais aos seus estímulos. Apertava sua mão, abria os olhos e até tentava falar... Tentou proferir algumas palavras, porém o som não saiu e ele se mostrou desorientado e agitado. Já era tarde da noite quando Raul abriu inteiramente os olhos e falou baixinho com a voz fraca e rouca: “Estou com sede.” Dona Quitéria sentia uma felicidade infinita com o despertar do filho. Pegou um copo de água, levantou a sua cabeça e ajudou ele a beber um pouco. Ele o
À noite, novamente Raul insistiu e abordou a mãe sobre o incidente que lhe deixou tanto tempo em coma: “Mãe, você precisa me falar o que aconteceu e como vim parar aqui. Já estou preparado para ouvir.” “Tudo bem, filho, conversei com os médicos e eles concordaram que eu lhe falasse os fatos.” Dona Quitéria sentou junto do filho e contou todos os detalhes de seu acidente. Contou, também, que eles tinham perdido a fazenda e todo o dinheiro, sua riqueza estava sob posse da justiça. Ele reagiu com revolta, sentiu-se nervoso e agitado com a notícia de ter perdido todo seu patrimônio. “Raul, se acalme, isso pode desestabilizar seu estado de saúde.” Ele se aquietou, mirou o teto e ficou em silêncio com desgosto. “Raul, meu filho, onde está o testamento que o advogado do seu pai te entregou? Onde você colocou aquele documento?” “Não sei, mãe, eu não lembro.” “Reviramos a casa grande e não encontramos”, disse Dona Quitéria. “Mas não se preocupe, Doutor Damião garan