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Sombras do passado

Ayala Green

Acordei de sobressalto com o toque insistente do meu celular. Peguei o aparelho ainda sonolenta, só para perceber que se tratava de uma chamada de vídeo de Tina — minha melhor amiga e parceira inseparável desde o ensino médio. Ela odeia ser chamada por seu nome completo, Martina, e faz questão de me lembrar disso sempre que me esqueço.

Assim que atendi, a imagem dela surgiu na tela, eufórica como sempre.

— Ayla, pelo amor de Deus, você ainda está dormindo?! — exclamou, quase me deixando surda. — Eu já estou pronta há horas e você nem saiu da cama!

Esfreguei os olhos, tentando me situar.

— Tina, nossas aulas começam às 7:30. Ainda nem são 6:00. Você pode, por favor, respirar? — murmurei, a voz rouca de sono.

Ela revirou os olhos, impaciente.

— Como você consegue estar tão calma? É o nosso primeiro dia na faculdade! Trabalhamos tanto pra isso! — disse, agitada. — Não me diga que não está nem um pouco animada!

— Estou sim, só que acabei dormindo tarde ontem. Terminei de ler um livro e perdi a noção da hora. Estou morta de cansaço... — respondi, tentando esconder um bocejo.

— Trate de se levantar, mocinha! Hoje é o dia da recepção dos calouros. Precisamos nos enturmar!

Com um suspiro resignado, concordei:

— Tá bom, tá bom. Estou me levantando, prometo.

Desliguei a chamada, deixando o celular de lado. Era o meu primeiro semestre no curso de moda, algo que passei anos sonhando em fazer. Durante a infância, quis seguir os passos da minha mãe como enfermeira, mas tudo mudou depois que a mãe de Tina nos levou para assistir a um desfile de moda. Foi amor à primeira vista, e desde então, dediquei todos os meus esforços para entrar nesse curso.

Fui direto para o banheiro, onde tomei um banho rápido. Escolhi uma roupa confortável: uma calça jeans de cintura alta, uma blusa de manga comprida e tênis brancos. Deixei meu cabelo solto e ondulado, aplicando apenas um gloss de cereja nos lábios.

Desci para a cozinha, já pronta, e fui recebida pela doce e sempre bem-humorada Lucy, que trabalha na nossa casa desde que eu me lembro.

— Bom dia, Lucy! — saudei.

— Bom dia, querida. O café já está na mesa — respondeu ela, com seu sorriso acolhedor.

— Meu pai já desceu? — perguntei, me servindo de uma xícara de café fumegante.

— Ele está no escritório... com uma visita que você não vai gostar muito — ela disse, com uma careta divertida.

Franzi o cenho, curiosa.

— Não brinca, Lucy. Quem é?

— Cristiny, lembra dela? — soltou, erguendo uma sobrancelha.

Meu estômago deu um nó ao ouvir aquele nome. Claro que eu lembrava de Cristiny. E, mais ainda, lembrava de Caleb, seu filho. Fazia mais de três anos que ele havia sumido da minha vida, mas nunca realmente do meu coração. Eu sabia que ele estava na mesma faculdade que eu, cursando Direito e jogando futebol americano, mas ele nunca voltou a dar notícias diretas. Apenas meu pai mantinha um contato esporádico com ele.

— E o que será que ela quer dessa vez? — perguntei, tentando parecer indiferente, mas meu coração disparava com a simples menção do nome dela.

— Não faço ideia, mas ela parecia estar de péssimo humor. Espero que o seu pai não se deixe levar por essa mulher — Lucy comentou, com um olhar preocupado.

— Será que o Caleb aprontou alguma coisa? — indaguei, uma pontada de ansiedade crescendo no peito.

— Não sei, querida. Mas o assunto parece sério. Só espero que não tenha a ver com ele.

Terminei meu café, tentando afastar o turbilhão de pensamentos. Antes de sair, preparei as vitaminas e remédios do meu pai, como de costume, e deixei tudo organizado na mesa.

Minutos depois, ele apareceu, com uma expressão pesada.

— Bom dia, pai. Tudo bem? — perguntei, tentando parecer despreocupada.

Ele suspirou profundamente, sentando-se ao meu lado.

— Bom dia, Ayala. Cristiny esteve aqui para falar sobre o Caleb... — ele começou, hesitante. — Segundo ela, ele anda numa fase revoltada, não aparece em casa há mais de um mês. Ela diz que ele está tornando a vida dela insuportável.

Um aperto tomou conta do meu coração. Eu sabia que a relação deles nunca foi fácil. Cristiny nunca foi carinhosa com Caleb. Pelo contrário, ela sempre o tratou como um fardo.

— E você acredita nela? — perguntei, desconfiada. — Ela sempre fez parecer que ele era o problema, mesmo quando sabemos que não é bem assim.

— Não sei, filha. Caleb guarda muita coisa para si. Quem sabe o que realmente se passa na cabeça dele? — disse meu pai, passando a mão pelo rosto cansado.

— Vou tentar falar com o Noah hoje na faculdade. Talvez ele saiba de algo.

— Seria bom. E eu vou procurar nos lugares que ele costumava ir. Espero que ele esteja bem — respondeu meu pai, antes de se levantar.

A despedida foi rápida. Peguei minha mochila e me dirigi ao carro, sentindo o peso da preocupação pairar sobre mim. Coloquei uma playlist para tentar distrair meus pensamentos durante o caminho, mas estava difícil me concentrar em qualquer outra coisa que não fosse Caleb.

Assim que cheguei à faculdade, avistei Tina encostada em sua Biz branca, me esperando ansiosamente.

— Finalmente, Ayla! — exclamou, me lançando um olhar de reprovação.

— Bom dia pra você também, Tina — provoquei, vendo-a fazer uma careta pelo uso do seu nome completo.

— Ai, que golpe baixo! Mas vamos, precisamos encontrar nossos lugares antes da recepção dos calouros. — Ela me puxou pelo braço.

Enquanto atravessávamos o pátio lotado, meus olhos procuravam desesperadamente por um rosto conhecido. Tina, percebendo minha distração, começou a apontar para os jogadores do time de futebol americano.

— Olha aquele ali, Ayla! Que gato! — ela disse, animada.

Foi então que eu notei o bordado "Jenkins" nas costas do moletom vermelho e dourado.

— Você é um anjo, Tina. Achou exatamente quem eu estava procurando.

Caminhei determinada até Noah, que estava cercado por alguns colegas do time. Quando me aproximei, ele olhou para mim, um sorriso divertido surgindo em seu rosto.

— Green! A pequena Ayala Green! Você não mudou nada! — exclamou, me puxando para um abraço.

— Eu preciso falar com você, Noah. É sobre o Caleb — disse, séria. — Cristiny esteve lá em casa hoje cedo e disse que ele está desaparecido há mais de um mês. Estou preocupada.

Noah franziu a testa, seu sorriso desaparecendo.

— Não sei como te ajudar. Passei as férias com minha família e não tive contato com ele. Mas talvez ele apareça hoje. Caleb sabe que não pode perder os treinos do time.

— Obrigada, Noah. Se você o vir, peça para ele ligar para o meu pai. Estamos realmente preocupados.

Noah assentiu, e Tina me puxou novamente pelo braço.

— Amiga, você nunca me disse que conhecia um cara tão gato desses! — sussurrou Tina, mal disfarçando seu interesse.

Revirei os olhos, enquanto a arrastava para o auditório onde a recepção dos calouros estava prestes a começar. Mas, por dentro, meu coração estava longe dali, perdido em preocupações sobre onde Caleb poderia estar e o que realmente estava acontecendo com ele.

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