O tecido de veludo sob seu corpo parecia apertá-la, como se o próprio caixão estivesse tentando mantê-la presa. Ela piscou algumas vezes, sentindo uma estranha ardência nos olhos. O azul vívido que costumava refletir sua alma agora se dissolvia em um negro profundo, tão escuro quanto o vazio que sentia por dentro.
O ar parecia mais denso, e cada respiração era pesada, misturada com o gosto metálico do sangue seco em seus lábios. Sua mente tropeçava entre flashes desconexos: o som de gritos dilacerantes, o riso cruel de Helena ecoando em seus ouvidos, o olhar de terror de Julie momentos antes de sua luz ser apagada. Julie. O nome pulsava em sua mente como uma ferida aberta. O rosto inocente da irmãzinha era o fio que puxava cada lembrança, cada fragmento da dor que havia experimentado. Lágrimas quentes ameaçaram escorrer, mas Jade as conteve com a mesma fúria que agora alimentava seu coração. Com um impulso determinado, ela levantou do caixão, que cedeu com um rangido macabro. O ambiente à sua volta era sombrio, iluminado apenas por velas que lançavam sombras dançantes nas paredes de pedra. Era um salão vazio, exceto por uma cadeira solitária, a mesma onde Viktor estivera momentos antes. O eco da ausência dele doía mais do que o próprio silêncio. Levantando-se com dificuldade, Jade sentiu o corpo rígido, como se cada músculo tivesse sido marcado pela morte. Mas ela estava de pé. Viva. Ou algo próximo disso. Enquanto caminhava pelo salão, o som de seus próprios passos parecia estranho, distante. A cada batida do seu coração, a promessa ecoava mais forte: Helena pagaria. Em dobro. Mas havia outra pergunta latejando em sua mente. Como eu estou viva? Será que Viktor havia encontrado algum médico milagroso? Ou… algo mais sombrio? Determinada a obter respostas, Jade se aproximou da porta principal. Quando a abriu parcialmente, o sol do lado de fora a atingiu com a intensidade de mil agulhas, queimando sua pele. Ela soltou um grito instintivo, recuando rapidamente e observando com horror a vermelhidão que se formava em sua mão. "O que diabos está acontecendo comigo?" Com o coração acelerado, ela se afastou da porta e seguiu por um corredor estreito, que a levou até outra entrada. Esta dava acesso ao interior de uma casa que exalava luxo e poder, com móveis antigos de madeira maciça e tapetes orientais que abafavam o som de seus passos. Era um mundo que ela nunca conhecera, apesar de ter sido esposa de Viktor. O lar dele era um reflexo do próprio homem: elegante, enigmático e meticulosamente controlado. Explorando os corredores, Jade chegou até uma porta entreaberta. O cheiro amadeirado familiar atingiu suas narinas — uma combinação de tabaco suave e um perfume sofisticado. O escritório de Viktor. O ambiente parecia intocado, com livros alinhados milimetricamente em estantes de mogno e uma escrivaninha impecável. Mas o que chamou sua atenção foi uma pilha de papéis desorganizados sobre a mesa, contrastando com a ordem meticulosa do restante da sala. No topo, uma carta vermelho sangue. Jade se aproximou, hesitante, e pegou o envelope. Um perfume doce e enjoativo impregnou o ar assim que ela o abriu — um cheiro familiar que a fez franzir o nariz. Ela leu com atenção: "Viktor, meu amor, por favor, pare com isso. Não precisa mais fingir que está com raiva de mim. Agora que ela se foi, você já sabe o que fazer. Serei sua. Com amor..." Antes que pudesse ler o nome, o som de passos ecoou no corredor. O pânico apertou seu peito. Rapidamente, ela dobrou a carta e a enfiou de volta sob a pilha de papéis, notando que havia outras similares ali. A porta se abriu com um estalo suave, revelando Viktor. Seus olhos se arregalaram levemente ao vê-la ali, mas ele rapidamente mascarou a surpresa com um olhar frio. "O que você está fazendo aqui?" a voz dele era baixa, mas carregada de tensão. Jade endireitou os ombros, tentando controlar o turbilhão de emoções dentro de si. "Estava atrás de você." Sua voz soou firme, apesar do nervosismo que ameaçava transparecer. Viktor caminhou em direção à mesa, os olhos fixos na pilha de papéis, especialmente na carta que ela havia mexido. "O que você quer?" ele perguntou, sem rodeios, a voz soando enigmática. Ela respirou fundo, reunindo coragem. "Como eu ainda estou viva?" Viktor parou de repente, de costas para ela. O silêncio que se seguiu foi quase insuportável, até que ele finalmente respondeu: "Isso não importa." As palavras foram como uma lâmina fria cravada em seu peito. "Como assim não importa?" ela insistiu, a raiva crescendo dentro de si. Ele se virou parcialmente, o olhar agora mais escuro, carregado de algo que ela não conseguia decifrar. "Você não precisa saber." O tom cortante da resposta despertou um fogo dentro dela. "Por que não? O que está escondendo de mim, Viktor?" Ele se aproximou, os olhos penetrantes como lâminas, mas não respondeu. Em vez disso, apontou para a porta com um gesto autoritário. "Saia." Jade sentiu a fúria ferver em suas veias. Mas ela sabia que discutir com ele agora seria inútil. Em vez disso, guardou sua indignação para si, transformando-a em combustível para sua determinação. Ela se virou e caminhou até a porta, mas antes de sair, lançou um último olhar sobre o ombro, encontrando o olhar intenso de Viktor. Havia algo mais ali, algo que ele escondia. E ela descobriria o que era, custe o que custar. Determinada e cheia de perguntas sem respostas, Jade saiu, com o coração batendo não apenas pelo ódio… mas também por um medo crescente do que ela poderia descobrir.O silêncio da casa parecia gritar para Jade. Cada passo seu ecoava nas paredes imponentes, envoltas por um luxo que nunca lhe pareceu tão sufocante. O chão de mármore frio sob seus pés descalços não era nada comparado ao vazio que crescia dentro dela — um vazio faminto, insaciável. Era como se sua própria existência estivesse fora de sintonia com o mundo ao seu redor, como se ela fosse uma sombra, flutuando sem propósito. A angústia apertava seu peito com cada respiração, tornando o ar denso e pesado.Após a discussão com Viktor, Jade vagou pela mansão sem um rumo definido, sentindo-se uma estranha em uma vida que deveria ser sua. As paredes altas e as portas pesadas escondiam segredos que ela sabia que precisava desvendar. Estava perdida em pensamentos quando um homem alto e de postura rígida surgiu no corredor. Vestia um uniforme impecável, o olhar neutro, mas havia algo nele que fez o estômago de Jade revirar — um reconhecimento súbito, uma memória esquecida que se escondeu nas som
A água morna escorria pelo corpo de Jade, criando pequenos rios que deslizavam por sua pele pálida e fria. O calor parecia a única coisa capaz de fazer seu corpo lembrar que ainda existia, que ainda estava viva… ou algo próximo disso. Ela apoiou as mãos nas paredes de mármore do luxuoso banheiro, sentindo o contraste entre o frio da pedra e o calor da água. Seus pensamentos giravam em círculos, confusos e pesados, enquanto tentava processar tudo o que havia acabado de descobrir.Ela era um monstro agora.O reflexo dos olhos negros e profundos ainda estava gravado em sua mente, assim como a marca de mordida em seu ombro e as presas afiadas que mal conseguia acreditar serem suas. Viktor sabia disso o tempo todo. Sabia o que ela havia se tornado e nunca teve a decência de contar. Não. Ele a tratou como um fardo, um peso insignificante, escondendo verdades que pertenciam a ela.O sangue dela fervia mais do que a água quente ao redor.Jade desligou o chuveiro bruscamente, a água gotejando
A mente de Jade estava uma tempestade. A cada respiração, sua fome aumentava, mas não de comida comum. Algo dentro dela clamava por algo diferente, algo sombrio. Sentia a necessidade de saciar uma sede que não compreendia, como se estivesse sendo puxada para um abismo sem fim. A comida não a satisfazia, nem mesmo a água. Nada parecia preencher o vazio crescente dentro de si.Ela estava sentada à mesa do escritório de Viktor, seus pensamentos ainda em frangalhos. O cheiro amadeirado do lugar misturava-se com o aroma de Viktor, inebriante e provocante, e isso a fazia sentir uma atração que ela não entendia completamente. Cada pequeno gesto dele parecia fazer o mundo ao redor dela desaparecer, e ela odiava isso. A última coisa que queria era se sentir vulnerável diante dele, mas ali estava, sua mente cada vez mais confusa e seu corpo tremendo.Viktor estava em pé, do outro lado da mesa, observando-a em silêncio. Seus olhos profundos e penetrantes não a deixavam em paz. Ele estava tranqui
A mente de Jade era um redemoinho caótico. O peso da revelação ainda reverberava em seu peito, mas o que mais a consumia era a sede. Não uma sede comum, que poderia ser saciada com água. Era algo primordial, selvagem, que queimava em suas veias e apertava seu estômago vazio com garras invisíveis. O ar parecia denso, como se cada partícula fosse insuficiente para mantê-la estável.Ela tentava ignorar o desconforto, mas o cheiro que pairava no ar era uma armadilha cruel. O aroma amadeirado do escritório de Viktor se misturava ao perfume dele — um cheiro inebriante, quente, com notas de especiarias e algo mais… ferroso e doce. O sangue dele. Era como se cada batida do coração de Viktor ressoasse dentro dela, chamando-a, despertando um instinto que ela não conseguia controlar.Viktor estava em pé, encostado casualmente na lateral da mesa, observando-a com seus olhos sombrios e enigmáticos. Não havia um traço de surpresa em sua expressão, apenas uma calma inquietante. Talvez ele soubesse o
O mundo parecia em silêncio absoluto quando Jade abriu os olhos. A sede ainda queimava em sua garganta, mas estava estranhamente controlada, como se sua mente tivesse encontrado um frágil equilíbrio entre o desespero e o autocontrole. O quarto estava mergulhado em uma penumbra suave, as cortinas pesadas bloqueando a maior parte da luz do lado de fora. O ar carregava um leve perfume amadeirado que ela já reconhecia: Viktor.Antes que pudesse se levantar, ouviu passos do lado de fora da porta, leves, mas inconfundíveis. Seu coração — sim, ainda pulsante — deu um salto confuso. Ela sabia quem era antes mesmo da batida suave ecoar na madeira."Entra", murmurou, sua voz rouca pelo cansaço e pela sede.A porta se abriu sem resistência, e Viktor entrou. Seus olhos cinzentos analisaram cada detalhe dela com uma intensidade que a fez se encolher ligeiramente, não por medo, mas por algo que não sabia nomear. Um pensamento fugaz passou por sua mente: ela tinha certeza de que havia trancado a por
O silêncio reinava na mansão, quebrado apenas pelos passos suaves de Viktor enquanto ele carregava Jade nos braços. Seus dedos estavam firmes, mas não a machucavam, e seu olhar era indecifrável. Jade, ainda abalada, se deixou levar sem resistência. Seu corpo parecia mais leve do que nunca, mas a sede em sua garganta continuava a arder, mesmo que menos intensa do que antes.A sensação era estranha. Sua mente estava lúcida, mas seu corpo reagia como se tivesse sido moldado para algo completamente novo. Cada som parecia mais nítido, cada textura mais intensa. Ela podia ouvir o leve farfalhar das folhas do lado de fora, o tique-taque do relógio na parede e até mesmo a respiração controlada de Viktor. Tudo parecia mais próximo, mais vívido.Quando Viktor a colocou delicadamente sobre o sofá espaçoso da sala, Jade afundou no tecido macio, sentindo o contraste entre o conforto do momento e a turbulência que carregava dentro de si. Seu olhar vagou pelo ambiente, como se precisasse confirmar q
Viktor riu baixo, um som rouco, carregado de algo indecifrável, enquanto seus dedos longos deslizavam suavemente pela mão de Jade, que ainda repousava ao redor de seu corpo. Seus olhos estreitaram levemente antes que ele a soltasse com um gesto quase preguiçoso, como se não quisesse afastá-la, mas também não pudesse mantê-la ali.Então, ele se virou para encará-la de frente, seu sorriso singelo tentando mascarar qualquer resquício de peso na conversa."Você se preocupa demais."Jade observou o rosto dele com atenção, notando os detalhes que normalmente ignoraria. O brilho sutil nos olhos âmbar, a forma como seu maxilar se contraía levemente quando ele tentava esconder algo. Ele era um homem que carregava segredos, disso ela já sabia. Mas havia algo mais profundo ali, algo que ele não queria que ninguém enxergasse.Ela fingiu não perceber sua tentativa de disfarçar. Permitiu que ele a guiasse de volta ao sofá, onde se sentou ao lado dele, o calor de seus corpos quase se tocando.Por um
Os dias se arrastaram desde que Jade encontrou aquela maldita carta vermelha. A raiva queimava em seu peito como brasas incandescentes, sufocando qualquer tentativa de raciocínio lógico. Ela sabia que Viktor não tinha culpa por amar outra pessoa, sabia que não deveria se importar. Mas o nó na garganta não desaparecia, e cada batida de seu coração ecoava a humilhação de descobrir que, por todo esse tempo, ela fora apenas uma peça descartável em um jogo que não entendia completamente.Por isso, se trancou no quarto.Ignorou cada batida na porta, cada tentativa de Viktor de se aproximar. Ele insistiu nos primeiros dias, chamando-a com uma paciência quase exasperante. Mas, eventualmente, o silêncio se instalou entre eles como um abismo intransponível. Quando ele parou de chamá-la, Jade percebeu que sua ausência deixava um vazio que não deveria existir.A única voz que permitiu cruzar aquela barreira foi a de Alfie, o servo de Viktor que lhe salvou do lago congelante.Ele vinha todas as no