Capítulo 10 - Herói
O guarda levou Deirdre para preencher seus papéis de liberação. Mas, antes de terminar, ela perguntou:

― Com licença, você pode me ajudar a fazer uma ligação? ―

― Claro. ―

Ela recitou uma série de números e esperou, mas ninguém atendeu. Intrigado, o guarda que a ajudava pensou em voz alta:

― Parece que este número não pertence a ninguém, senhora. Com quem você estava tentando entrar em contato?

― Ophelia McQuenny. Ela é minha... mãe adotiva. ―

― Mãe adotiva? ― algo naquele nome soava familiar. Ele examinou os relatórios de morte ao lado dele e encontrou esse mesmo nome em um dos papéis.

Deirdre cerrou os punhos nervosamente:

― Então? Ela está bem? Ela mudou de número, certo? Você pode me dar o endereço da casa dela? ―

O guarda trocou um olhar com o colega.

― Por favor, me diga o endereço dela. Eu vou visitá-la ― a mulher acrescentou.

Deirdre pediu aos guardas para ajudá-la a entrar em um ônibus que a levaria para a zona leste de Neve. Foi uma jornada repleta de murmúrios e sussurros, sobre sua aparência, mas Deirdre fingiu ser surda e se segurou na poltrona da frente, ansiosa para reencontrar a mãe.

Brendan falhou em cumprir sua parte na promessa. Ele havia dito que ela só ficaria na prisão por cinco meses, mas todo o calvário tinha custado oito meses, sua visão e uma criança. Mas, enquanto sua mãe estivesse viva, ela poderia suportar qualquer coisa. Ela só precisava focar nisso.

Quando o cobrador avisou que ela tinha chegado onde desejava e ela desembarcou, de repente, ficou sem saber o que fazer. Este ambiente invisível era novo e desconhecido. Ela ouviu atentamente qualquer sinal de que alguém estava passando e estendeu a mão:

― Olá, desculpe-me, mas você pode me... ―

― Ahhh! Que diabos? Saia de cima de mim! ―

Deirdre ouviu um grito de mulher, antes de sentir um tapa em sua mão estendida. O impulso a derrubou e ela caiu na rua. Acariciando seu rosto cheio de cicatrizes, Deirdre cerrou os dentes e ergueu a cabeça, para tentar novamente:

― Desculpe, eu só esperava que você... ―

Mas, mostrar o rosto provocou ainda mais pânico. Um homem que devia estar com a mulher juntou-se à comoção dizendo:

― De onde diabos essa doida escapou?! Saia do caminho, Freddy Krueger. Aproxime-se de nós novamente e eu juro que você não vai gostar nada! ―

Deirdre estava acostumada a ser desprezada, então se levantou e continuou a procurar alguém gentil o suficiente para ajudar. Infelizmente, todos a ignoravam, como se estivesse pedindo esmolas, sem nem ouvir o que ela tinha a dizer. Fora isso, como a cegueira a tinha ensinado a prestar mais atenção em sua audição, conseguia ouvir os sussurros e comentários maldosos, dos passantes, enquanto conversavam entre si:

― O que aconteceu com aquela mulher, ela não deveria estar num hospício? ―

― Olha aquela mendiga, parece que saiu de um filme de zumbi! ―

― Deus, eu juro, se eu estivesse no lugar dela, não seria capaz de aceitar isso. Preferiria tirar minha própria vida! ―

“Tirar a própria vida?” Deirdre baixou os olhos sem vida e mordeu o lábio. Não, ela não podia fazer isso, sua mãe precisava dela. Elas só tinham uma à outra.

Pensando nisso, reuniu toda a sua coragem e tentou novamente. Ela conseguiu chamar a atenção de um pedestre, mas deixando a cabeça abaixada, para evitar chamar a atenção para o rosto:

― Desculpe! Como faço para chegar à Rua Prunus na zona leste, a partir daqui? ― e como estava preocupada que o estranho pudesse achar seu súbito pedido irritante, ela acrescentou ― sou cega, me desculpe. Não consigo chegar lá sozinha.

Sterling Fuller parou no meio do caminho. Seu rosto parecia ter congelado de susto, quando disse:

― Dee? ―

O coração de Deirdre deu um salto:

― Doutor, é você?

Sterling Fuller era um médico que tinha morado na periferia da cidade, por alguns meses. Deirdre tinha sido uma jovem de saúde frágil, então Sterling fazia algumas visitas domiciliares, de vez em quando, sem nunca pedir pagamento. Foi ele quem a ajudou a viver. Ele era o herói dela.

Deirdre nunca imaginou que encontraria o médico, tantos anos depois e o peso emocional de seu reencontro acidental caiu sobre ela, que quase começou a chorar.

Então, Sterling franziu a testa:

― Seus olhos! O que aconteceu com eles? O que... meu Deus! O que aconteceu com você? ―

― Eu... ― ela engasgou. A vida dela era um pesadelo. Ela se lembrou do dano que seu rosto havia sofrido e abaixou a cabeça novamente ― não importa, está tudo no passado. estou aqui para procurar minha mãe. ―

― Você está procurando a Ophelia... ― Sterling olhou para a bolsa que segurava. A urna estava aninhada dentro, junto com uma foto de Ophelia. Ele levava o objeto para casa, para que pudesse, pelo menos, dar à mulher algum lugar de descanso.

Ele moveu seu olhar, com uma pena profunda de Deirdre. A verdade parecia realmente cruel, então, Sterling se viu contando uma mentira:

― Bem, você perdeu o grande momento dela. Ela foi levada para o exterior, por causa de sua condição. ―

― Ela está sendo tratada no exterior? Onde? ―

― Sim! É... na... no Canadá! Veja, não ajudou em nada deixá-la ficar em sua condição atual, então, no momento em que ouvi falar sobre esse neurologista especialista, marquei um voo para levá-la até lá e ver se ela poderia ser tratada. Aconteceu há apenas... quinze dias! ―

― Mesmo? ― Deirdre ficou triste ao saber que não veria a mãe, mas também ficou genuinamente feliz em saber que Ophelia finalmente receberia tratamento adequado ― esta é a melhor notícia de todas! Isso significa que ela poderá falar comigo normalmente quando voltar, certo? ― um sorriso apareceu em seus lábios e ela continuou falando ― mas, me diga, por que você está aqui, Doutor Fuller? ― ela perguntou.

Sterling congelou. Por que ele estava ali? Porque Ophelia não tinha ninguém além de Deirdre e ele, em sua lista de contatos. Ninguém conseguiu falar com Deirdre, então, ele tinha sido chamado, quando encontraram o corpo.

― Ophelia me pediu para que eu fizesse algumas tarefas domésticas para ela, de tempos em tempos. ―

― Entendo, entendo. Obrigada. Você é muito gentil. ― Deirdre mordeu os lábios. Havia algo mais que ela queria dizer, mas abaixou a cabeça, ainda mais, ao perceber que Sterling já devia ter visto seu rosto. Afinal sua aparência também o enojava, não é?

Deirdre não tinha ideia de como ela estava errada. Sterling não se importava nem um pouco. Na verdade, era como se ele não tivesse visto nada.

― Bem, você tem outro lugar para ir? Se não, me acompanhe! Foi ótimo ver você aqui. Deixe-me caminhar com você. ―

Pouco depois de os dois saírem, um Mercedes Maybach prata encostou na frente da casa de Ophelia e, pela janela do veículo, podia-se ver Brendan, de testa franzida, parecendo obviamente exasperado.

― Senhor Brighthall? O que faremos com a casa, agora que a Senhora McQueeny está morta? ― Steven perguntou, timidamente.

― Deus, deixa isso pra lá. Eu não dou a mínima pra esse buraco ― ele retrucou. Mas, um novo pensamento se formou em sua mente e ele acrescentou ― e eu não quero que a notícia da morte de Ophelia vaze, você me ouviu? Não deixe Deirdre saber! ―

― Aquela mulher amava sua mãe, mais do que tudo no mundo. Depois de sua provação na prisão, ouvir sobre a morte de sua mãe a deixaria possuída. ―

― Já estou trabalhando nisso. ―

O temperamento de Brendan se tornou mais ameno, quando perguntou:

― Falta quanto tempo para que ela saia da prisão? Ninguém mais está prestando atenção nela, certo? ―

Houve um brilho nos olhos de Steven, mas logo desapareceu:

― Ela foi libertada hoje. Arranjei alguém para levá-la a outro lugar, para que ela possa começar sua vida, do zero. ―

As sobrancelhas de Brendan estavam franzidas em insatisfação, mas ele reprimiu sua raiva no final:

― Está bem. É melhor assim, de qualquer maneira. Vamos esperar até que a coisa de Ophelia, termine antes de trazê-la de volta para cá. O bebê já deve ter nascido, uma hora dessas. ―

Com base no que ele lembrava sobre ela, Deirdre tentaria voltar para o lado dele, agora que carregava seu filho nos braços. Mesmo não a amando, ele poderia tentar fingir que se importava, para acalmá-la, depois que soubesse do acidente de Ophelia. Dessa forma, a rainha do drama não faria mais uma de suas birras para tentar conquistá-lo.

Fechando a janela do veículo, ele disse:

― Vamos. ―

Um ano depois. Era um dia movimentado na clínica e o corredor estava lotado de pacientes esperando sua vez. O Doutor Sterling Fuller segurava um estetoscópio nas costas de um paciente, enquanto chamava sua assistente:

― Dee? Acebutolol e Alisquireno, a quantidade usual! Obrigado! ―

― Certo! ― uma voz doce respondeu. Um pouco depois, a porta se abriu e uma mulher vestindo o uniforme da clínica entrou. Ela tinha o cabelo preso em um rabo de cavalo lateral, que expunha os rastros de cicatrizes que percorriam seu rosto. Seus olhos, embora lindos, eram sem vida. Apesar de sua aparência inicial, ninguém podia deixar de se surpreender com sua compostura gentil e recatada. Isso era o suficiente para atenuar qualquer medo que seu rosto pudesse provocar.

Ela se dirigiu ao médico, de maneira lenta, mas hábil:

― Aqui. ―

― Sempre uma grande ajuda ― respondeu Sterling, com um sorriso. Enquanto dava instruções ao paciente. Deirdre foi para o pátio.

Na área externa, havia uma grande comoção, pois crianças brincavam, barulhentas e rudes. A mulher tateou seu caminho, em direção a elas, seus dedos deslizando pela parede, enquanto sorria:

― Hum. Parece que me lembro de dizer a vocês, crianças, para falarem mais baixo ― disse ela ― se continuarem fazendo barulho, vou ter que bater o pé e fechar o quintal! ―

Como os brinquedos das crianças eram todos obra de Deirdre, eles rapidamente perceberam a gravidade de sua ameaça. Então, a cercaram e correram para reconquistar sua afeição:

― Ahhh! Desculpe, senhorita Deirdre. Vamos fazer menos barulho. ―

Os pacientes que viam a cena, riam, comentando:

― Lá vamos nós, o superpoder da Dee em ação! Você é a única que consegue fazer um bando de gremlins se comportar! ―

Deirdre riu.

A clínica ficava no subúrbio onde tinha morado sua vida inteira. Um ano atrás, Sterling decidiu que a condição de Deirdre era muito séria para deixá-la viver sozinha, então a levou de volta para o lugar que ela conhecia melhor e abriu uma clínica lá. Com o passar do ano, eles ajudaram inúmeros pacientes a se recuperar e, distraída pelo propósito e pelo trabalho, Deirdre parecia ter esquecido a cicatriz em seu coração.

Do lado de fora da clínica, um carro de luxo parou. Charlene McKinney saiu do veículo, trajando um vestido vintage longo e segurando uma bolsa de grife. A mulher examinou tudo ao redor, com expressão de desprezo:

― Uhhh, que tipo de merda é essa? E o ar! Fede demais! Acho que sou alérgica ao ar daqui ― ela gemeu ― Bren, por que estamos vendo um médico nesta lixeira no meio do nada? ―

O homem desceu do carro. Seu terno feito a mão não escondia seus músculos tonificados, mas eram as feições divinas de seu rosto que atraíam os olhares de outras pessoas. Tudo nele era magnético. Bastava apenas um olhar para que o coração de qualquer um parasse de bater.
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