Tento voltar á realidade e ainda a tempo de ouvir o final da história da Claudinha que assim como eu, também está longe em seus pensamentos e nem se deu conta de que eu apenas a observava e não a ouvia.
– Então, foi aí que eu decidi gravar esta música! Pra ficar registrado um momento atípico e incrível em Paris. Finalizou dizendo. Ela nem se deu conta de que não registrei uma única palavra do que ela disse. Tão apaixonada, incapaz de perceber certas coisas á sua volta. Mas algo em mim deve ter chamado a atenção dela assim que me olhou, porque em seguida ela fez aquela cara de preocupação que conheço a séculos.
– Você está bem? O que há com você Rafa? Parece que viu um fantasma! Aconteceu alguma coisa? Eu te conto a coisa mais linda e romântica que já vivi e você fica ai com essa cara!
De repente ela para e parece que lhe surge algo em mente e dispara - Não me diga que aquele calhorda do Tiago aprontou de novo?- dizendo isso, ela sai do modo romântico e entra no modo protetor - Eu vou matar ele! O que foi que ele fez desta vez? E me olha com olhar tão sinistro que até eu fiquei com medo.
- Calma! disparei antes que ela resolvesse tomar satisfação por conta própria e tento acalmá-la.
– Não tem nada haver com o Tiago. Estamos bem dentro do que nos é possível. Dou uma risadinha para disfarçar.
– Então, o que houve? Porque voce está com esta cara? Não me diga que é por causa da noite passada. Sei que tem algo muito mais além do que isso. Vamos diga! Sabe que pode me contar tudo não é? Sou sua amiga lembra?
– Como poderia não me lembrar? A nossa amizade aconteceu como algo escrito nas estrelas. Ela entrou não só em minha vida, mas na de minha familia também. Ela tinha sido namorada de meu primo. Pena que não deu certo. No início, não tinhamos muita afinidade, nos viamos somente em festas de família, quando o Rodrigo a levava. Nunca trocavamos mais do que cinco palavras, apenas o convencional no modo educado. Quando o namoro entre eles terminou, foi bem difícil para ela. Eu tive muita pena em ver seu sofrimento e sua forma de tentar reatar com o Rodrigo. Ela passou a viver em casa. Estava sempre por perto tentando chamar a atenção do meu primo de alguma forma. Sua insistência era patética. Minha mãe morria de pena dela e foi assim que acabou ganhando o carinho de todos em casa. Ela passou a chamar minha mãe de tia e eu passei a ser a sua amiga inseparável. lamos a todos os lugares juntas. Grandes baladas e festas. Pareciamos duas garotinhas destinadas a conquistar o mundo. E foi assim até hoje.
Se bem que, depois do sr. maravilha, as coisas mudaram um pouco. Nos distanciamos, mas não a ponto de interferir em nossa amizade. Pelo menos ainda não.
- Não se preocupe - Disse confortando-a - Você é e sempre será minha grande e melhor amiga!
– Vou lhe dizer o que me assustou. continuei.
– Eu tive um sonho esta noite, muito estranho. Quase real! E quando o seu celular tocou... essa música que você disse que gravou de uma roda de ciganos em Paris, me lembrou esse sonho. Eu sonhei que estava em uma roda de ciganos! Eu era uma das mulheres que estava dançando em volta da fogueira! Senti meu peito apertar ao me lembrar do que aconteceu depois.
– Continue. Disse Claudinha, com a cara mais assustada do que a minha. Mas totalmente fascinada pelo que eu estava contando. Ela adorava este tipo de coisa
- Então... - Continuei ainda sentindo o aperto no peito mais uma vez
- Ouvi chamarem meu nome, mas a música estava alta e tinha muito barulho. Quando ouvi meu nome ser chamado novamente era como se aquela voz de homem me pertencesse por uma vida inteira! Eu poderia reconhecer aquela voz em qualquer lugar do mundo! Eu tentei chegar até ele...sai correndo para me jogar nos braços dele.. mas não conseguia. Eu tentava de todas as formas, gritava o nome dele!
– E qual era o nome dele? - Claudinha perguntou.
Olhei para ela tentando me concentrar novamente no sonho. Não consegui me lembrar.
- Não me lembro! Disse. Eu não conseguia me lembrar do nome do homem a quem eu sentia que viveria mil vidas para estar com ele.
- Que droga Clau! Eu não me lembro do nome dele! Por quê?
Dizendo isso, segurei as mãos da Claudinha, como se fosse uma súplica por ajuda, que obviamente não veio e nem poderia vir. Tudo não passava de um sonho. Vívido! Mas apenas um sonho.
– Oh! minha amiga! Parece que este sonho realmente mexeu com você, não? Suas mãos estão suando.
Claudinha parecia aflita com o meu estado. Eu também estava. E de uma coisa ela tinha razão, aquele sonho realmente mexeu comigo. Há muito tempo não me sentia assim. Será que era um aviso?
- Venha! Continuou. - Precisamos sair daqui! Acho que nossas férias foram longas de mais para duas amigas inseparáveis. Vamos dar uma volta e colocar a fofoca em dia. Que tal o parque Ibirapuera? Estamos pertinho e lá poderemos conversar e ver a paisagem, comer alguma coisa, passar o dia juntas! O que você acha?
Ela faria qualquer coisa para me ver melhor. Eramos assim, sempre ajudando uma a outra.
- Mas temos aula ainda! Lembrei. Não podemos sair assim, é nosso último ano lembra?- Ah! quem se importa, Rafa?! Acabamos de voltar de férias. Muitos da turma nem voltaram ainda! E depois podemos pegar a matéria com os nossos amigos. Vamos, venha! Vamos ter um dia só das meninas!falando isso, me arrastou da mesa e saímos correndo como duas colegiais.Fomos direto para o estacionamento pegar o carro. Um Corsa preto novinho, comprou com a herança que herdou dos pais. Foi uma tremenda conquista. Seus pais e parte da sua família moravam no Maranhão. Ela e sua irmã mais velha, vieram para São Paulo procurando aventuras e oportunidade de uma vida melhor. Comeu o pão que o diabo amassou, mas conseguiu. Hoje, ela tem casa, carro e um bom emprego. Tudo bem que o carro, foi só por causa da herança, seus pais morreram há mais de dois anos e só agora a partilha finalmente foi feita. Eu não sei bem os detalhes, mas parece que os pais dela tinham muitas terras por lá, não eram
- Eu achei que ele iria me pedir em casamento nesta viajem.Então era isso! - Pensei. Balancei a cabeça em positivo, para que ela continuasse falando.–Tanto antes como durante a viajem, tudo indicava que sim. Suas atitudes, os planos que fizemos antes de ir para Paris e quando estávamos em Paris, parecíamos recém-casados! Nossos passeios extremamente românticos, tudo parecia propício para que ele fizesse o pedido e juro que achei que ele faria a qualquer momento. Mas não fez!Vi tanta decepção em seus olhos, que meu coração se apertou.–Será que eu não sou boa o bastante para ele? O que mais ele quer de mim?Começou a chorar. Sua decepção era evidente quanto suas expectativas com o desenrolar deste namoro. Ela sonha com casamento, filhos e família e talvez ele não compartilhe deste sonho. Carlos é um rapaz de vida noturna, de família rica. Talvez não esteja pronto ainda para compromissos mais sérios. Durante todo este tempo que eles estão j
- Há que horas é a entrevista? Claudinha pergunta olhando o relógio.- Ainda dá tempo. Será 15hs. Mas, não vai dar tempo de ir em casa e voltar. Terei que ir daqui mesmo.Claudinha me olha de cima a baixo, parecendo minha mãe.- Você vai vestindo isso? Em uma entrevista de estágio em uma das mais renomadas empresas de advocacia? Vem cá? Tem certeza que quer mesmo este estágio?É claro que eu queria. Meu pai vem trabalhando nisso há meses. Seu sonho era me ver trabalhando na A&C Advogados. Assim como um dia ele também foi um estagiário até a sociedade. E pra ser sincera, não é bem um estágio. Está mais para uma colocação de emprego, assim que me formar, fazer parte do corpo de advogados da A&C Advogados.- O que quer que eu faça? Chame a fada madrinha? Digo irritada com meu esquecimento. Meu pai iria me matar se soubesse disso.- Não precisa morder! Eu posso te ajudar. Moro aqui perto esqueceu? Podemos passar no meu
pai esta feliz com isso, mas pelo menos está muito melhor de saúde. O elevador para e a moça chic sai. Dou uma espiada no andar e vejo que há várias salas, todas cheias de gente, todos de terno e gravata. Será que aqui é o centro nervoso? Parecia ser. Estive neste prédio com meu pai há muito tempo atrás, eu era uma criança ainda, por volta dos 9 ou 10 anos. Não me lembro mais das coisas por aqui e certamente, tudo deve ter mudado muito. Sigo meu caminho ainda no elevador até o 21º andar, Já que não há mais andares acima, pelo menos não há mais botões. Penso em como será a entrevista. Quem será que irá me entrevistar? Algum amigo do meu pai? Alguém do RH certamente. Seja como for, não dá mais para correr. A porta do elevador se abre e dou de cara com uma enorme porta dupla de madeira, mogno acho. Passo a mão pelo cabelo, ajeito a saia e me preparo para entrar. Coloco a mão no puxador magnífico em latão e empurro. Vamos Rafa! Você consegue!
Chego exatamente na hora do jantar. Estou exausta. Graças a Deus é sexta feira! Deixo o carro na garagem. Vejo pela janela da sala que ainda não estão jantando. Estão me esperando certamente. Saio rapidamente e fecho o portão da garagem. Decido ir por dentro, assim saio direto na cozinha e subo para meu quarto. Dará tempo de me lavar e deixar as coisas. É aniversário da minha mãe, não quero que veja antes do tempo o que comprei. Ouço batidas na porta do quarto e o abrir da porta. Quem será?- Estou no banheiro! - Grito, esperando que-digam algo. Como não ouço nada, termino de lavar as mãos e saio. Dou de cara com o Tiago deitado na minha cama olhando para cima. Parecia cansado e estranho. Na verdade, tudo entre nós era estranho. Estranho por tempo demais. Encostei no batente da porta e fiquei olhando ele ali deitado, brincando com minha almofada de corações que ele mesmo me deu a sei lá quantos séculos atrás. Dificilmente me dava presentes. Ele não era
lá em baixo, não demora. E saiu.Voltei para o banheiro e respirei fundo. Que diabos foi isso? Estou com a sensação de que um trator passou por mim sem deixar rastros. Estou sem entender nada. Não posso negar que foi incrível! Há muito tempo não me sentia assim. O que será que deu nele? Seja o que for, espero que continue assim. Me olho no espelho, dou um jeito na maquiagem, ajeito o cabelo e me preparo para descer. Desço as escadas e ouço vozes conhecidas. Claudinha, com certeza! Sua risada é inconfundível e Carlos, claro! Minha mãe, óbvio. Papai, meu irmão Wesley e a esposa. Desço reconhecendo as vozes entrando na sala de jantar.Todos já estão em seus lugares. Menos um. Tiago. Estava com um copo de cerveja na mão e falando com papai. Porque será que ele não se sentou. Não vai ficar? Por algum motivo isso me
Fiquei embasbacada e achei que estava tendo uma visão. O que os pais do Tiago estavam fazendo ali? Eles moram em Campinas! Não sabia que os tinham convidado. Nossos pais são amigos há anos e depois que se mudaram raramente se viam. Talvez, eles já estivessem na cidade em visita ao Tiago ,ou, a negócios e resolveram vir. Estranho, porque será que o Tiago não me disse que seus pais estavam em São Paulo? Olhei para o Tiago com olhar interrogativo, mas como fez nas últimas horas, me ignorou.Os três se dirigiram até onde estavam meus pais, para se cumprimentarem e ouvi o pedido de desculpas pelo atraso.- O trânsito para cá estava horrível! -disse sr. Nicolau ao meu pai.- Havia um acidente na saída da rodovia e tudo ficou parado.Ao ouvir isso, conclui que eles não estavam na cidade, ou seja, eles vieram de Campinas direto para cá. Fico intrigada com isto. Bom, finalmente resolveram nos visitar! Pensei. Há tempos não se viam e porque não em um momento como
Sinto novamente todos os olhos sobre mim. Olho ao redor e vejo os rostos que me contestavam esperando uma resposta. Meu pai e minha mãe abraçados e extremamente emocionados, olho para os pais do Tiago que também estão assistindo a tudo com grande emoção. O restante dos convidados com sorriso no rosto aguardando minha resposta. Certamente estão sem a menor idéia da confusão metal que estou neste momento. Olho para minha amiga e irmã Claudinha. Percebo seu olhar aflito e com certeza sabe exatamente o que estou sentindo. Ela me olha e faz um sinal de positivo com a cabeça. O que será que ela está tentando me dizer? Pensei. Ela quer que eu diga sim, que me case, ou, esta tentando me dizer para que eu faça a coisa certa? E qual seria a coisa certa...Não sei quanto tempo se passou até que eu saísse do transe. Milhões de coisas se passaram pela minha cabeça. Mas a decisão foi tomada e as consequências virão assim como tudo em nossa vida. A vida é tomada de decisões, seja ela b