- Mas temos aula ainda! Lembrei. Não podemos sair assim, é nosso último ano lembra?
- Ah! quem se importa, Rafa?! Acabamos de voltar de férias. Muitos da turma nem voltaram ainda! E depois podemos pegar a matéria com os nossos amigos. Vamos, venha! Vamos ter um dia só das meninas! falando isso, me arrastou da mesa e saímos correndo como duas colegiais.
Fomos direto para o estacionamento pegar o carro. Um Corsa preto novinho, comprou com a herança que herdou dos pais. Foi uma tremenda conquista. Seus pais e parte da sua família moravam no Maranhão. Ela e sua irmã mais velha, vieram para São Paulo procurando aventuras e oportunidade de uma vida melhor. Comeu o pão que o diabo amassou, mas conseguiu. Hoje, ela tem casa, carro e um bom emprego. Tudo bem que o carro, foi só por causa da herança, seus pais morreram há mais de dois anos e só agora a partilha finalmente foi feita. Eu não sei bem os detalhes, mas parece que os pais dela tinham muitas terras por lá, não eram tão pobres assim, mas de acordo com o que ela conta, parece que sofria muito por maus-tratos. Seu pai vivia bêbado e quando chegava em casa descontava nos filhos. Pobre Claudinha. Certamente, merece tudo de bom que a vida possa lhe proporcionar. Mas, como nada é fácil nessa vida, a herança também foi bem difícil de sair. Seus irmãos que moravam lá no Maranhão estavam impedindo de que ela e a irmã recebessem sua parte. Estavam alegando que ambas tinham sido deserdadas. O que era uma mentira. Graças a Deus, o escritório de advocacia do meu pai cuidou de tudo e foi resolvido. Entramos no carro e ela saiu á toda pela avenida. Coloquei um som bem alto, óculos de sol e me preparei para aproveitar o dia ao lado da minha grande amiga e esquecer os danos que a vida causou.
Chegamos no parque. O dia estava lindo. O sol ainda estava fraco não era o meio do dia. Descemos do carro. Olhei ao redor. Pouca gente perambulando por ali. Alguns correndo, outros de bicicleta e alguns apenas sentados em dupla ou grupo, até mesmo sozinhos, contemplando a paisagem. Aquilo me alegrou. Me fez perceber que eu tenho sorte assim como aquelas poucas pessoas que estavam ali, de ter a oportunidade de uma manhã de segunda feira, aproveitar um momento da vida. Estamos tão acostumados com a correria diária que esquecemos que também precisamos disto. Apenas contemplar uma linda paisagem. Dar um tempo em tudo e ficar ali sem fazer nada, apenas sentir a vida ao nosso redor. Sentir o sol na pele, o ar fresco no rosto. Liberdade! Um breve instante na correria da vida, para sentir a liberdade. Olhei pra Claudinha que também devia pensar algo assim, só pelo fato de ver o seu semblante e o sorriso leve no rosto. Sim, fizemos muito bem de ter vindo até aqui.
- Você acertou! Disse.
- Esta escapadinha foi a melhor coisa que fizemos! sorri largo para ela.
- Eu não disse? Você precisa confiar mais vezes em mim, maninha! Você pode ser mais velha, mas sou eu que sei o que é o bom da vida!
Me olhou sorrindo, deu a sua super piscadela do tipo James Bond e colocou de volta os óculos de sol.
- "Simbora" viver Rafinha! A vida é curta demais para perder tempo.
Saiu andando pelo parque adentro e eu a segui. Caminhamos lado a lado em silêncio até o lago. Achamos um bom lugar para sentar e ficamos ali, paradas. Apenas contemplando o lago. De repente ela solta.
- Você acha que o Carlos me ama? Me ama de verdade? Amor do tipo pra casar?
Senti dor e súplica na sua última pergunta. Porque será que ela está dizendo isso?
- Achei que não houvesse este tipo de dúvida entre vocês, clau! - respondi com cautela. Afinal, fui pega de surpresa, não achava que algo pudesse dar errado entre eles. Se bem que... sempre tive minhas reticências quanto ao Carlos, mais por implicância mesmo e zelo por ela, do que por achar que ele pudesse realmente lhe fazer sofrer.
- Porque você está me perguntando isso? Aconteceu algo na viajem de vocês?
Olhei para ela, tirei os óculos de sol e esperei a resposta. Ela me pareceu relutar, remoendo a resposta. Tentando fugir de algo que não queria aceitar, ou, não queria dizer.
- Eu não sei... - Sua resposta me pareceu mais um murmúrio, uma lamentação.
- Estava tudo tão bem! Eu acho que ainda esta...mas...
- Clau. - Eu a interrompo. - Você está supondo que algo esta errado, ou, realmente tem algo errado? Cuidado amiga! Você pode estar caçando pelo em ovo!
Ela me olha. Seu olhar esta triste. Conheço este olhar. Tem algo errado.
- Vamos, lá Clau! Agora é a sua vez de falar. Sou sua amiga, lembra? brinquei com ela repetindo suas palavras. Ela sorriu, coçou a cabeça como faz de costume quando tenta organizar os pensamentos. Respirou fundo.
- Eu achei que ele iria me pedir em casamento nesta viajem.Então era isso! - Pensei. Balancei a cabeça em positivo, para que ela continuasse falando.–Tanto antes como durante a viajem, tudo indicava que sim. Suas atitudes, os planos que fizemos antes de ir para Paris e quando estávamos em Paris, parecíamos recém-casados! Nossos passeios extremamente românticos, tudo parecia propício para que ele fizesse o pedido e juro que achei que ele faria a qualquer momento. Mas não fez!Vi tanta decepção em seus olhos, que meu coração se apertou.–Será que eu não sou boa o bastante para ele? O que mais ele quer de mim?Começou a chorar. Sua decepção era evidente quanto suas expectativas com o desenrolar deste namoro. Ela sonha com casamento, filhos e família e talvez ele não compartilhe deste sonho. Carlos é um rapaz de vida noturna, de família rica. Talvez não esteja pronto ainda para compromissos mais sérios. Durante todo este tempo que eles estão j
- Há que horas é a entrevista? Claudinha pergunta olhando o relógio.- Ainda dá tempo. Será 15hs. Mas, não vai dar tempo de ir em casa e voltar. Terei que ir daqui mesmo.Claudinha me olha de cima a baixo, parecendo minha mãe.- Você vai vestindo isso? Em uma entrevista de estágio em uma das mais renomadas empresas de advocacia? Vem cá? Tem certeza que quer mesmo este estágio?É claro que eu queria. Meu pai vem trabalhando nisso há meses. Seu sonho era me ver trabalhando na A&C Advogados. Assim como um dia ele também foi um estagiário até a sociedade. E pra ser sincera, não é bem um estágio. Está mais para uma colocação de emprego, assim que me formar, fazer parte do corpo de advogados da A&C Advogados.- O que quer que eu faça? Chame a fada madrinha? Digo irritada com meu esquecimento. Meu pai iria me matar se soubesse disso.- Não precisa morder! Eu posso te ajudar. Moro aqui perto esqueceu? Podemos passar no meu
pai esta feliz com isso, mas pelo menos está muito melhor de saúde. O elevador para e a moça chic sai. Dou uma espiada no andar e vejo que há várias salas, todas cheias de gente, todos de terno e gravata. Será que aqui é o centro nervoso? Parecia ser. Estive neste prédio com meu pai há muito tempo atrás, eu era uma criança ainda, por volta dos 9 ou 10 anos. Não me lembro mais das coisas por aqui e certamente, tudo deve ter mudado muito. Sigo meu caminho ainda no elevador até o 21º andar, Já que não há mais andares acima, pelo menos não há mais botões. Penso em como será a entrevista. Quem será que irá me entrevistar? Algum amigo do meu pai? Alguém do RH certamente. Seja como for, não dá mais para correr. A porta do elevador se abre e dou de cara com uma enorme porta dupla de madeira, mogno acho. Passo a mão pelo cabelo, ajeito a saia e me preparo para entrar. Coloco a mão no puxador magnífico em latão e empurro. Vamos Rafa! Você consegue!
Chego exatamente na hora do jantar. Estou exausta. Graças a Deus é sexta feira! Deixo o carro na garagem. Vejo pela janela da sala que ainda não estão jantando. Estão me esperando certamente. Saio rapidamente e fecho o portão da garagem. Decido ir por dentro, assim saio direto na cozinha e subo para meu quarto. Dará tempo de me lavar e deixar as coisas. É aniversário da minha mãe, não quero que veja antes do tempo o que comprei. Ouço batidas na porta do quarto e o abrir da porta. Quem será?- Estou no banheiro! - Grito, esperando que-digam algo. Como não ouço nada, termino de lavar as mãos e saio. Dou de cara com o Tiago deitado na minha cama olhando para cima. Parecia cansado e estranho. Na verdade, tudo entre nós era estranho. Estranho por tempo demais. Encostei no batente da porta e fiquei olhando ele ali deitado, brincando com minha almofada de corações que ele mesmo me deu a sei lá quantos séculos atrás. Dificilmente me dava presentes. Ele não era
lá em baixo, não demora. E saiu.Voltei para o banheiro e respirei fundo. Que diabos foi isso? Estou com a sensação de que um trator passou por mim sem deixar rastros. Estou sem entender nada. Não posso negar que foi incrível! Há muito tempo não me sentia assim. O que será que deu nele? Seja o que for, espero que continue assim. Me olho no espelho, dou um jeito na maquiagem, ajeito o cabelo e me preparo para descer. Desço as escadas e ouço vozes conhecidas. Claudinha, com certeza! Sua risada é inconfundível e Carlos, claro! Minha mãe, óbvio. Papai, meu irmão Wesley e a esposa. Desço reconhecendo as vozes entrando na sala de jantar.Todos já estão em seus lugares. Menos um. Tiago. Estava com um copo de cerveja na mão e falando com papai. Porque será que ele não se sentou. Não vai ficar? Por algum motivo isso me
Fiquei embasbacada e achei que estava tendo uma visão. O que os pais do Tiago estavam fazendo ali? Eles moram em Campinas! Não sabia que os tinham convidado. Nossos pais são amigos há anos e depois que se mudaram raramente se viam. Talvez, eles já estivessem na cidade em visita ao Tiago ,ou, a negócios e resolveram vir. Estranho, porque será que o Tiago não me disse que seus pais estavam em São Paulo? Olhei para o Tiago com olhar interrogativo, mas como fez nas últimas horas, me ignorou.Os três se dirigiram até onde estavam meus pais, para se cumprimentarem e ouvi o pedido de desculpas pelo atraso.- O trânsito para cá estava horrível! -disse sr. Nicolau ao meu pai.- Havia um acidente na saída da rodovia e tudo ficou parado.Ao ouvir isso, conclui que eles não estavam na cidade, ou seja, eles vieram de Campinas direto para cá. Fico intrigada com isto. Bom, finalmente resolveram nos visitar! Pensei. Há tempos não se viam e porque não em um momento como
Sinto novamente todos os olhos sobre mim. Olho ao redor e vejo os rostos que me contestavam esperando uma resposta. Meu pai e minha mãe abraçados e extremamente emocionados, olho para os pais do Tiago que também estão assistindo a tudo com grande emoção. O restante dos convidados com sorriso no rosto aguardando minha resposta. Certamente estão sem a menor idéia da confusão metal que estou neste momento. Olho para minha amiga e irmã Claudinha. Percebo seu olhar aflito e com certeza sabe exatamente o que estou sentindo. Ela me olha e faz um sinal de positivo com a cabeça. O que será que ela está tentando me dizer? Pensei. Ela quer que eu diga sim, que me case, ou, esta tentando me dizer para que eu faça a coisa certa? E qual seria a coisa certa...Não sei quanto tempo se passou até que eu saísse do transe. Milhões de coisas se passaram pela minha cabeça. Mas a decisão foi tomada e as consequências virão assim como tudo em nossa vida. A vida é tomada de decisões, seja ela b
Os convidados começaram a ir embora. Intimamente dava graças a Deus por esta noite ter terminado. Não tenho a menor ideia de como ainda estou resistindo a tudo. Estampei um sorriso no rosto e segui em frente durante a festa inteira. Acho que meu rosto atrofiou de tanto que eu forcei o sorriso. Eu queria morrer! Nada daquilo fazia o menor sentido. Eu não quero e nunca quis me casar, não assim sem saber o que realmente sinto em relação a nós. Eu já estava tão acostumada a estarmos juntos que não fazia diferença se eu o amava como homem ou como um amigo. Eu nem sei se há diferença de sentimentos entre nós nesse sentido. Estávamos juntos desde sempre e pronto! Nunca havia parado para pensar em casamento, talvez porque, não houvesse sentimento forte o suficiente para isso. O que eu faço agora?Minha cabeça estava estourando, preciso descansar e dormir anos a fio até que eu consiga me recuperar disto. E como se o Tiago tivesse lido meus pensamentos.– Querida! Ele me cha