- Há que horas é a entrevista? Claudinha pergunta olhando o relógio.
- Ainda dá tempo. Será 15hs. Mas, não vai dar tempo de ir em casa e voltar. Terei que ir daqui mesmo.
Claudinha me olha de cima a baixo, parecendo minha mãe.
- Você vai vestindo isso? Em uma entrevista de estágio em uma das mais renomadas empresas de advocacia? Vem cá? Tem certeza que quer mesmo este estágio?
É claro que eu queria. Meu pai vem trabalhando nisso há meses. Seu sonho era me ver trabalhando na A&C Advogados. Assim como um dia ele também foi um estagiário até a sociedade. E pra ser sincera, não é bem um estágio. Está mais para uma colocação de emprego, assim que me formar, fazer parte do corpo de advogados da A&C Advogados.
- O que quer que eu faça? Chame a fada madrinha? Digo irritada com meu esquecimento. Meu pai iria me matar se soubesse disso.
- Não precisa morder! Eu posso te ajudar. Moro aqui perto esqueceu? Podemos passar no meu apartamento, trouxe muita coisa nova de Paris e acho que tenho algo que lhe sirva.
Dizendo isso, Claudinha coloca a mão na boca e esconde uma risada. Ela sabe que não temos nada haver uma com a outra. Somos completamente diferentes, tanto fisicamente como em personalidade. Ela parece que está indo a um desfile da Fashion Week em Paris, todos os dias. Quanto a mim, adoro meus tênis e calças surrados.
- O.K.! Disse. - Vamos lá enfrentar um desfile de moda! E nem ouse me fazer de sua boneca Barbie, entendeu?
Fechei a cara e me dirigi ao estacionamento do parque com ela no meu encalço. Aposto que deu pulos de alegria e soquinhos no ar, por me fazer experimentar suas roupas. Há anos ela vem tentando fazer isso. Mudar meu jeito de vestir, assim como minha mãe, só que esta, já quase desistiu dessa batalha. Entramos no carro e saímos em rumo ao apartamento da Claudinha, que ficava na Aclimação. Seria o tempo de tomar um banho, vestir algo que me sirva e ir para a entrevista. E que Deus me ajude! Tanto com a entrevista quanto com Claudinha tentando me tornar a próxima top model.
Claudinha me deixou em frente ao prédio da A&C Advogados faltando 10 minutos para as 15hs. Me deu um abraço apertado e me desejou sorte. Na verdade eu só queria algo para fazer as minhas pernas pararem de tremer. Estou nervosa. Com o esquecimento da entrevista, não tive tempo de me preparar para as perguntas. Bom, agora era tarde demais para pensar nisso. Vamos lá Raphaella! Você consegue! Foco, força e fé, o.k.?
Entro no hall do prédio que me intimidou ainda mais, me dirijo á recepcionista e digo a ela meu nome e o andar que visitarei. A mocinha bastante simpática, pede meu documento e pede para aguardar um momento. Em quanto isso, aproveito para dar uma geral no hall de entrada. Magnífico, tudo de muito bom gosto. Piso de mármore, decorações em dourado certamente em latão. Vários Quadros abstratos, será que de algum artista famoso? As pessoas que estavam no hall, aguardavam os elevadores, outros conversando animadamente e outros pareciam sussurrar, talvez tratando de negócios. Mas todos estavam de acordo com o lugar. Ninguém destoava, assim como eu estaria se tivesse vindo com meu jeans e tênis. Graças a Deus, tenho a Claudinha em minha vida. Me senti mais confiante depois de ter olhado meu reflexo no enorme espelho que havia na parede dos elevadores. Talvez servisse para isso mesmo, para que cada ser que entrasse nele tivesse certeza de que está com tudo no lugar. Até que o tailleur risca de giz da Claudinha me caiu bem. Não era novo, mas estava muito bem conservado. Acho até que ficou melhor em mim do que nela. Acho que vou pedir para ela me dar! Tudo estaria ótimo e perfeito se não fossem estes malditos saltos! Ela tinha mesmo que me fazer calçar um Louboutin! Eles são lindos, mas não estou acostumada. Ela disse que eles alongariam as minhas pernas. Na verdade eles estão é acabando com os meus dedos! a simpática mocinha da recepção me dá um crachá de visitante.
– Por favor, senhorita Raphaella, pode aguardar o elevador da esquerda, ele a levará direto para a sala de reuniões. Chegando lá, pode entrar diretamente. Já estão lhe aguardando.
Que Deus me ajude! sinto que estou indo direto para a arena dos leões!
- O.k.! Digo á moça sorridente e gentil.
Pego o crachá, coloco na lapela do meu blazer. Respiro fundo e espero o elevador que parece ter pressentido a minha chegada. As portas se abrem e entro, não sem antes dar mais uma olhada no espelho. Você está linda! Arrasa! Digo ao meu reflexo.
Eu já tinha vindo aqui com meu pai algumas vezes, lembrei enquanto ouço a música ambiente do elevador. Estou sozinha. Será que este elevador é só para a arena dos leões? Para responder a minha pergunta, o elevador parou no 6º andar. Uma moça muito bem-vestida em um terno cinza entrou. Cabelo e maquiagem tão bem-feitos que parece que acabou de sair do salão. Me olha, balança a cabeça em um cumprimento e fica de costas para mim. Aperta o 16º andar. Provavelmente ela deve fazer parte do corpo de advogados. De acordo com o meu pai, esta empresa cresceu muito nos últimos anos, porém, também se dividiu. Antigamente eram apenas três sócios e meu pai era um deles. Talvez, se não tivesse sido pela doença do meu pai, ele certamente ainda seria um deles. Meu pai cuidava da área trabalhista. Era brilhante no que fazia e ainda é. Mas resolveu não advogar mais. Hoje mantém apenas as ações da empresa. Mamãe disse que ele precisa descansar e fazer seu tratamento corretamente. Meu pai é diabético. Enquanto trabalhava, sofreu duas paradas cardíacas. Somente na última é que se deu conta de que ou relaxava mais no trabalho ou morreria. Ele decidiu se aposentar. Não sei se meu
pai esta feliz com isso, mas pelo menos está muito melhor de saúde. O elevador para e a moça chic sai. Dou uma espiada no andar e vejo que há várias salas, todas cheias de gente, todos de terno e gravata. Será que aqui é o centro nervoso? Parecia ser. Estive neste prédio com meu pai há muito tempo atrás, eu era uma criança ainda, por volta dos 9 ou 10 anos. Não me lembro mais das coisas por aqui e certamente, tudo deve ter mudado muito. Sigo meu caminho ainda no elevador até o 21º andar, Já que não há mais andares acima, pelo menos não há mais botões. Penso em como será a entrevista. Quem será que irá me entrevistar? Algum amigo do meu pai? Alguém do RH certamente. Seja como for, não dá mais para correr. A porta do elevador se abre e dou de cara com uma enorme porta dupla de madeira, mogno acho. Passo a mão pelo cabelo, ajeito a saia e me preparo para entrar. Coloco a mão no puxador magnífico em latão e empurro. Vamos Rafa! Você consegue!
Chego exatamente na hora do jantar. Estou exausta. Graças a Deus é sexta feira! Deixo o carro na garagem. Vejo pela janela da sala que ainda não estão jantando. Estão me esperando certamente. Saio rapidamente e fecho o portão da garagem. Decido ir por dentro, assim saio direto na cozinha e subo para meu quarto. Dará tempo de me lavar e deixar as coisas. É aniversário da minha mãe, não quero que veja antes do tempo o que comprei. Ouço batidas na porta do quarto e o abrir da porta. Quem será?- Estou no banheiro! - Grito, esperando que-digam algo. Como não ouço nada, termino de lavar as mãos e saio. Dou de cara com o Tiago deitado na minha cama olhando para cima. Parecia cansado e estranho. Na verdade, tudo entre nós era estranho. Estranho por tempo demais. Encostei no batente da porta e fiquei olhando ele ali deitado, brincando com minha almofada de corações que ele mesmo me deu a sei lá quantos séculos atrás. Dificilmente me dava presentes. Ele não era
lá em baixo, não demora. E saiu.Voltei para o banheiro e respirei fundo. Que diabos foi isso? Estou com a sensação de que um trator passou por mim sem deixar rastros. Estou sem entender nada. Não posso negar que foi incrível! Há muito tempo não me sentia assim. O que será que deu nele? Seja o que for, espero que continue assim. Me olho no espelho, dou um jeito na maquiagem, ajeito o cabelo e me preparo para descer. Desço as escadas e ouço vozes conhecidas. Claudinha, com certeza! Sua risada é inconfundível e Carlos, claro! Minha mãe, óbvio. Papai, meu irmão Wesley e a esposa. Desço reconhecendo as vozes entrando na sala de jantar.Todos já estão em seus lugares. Menos um. Tiago. Estava com um copo de cerveja na mão e falando com papai. Porque será que ele não se sentou. Não vai ficar? Por algum motivo isso me
Fiquei embasbacada e achei que estava tendo uma visão. O que os pais do Tiago estavam fazendo ali? Eles moram em Campinas! Não sabia que os tinham convidado. Nossos pais são amigos há anos e depois que se mudaram raramente se viam. Talvez, eles já estivessem na cidade em visita ao Tiago ,ou, a negócios e resolveram vir. Estranho, porque será que o Tiago não me disse que seus pais estavam em São Paulo? Olhei para o Tiago com olhar interrogativo, mas como fez nas últimas horas, me ignorou.Os três se dirigiram até onde estavam meus pais, para se cumprimentarem e ouvi o pedido de desculpas pelo atraso.- O trânsito para cá estava horrível! -disse sr. Nicolau ao meu pai.- Havia um acidente na saída da rodovia e tudo ficou parado.Ao ouvir isso, conclui que eles não estavam na cidade, ou seja, eles vieram de Campinas direto para cá. Fico intrigada com isto. Bom, finalmente resolveram nos visitar! Pensei. Há tempos não se viam e porque não em um momento como
Sinto novamente todos os olhos sobre mim. Olho ao redor e vejo os rostos que me contestavam esperando uma resposta. Meu pai e minha mãe abraçados e extremamente emocionados, olho para os pais do Tiago que também estão assistindo a tudo com grande emoção. O restante dos convidados com sorriso no rosto aguardando minha resposta. Certamente estão sem a menor idéia da confusão metal que estou neste momento. Olho para minha amiga e irmã Claudinha. Percebo seu olhar aflito e com certeza sabe exatamente o que estou sentindo. Ela me olha e faz um sinal de positivo com a cabeça. O que será que ela está tentando me dizer? Pensei. Ela quer que eu diga sim, que me case, ou, esta tentando me dizer para que eu faça a coisa certa? E qual seria a coisa certa...Não sei quanto tempo se passou até que eu saísse do transe. Milhões de coisas se passaram pela minha cabeça. Mas a decisão foi tomada e as consequências virão assim como tudo em nossa vida. A vida é tomada de decisões, seja ela b
Os convidados começaram a ir embora. Intimamente dava graças a Deus por esta noite ter terminado. Não tenho a menor ideia de como ainda estou resistindo a tudo. Estampei um sorriso no rosto e segui em frente durante a festa inteira. Acho que meu rosto atrofiou de tanto que eu forcei o sorriso. Eu queria morrer! Nada daquilo fazia o menor sentido. Eu não quero e nunca quis me casar, não assim sem saber o que realmente sinto em relação a nós. Eu já estava tão acostumada a estarmos juntos que não fazia diferença se eu o amava como homem ou como um amigo. Eu nem sei se há diferença de sentimentos entre nós nesse sentido. Estávamos juntos desde sempre e pronto! Nunca havia parado para pensar em casamento, talvez porque, não houvesse sentimento forte o suficiente para isso. O que eu faço agora?Minha cabeça estava estourando, preciso descansar e dormir anos a fio até que eu consiga me recuperar disto. E como se o Tiago tivesse lido meus pensamentos.– Querida! Ele me cha
Eu estava a poucos instantes de entrar na passarela montada até o altar, minhas mãos estavam geladas, minhas pernas trêmulas. Sim, eu estava muito nervosa, mas, louca para que tudo aquilo acabasse logo.Os primeiros acordes começaram a tocar. O cerimonialista faz sinal para que eu aguarde o momento certo. Respiro fundo e fecho os olhos por alguns instantes, tentando me manter o mais calma possível e concentrada. - Vamos lá Raphaella! Você consegue! Disse a mim mesma. Agora faltava pouco. Só precisava me concentrar em fazer a coisa certa e tudo acabaria bem.O cerimonialista olha para mim e faz sinal para que eu comece a caminhar até o altar. Dar os primeiros passos foram os mais difíceis de minha vida e a coisa mais difícil de fazer até aqui. Minha vontade era de dar meia volta e sair correndo. Concentre-se Raphaella! Você consegue! Mais uma vez repeti meu mantra. Com passos meio insertos segui pela passarela feita de pétalas de rosas brancas. Em certa altura
o apartamento, eu achei que ao sair dali você viria correndo para que parássemos com tudo, que tínhamos ido longe demais! E você não veio.- Pai, porque só agora está me contando isso? - começo a chorar.- Porque só agora, depois de tudo ter sido consumado, o sr. vem me dizer estas coisas? Se o sr. viu toda a minha dor, minha tristeza, por que não falou comigo? Porque não me impediu de cometer este erro!?- Agora já não estava mais chorando, eu estava possessa de raiva e ódio.- O sr. disse que me observou esse tempo todo e mesmo assim, me deixou continuar! Que droga de amor é esse! Gritei.Eu queria gritar! Eu queria matar alguém naquele exato momento! Eu queria sangue! A raiva e o ódio me consumia de tal maneira que eu não estava enxergando mais nada. Eu queria gritar, eu queria bater, correr dali e ir o mais longe possível.- Filha, acalme-se! As pessoas estão começando a olhar para cá! Se não quer um escândalo e acabar com tudo ago