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Sob a superfície

Ayala Green

Acordo no meio da madrugada, assustada, com o barulho de algo quebrando. A sensação de terror que toma conta de mim é indescritível. Sinto como se o mundo ao meu redor tivesse desabado, e, por um momento, não sei se o som do vidro se estilhaçando vem da realidade ou do pesadelo que estou tendo. No sonho, Caleb está morto, jogado em uma vala escura, e o frio que me percorre a espinha agora parece real, mais real do que o pesadelo que ainda ecoa na minha mente.

Levanto da cama com um pulo, tentando afastar a sensação de angústia que me domina. O barulho vindo de baixo é cada vez mais alto. Algo pesado foi jogado no chão, e a agitação das vozes abafadas me faz pensar que algo está fora de controle. Duas vozes masculinas. Uma delas reconheço de imediato: meu pai. A outra... é a de Caleb. Meu coração dispara, a preocupação começa a tomar conta de mim. Será que estão sendo assaltados? O que está acontecendo ali?

Desço devagar pelas escadas, tentando fazer o mínimo de barulho possível. Quanto mais me aproximo, mais consigo distinguir as vozes. Caleb parece furioso, como nunca o vi antes. Meu pai tenta acalmá-lo, mas a raiva transborda em cada palavra que ele diz.

— Por Deus, Caleb, você precisa se acalmar e me dizer o que tá acontecendo. — A voz do meu pai é calma, mas tensa, como se estivesse tentando manter o controle de uma situação que já se tornou incontrolável.

— Eu não quero falar, Álvaro, eu quero quebrar alguma coisa pra não voltar lá e quebrar a cara daquele infeliz! — A voz de Caleb é carregada de raiva e frustração, e a raiva dele ecoa em cada palavra.

Meu estômago aperta. Ouvir a dor e o desespero na voz de Caleb me faz sentir uma preocupação imensa. O que aconteceu com ele? O que o levou a esse estado? Por que ele está tão furioso?

Meu pai tenta fazer uma piada, talvez para aliviar a tensão, mas a situação é muito grave para isso.

— Tem que ser os meus vasos caros? — Ele tenta brincar, mas a leveza da sua voz não convence. Caleb não está se acalmando.

Eu escuto o barulho dos passos de Caleb pelo corredor, seus movimentos agitados. Ele está nervoso, muito nervoso. Quando finalmente o vejo, ele está andando de um lado para o outro, seu corpo tenso, como se estivesse à beira de uma explosão. Seu rosto está vermelho, as mãos bagunçando os cabelos, e os olhos... os olhos dele estão vazios, como se carregassem um peso impossível de carregar.

— Olha, faz o seguinte, vai pro seu quarto, toma um banho, deita, amanhã a gente conversa. — Meu pai tenta, mas é claro que Caleb não vai ouvir. Ele está além disso.

— Não, foi um erro ter vindo até aqui, eu vou embora. Amanhã eu volto. — Caleb nega com a cabeça, mais decidido do que nunca a sair. Mas a tensão no ar é palpável.

Eu não sei o que fazer. Devo voltar para o meu quarto? Ou tentar falar com ele? A preocupação me consome, e uma sensação de impotência toma conta de mim. Eu preciso fazer algo, eu não posso simplesmente ignorar aquilo. Mas o que posso fazer?

— Gente, o que tá acontecendo? — Eu falo, a minha voz tremendo enquanto desço as escadas. A tensão no ambiente é quase insuportável.

Quando Caleb me encara, algo dentro de mim se parte. Ele não tem o olhar divertido e provocador de sempre. Não é o Caleb que eu conheço. Os olhos dele estão cheios de tristeza e raiva reprimida. A maçã do rosto dele está vermelha, provavelmente de um soco. A boca está cortada, e ele está respirando de forma ofegante, como se estivesse segurando algo dentro de si. Algo que não pode mais ser guardado.

— Não aconteceu nada, querida, sobe e volte a dormir. — Meu pai tenta disfarçar, mas eu sei que ele também está preocupado. Ele me manda ir embora, mas eu não consigo. Algo não está certo.

— Caleb, tá tudo bem? — Pergunto, tentando não deixar transparecer o quanto estou nervosa.

Ele não responde. Ao contrário, ele apenas me encara, e naquele olhar, eu vejo o desespero. Ele quer falar, mas não consegue. Eu sei que ele precisa de ajuda, mas ele não está disposto a aceitá-la.

— Tá muito tarde, vamos todo mundo pro quarto. Amanhã é outro dia. — Meu pai tenta resolver a situação à sua maneira. Ele quer que tudo se resolva sozinho, mas eu sei que não será assim. Não podemos simplesmente fingir que nada aconteceu.

— Eu vou embora. — Caleb diz, sem olhar para ninguém, e começa a se afastar.

Eu me aproximo dele devagar, sentindo uma estranha mistura de medo e compaixão. Tento tocá-lo, mas ele não se move. Quando toco seu rosto, ele não reage, mas vejo a dor em seus olhos. Sinto que ele está se quebrando por dentro, e isso me destrói.

— Vamos subir, eu te ajudo com esse corte e amanhã você decide o que fazer. Já é tarde e você está muito nervoso pra subir naquela moto de novo. — Eu falo suavemente, tentando convencê-lo a ficar.

Ele desvia o olhar para meu pai, e por um momento, vejo algo como um pedido de ajuda nos olhos dele. Então, ele suspira e começa a subir as escadas, sem dizer uma palavra. Meu pai acende as luzes do corredor e me lança um olhar significativo.

— Vai dormir, querida, hoje o dia foi longo. — Ele me diz com a voz suave, mas preocupada. Ele me dá um beijo na testa, como se me acalmasse, e sobe as escadas também.

Eu fico ali, no escuro do corredor, com um peso enorme no peito. O que está acontecendo com Caleb? O que ele está escondendo? Ele voltou, mas não é o mesmo. Algo muito mais profundo está acontecendo, e eu preciso descobrir o que é.

O sono finalmente me domina, mas não é um descanso tranquilo. Ouço os passos de Caleb pelo corredor ao lado durante boa parte da noite. E quando acordo, o cansaço me consome de imediato. Eu me arrasto pela casa, tentando me organizar, mas a preocupação com Caleb está cada vez mais forte.

Desço para a cozinha, e lá ele está, comendo um sanduíche na bancada, como se nada tivesse acontecido. Mas seu olhar está tão abatido quanto o de ontem. Ele ainda está mal, e agora é a minha vez de perguntar o que aconteceu.

— Bom dia. — Eu murmuro, tentando começar a conversa de forma leve, mas ele não me responde com a mesma animação de antes.

— Bom dia, irmãzinha. — Ele diz, e consigo perceber o tom irônico, mas a implicância dele não me faz mais sorrir. O olhar dele está triste demais.

— Não sou sua irmã. — Respondo, mas a preocupação transparece na minha voz. — Você estava sumido a quantos dias? Onde você estava?

Ele desvia o olhar para o chão, evitando minha pergunta. Ele não quer falar, como sempre. Mas o que aconteceu com ele?

— Não importa. Eu já apareci, não é? — Ele responde, como se tentar desviar de mim fosse suficiente para me calar. Mas eu não vou desistir.

— O que está acontecendo com você, Caleb? — Pergunto, minha voz se quebrando.

Ele tenta se afastar da conversa, tentando me distrair, como sempre faz. Ele sorri com a mesma expressão sarcástica de sempre, mas eu sei que ele está sofrendo.

— Nada, Boneca, tá tudo como sempre. — Ele diz, e meu coração se aperta.

Eu só sei que não posso deixar isso assim. Ele está em pedaços, e eu preciso ajudar, mesmo que ele não queira.

— Por que não tá comendo na mesa? Tá sujando toda a bancada, aprende a usar um pratinho. — Eu resmungo, tentando trazer um pouco de normalidade, mas ele me responde com mais uma provocação.

— Ah, com certeza essa é a Boneca mandona que eu conheço. Caleb não faz isso, papai faz aquilo. — Ele imita minha voz, mas não consigo mais rir. A dor dele é mais forte que tudo.

— Vai querer carona? — Pergunto, tentando não mostrar que estou preocupada.

— Não quero. Vou conversar com o Álvaro. Acho que devo desculpas pelo susto de ontem. — Ele diz e, pela primeira vez, parece um pouco mais calmo, mas eu sei que isso é apenas a calmaria antes da tempestade.

Eu respiro fundo, tentando entender tudo o que está acontecendo. Ele pode até tentar se esconder atrás das provocações e desdenhos, mas eu sei que algo muito mais profundo está afetando Caleb. Algo que ele ainda não está pronto para enfrentar.

Após o café, me despeço de meu pai e Caleb e me arrumo para a faculdade. Eles continuam a se ignorar na casa, mas algo está prestes a mudar. O mistério de Caleb ainda é uma incógnita, e eu preciso ficar atenta para descobrir o que está acontecendo com ele.

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