O silêncio da casa parecia gritar para Jade. Cada passo seu ecoava nas paredes imponentes, envoltas por um luxo que nunca lhe pareceu tão sufocante. O chão de mármore frio sob seus pés descalços não era nada comparado ao vazio que crescia dentro dela — um vazio faminto, insaciável. Era como se sua própria existência estivesse fora de sintonia com o mundo ao seu redor, como se ela fosse uma sombra, flutuando sem propósito. A angústia apertava seu peito com cada respiração, tornando o ar denso e pesado.
Após a discussão com Viktor, Jade vagou pela mansão sem um rumo definido, sentindo-se uma estranha em uma vida que deveria ser sua. As paredes altas e as portas pesadas escondiam segredos que ela sabia que precisava desvendar. Estava perdida em pensamentos quando um homem alto e de postura rígida surgiu no corredor. Vestia um uniforme impecável, o olhar neutro, mas havia algo nele que fez o estômago de Jade revirar — um reconhecimento súbito, uma memória esquecida que se escondeu nas sombras da sua mente. Ele parou à sua frente, inclinando levemente a cabeça em um gesto de respeito. "Senhorita Belrose, Viktor me pediu para que a acompanhasse até seu novo quarto." O nome dela na boca dele soou estranho, como se não pertencesse mais a ela. Jade o seguiu em silêncio, mas sua mente estava distante, navegando por lembranças vagas e desconcertantes. Foi quando, ao observar o perfil dele sob a luz suave do corredor, a lembrança veio como um raio. Uma memória que ela não sabia que ainda guardava. Há alguns anos atrás, em uma noite de nevasca, dia em que se opôs ao seu casamento com Viktor, que nem mesmo tinha lembranças na época, após o jantar em família, ela decidiu fugir. Desesperada, com apenas uma pequena mala em mãos, saiu pela janela de seu quarto e deslizou pelo telhado, até que caísse na neve fofa. Ela correu até o lago perto de casa, para atravessar a ponte até os estábulos da família, planejando roubar um dos cavalos de seu pai. Ela caminhou sobre a madeira molhada, rangendo como se estivesse prestes a quebrar, quando de repente sentiu uma mão em suas costas, a empurrando contra o lago congelante. Seu corpo afundou sob a água, enquanto tentava voltar à superfície em desespero. A água penetrava em seus pulmões, congelante, fria. Sua consciência estava por um fio quando sentiu alguém a agarrando e puxando para fora do lago. Enquanto cuspia toda a água para fora, Jade tentou enxergar o rosto do seu salvador abaixo das lágrimas em seus olhos. No entanto, tudo que pôde ver antes de desmaiar foram os cabelos encaracolados e a cicatriz em seu olho esquerdo. Assim como agora, a luz refletia o dourado escuro dos cabelos encaracolados do homem e sua cicatriz no olho esquerdo era viva como sangue. Um frio subiu por sua espinha, a lembrando que talvez Viktor estivesse intrinsecamente ligado a tudo de sua vida, desde quando nem eram casados. O peso da revelação ameaçava esmagá-la. O homem abriu uma porta pesada, revelando um quarto vasto e luxuoso, com janelas cobertas por grossas cortinas de veludo, móveis antigos e uma cama grande demais para uma pessoa só. "Este será seu quarto a partir de agora, senhorita." "Espere…" Antes mesmo que ela terminasse de falar, o homem virou-se e foi embora, a deixando só. Jade ficou ali, parada, sentindo o cheiro suave de madeira envelhecida e um perfume amadeirado familiar. Suas pernas finalmente cederam, e ela caiu de costas na cama macia, soltando um longo suspiro. O teto parecia girar acima dela enquanto sua mente tentava processar tudo: a traição de Helena, o olhar enigmático de Viktor, a carta misteriosa, e agora, o vazio crescente dentro dela. Cada pedaço de sua vida parecia uma mentira, uma trama que não entendia. "O que caralhos está acontecendo?" Decidida a clarear a mente, Jade levantou-se e foi até o banheiro anexo. O lugar parecia saído de uma revista de decoração: mármore escuro, espelhos enormes, e uma banheira que poderia acomodar facilmente três pessoas. Mas o que chamou sua atenção foi o espelho. Ela parou diante dele, ofegante, encarando seu próprio reflexo. E então, o choque. Seus olhos, antes de um azul cristalino, estavam negros como a noite, profundos, quase hipnotizantes. Sua pele, outrora rosada, agora era pálida, quase translúcida, como porcelana fria. O contraste com seus cabelos, mais escuros do que jamais se lembrava, criava uma imagem que não era dela. Não podia ser. "Que porra é essa?" Jade sussurrou, a voz tremendo. Ela se aproximou do espelho, observando cada detalhe. Suas mãos trêmulas subiram até o rosto, tocando a pele fria. O coração martelava no peito, mas não por vida — por pânico. Jade começou a tirar a roupa apressadamente, como se pudesse encontrar respostas gravadas em sua pele. E encontrou. No ombro esquerdo, uma marca de mordida roxa e vermelha, perfeitamente delineada, estava ali. O mais estranho era que não doía. Não havia dor, apenas a marca. Ela tocou o local com dedos trêmulos, sentindo o arrepio subir pela espinha. O desespero tomou conta. Ela correu de volta ao espelho e abriu a boca, inspecionando os dentes. E lá estavam — presas alongadas, afiadas, como se tivessem sido esculpidas para rasgar carne. O ar parecia faltar. Sua respiração ficou ofegante, irregular. —"Não. Não, não, não…" Ela repetia, negando o que via. E então, o grito veio. Um grito rasgado, desesperado, ecoando pelas paredes luxuosas da mansão. Um grito de horror, de perda, de raiva. O som reverberou, atravessando portas fechadas, alcançando corredores vazios. Ela estava viva… mas não era mais a mesma. Jade caiu de joelhos no chão frio do banheiro, lágrimas quentes escorrendo pelo rosto pálido, misturando-se ao pânico em sua respiração descompassada. O vazio em seu peito se tornou um abismo. Um abismo faminto. E ela não sabia o que mais poderia perder.A água morna escorria pelo corpo de Jade, criando pequenos rios que deslizavam por sua pele pálida e fria. O calor parecia a única coisa capaz de fazer seu corpo lembrar que ainda existia, que ainda estava viva… ou algo próximo disso. Ela apoiou as mãos nas paredes de mármore do luxuoso banheiro, sentindo o contraste entre o frio da pedra e o calor da água. Seus pensamentos giravam em círculos, confusos e pesados, enquanto tentava processar tudo o que havia acabado de descobrir.Ela era um monstro agora.O reflexo dos olhos negros e profundos ainda estava gravado em sua mente, assim como a marca de mordida em seu ombro e as presas afiadas que mal conseguia acreditar serem suas. Viktor sabia disso o tempo todo. Sabia o que ela havia se tornado e nunca teve a decência de contar. Não. Ele a tratou como um fardo, um peso insignificante, escondendo verdades que pertenciam a ela.O sangue dela fervia mais do que a água quente ao redor.Jade desligou o chuveiro bruscamente, a água gotejando
A mente de Jade estava uma tempestade. A cada respiração, sua fome aumentava, mas não de comida comum. Algo dentro dela clamava por algo diferente, algo sombrio. Sentia a necessidade de saciar uma sede que não compreendia, como se estivesse sendo puxada para um abismo sem fim. A comida não a satisfazia, nem mesmo a água. Nada parecia preencher o vazio crescente dentro de si.Ela estava sentada à mesa do escritório de Viktor, seus pensamentos ainda em frangalhos. O cheiro amadeirado do lugar misturava-se com o aroma de Viktor, inebriante e provocante, e isso a fazia sentir uma atração que ela não entendia completamente. Cada pequeno gesto dele parecia fazer o mundo ao redor dela desaparecer, e ela odiava isso. A última coisa que queria era se sentir vulnerável diante dele, mas ali estava, sua mente cada vez mais confusa e seu corpo tremendo.Viktor estava em pé, do outro lado da mesa, observando-a em silêncio. Seus olhos profundos e penetrantes não a deixavam em paz. Ele estava tranqui
A mente de Jade era um redemoinho caótico. O peso da revelação ainda reverberava em seu peito, mas o que mais a consumia era a sede. Não uma sede comum, que poderia ser saciada com água. Era algo primordial, selvagem, que queimava em suas veias e apertava seu estômago vazio com garras invisíveis. O ar parecia denso, como se cada partícula fosse insuficiente para mantê-la estável.Ela tentava ignorar o desconforto, mas o cheiro que pairava no ar era uma armadilha cruel. O aroma amadeirado do escritório de Viktor se misturava ao perfume dele — um cheiro inebriante, quente, com notas de especiarias e algo mais… ferroso e doce. O sangue dele. Era como se cada batida do coração de Viktor ressoasse dentro dela, chamando-a, despertando um instinto que ela não conseguia controlar.Viktor estava em pé, encostado casualmente na lateral da mesa, observando-a com seus olhos sombrios e enigmáticos. Não havia um traço de surpresa em sua expressão, apenas uma calma inquietante. Talvez ele soubesse o
O mundo parecia em silêncio absoluto quando Jade abriu os olhos. A sede ainda queimava em sua garganta, mas estava estranhamente controlada, como se sua mente tivesse encontrado um frágil equilíbrio entre o desespero e o autocontrole. O quarto estava mergulhado em uma penumbra suave, as cortinas pesadas bloqueando a maior parte da luz do lado de fora. O ar carregava um leve perfume amadeirado que ela já reconhecia: Viktor.Antes que pudesse se levantar, ouviu passos do lado de fora da porta, leves, mas inconfundíveis. Seu coração — sim, ainda pulsante — deu um salto confuso. Ela sabia quem era antes mesmo da batida suave ecoar na madeira."Entra", murmurou, sua voz rouca pelo cansaço e pela sede.A porta se abriu sem resistência, e Viktor entrou. Seus olhos cinzentos analisaram cada detalhe dela com uma intensidade que a fez se encolher ligeiramente, não por medo, mas por algo que não sabia nomear. Um pensamento fugaz passou por sua mente: ela tinha certeza de que havia trancado a por
O silêncio reinava na mansão, quebrado apenas pelos passos suaves de Viktor enquanto ele carregava Jade nos braços. Seus dedos estavam firmes, mas não a machucavam, e seu olhar era indecifrável. Jade, ainda abalada, se deixou levar sem resistência. Seu corpo parecia mais leve do que nunca, mas a sede em sua garganta continuava a arder, mesmo que menos intensa do que antes.A sensação era estranha. Sua mente estava lúcida, mas seu corpo reagia como se tivesse sido moldado para algo completamente novo. Cada som parecia mais nítido, cada textura mais intensa. Ela podia ouvir o leve farfalhar das folhas do lado de fora, o tique-taque do relógio na parede e até mesmo a respiração controlada de Viktor. Tudo parecia mais próximo, mais vívido.Quando Viktor a colocou delicadamente sobre o sofá espaçoso da sala, Jade afundou no tecido macio, sentindo o contraste entre o conforto do momento e a turbulência que carregava dentro de si. Seu olhar vagou pelo ambiente, como se precisasse confirmar q
Viktor riu baixo, um som rouco, carregado de algo indecifrável, enquanto seus dedos longos deslizavam suavemente pela mão de Jade, que ainda repousava ao redor de seu corpo. Seus olhos estreitaram levemente antes que ele a soltasse com um gesto quase preguiçoso, como se não quisesse afastá-la, mas também não pudesse mantê-la ali.Então, ele se virou para encará-la de frente, seu sorriso singelo tentando mascarar qualquer resquício de peso na conversa."Você se preocupa demais."Jade observou o rosto dele com atenção, notando os detalhes que normalmente ignoraria. O brilho sutil nos olhos âmbar, a forma como seu maxilar se contraía levemente quando ele tentava esconder algo. Ele era um homem que carregava segredos, disso ela já sabia. Mas havia algo mais profundo ali, algo que ele não queria que ninguém enxergasse.Ela fingiu não perceber sua tentativa de disfarçar. Permitiu que ele a guiasse de volta ao sofá, onde se sentou ao lado dele, o calor de seus corpos quase se tocando.Por um
Os dias se arrastaram desde que Jade encontrou aquela maldita carta vermelha. A raiva queimava em seu peito como brasas incandescentes, sufocando qualquer tentativa de raciocínio lógico. Ela sabia que Viktor não tinha culpa por amar outra pessoa, sabia que não deveria se importar. Mas o nó na garganta não desaparecia, e cada batida de seu coração ecoava a humilhação de descobrir que, por todo esse tempo, ela fora apenas uma peça descartável em um jogo que não entendia completamente.Por isso, se trancou no quarto.Ignorou cada batida na porta, cada tentativa de Viktor de se aproximar. Ele insistiu nos primeiros dias, chamando-a com uma paciência quase exasperante. Mas, eventualmente, o silêncio se instalou entre eles como um abismo intransponível. Quando ele parou de chamá-la, Jade percebeu que sua ausência deixava um vazio que não deveria existir.A única voz que permitiu cruzar aquela barreira foi a de Alfie, o servo de Viktor que lhe salvou do lago congelante.Ele vinha todas as no
Jade acordou com uma sensação que não experimentava há tempos. Seu corpo estava leve, sem o peso constante da exaustão que costumava acompanhá-la desde sua transformação. Cada músculo parecia revigorado, cada célula pulsava com uma vitalidade que a surpreendia. Ela abriu os olhos devagar, piscando diante da claridade suave que atravessava a fresta da cortina pesada. O teto de madeira esculpida acima de si parecia mais nítido, mais detalhado, como se sua percepção tivesse sido aguçada durante o sono.Movida por um ímpeto desconhecido, Jade sentou-se na cama. Nenhum vestígio de cansaço, nenhuma dor. O corpo, antes rígido e tenso, reagia agora com uma elasticidade quase desconhecida. Ela passou as mãos pelos próprios braços, sentindo a pele fria, mas estranhamente saudável. Uma onda de bem-estar percorreu sua espinha.Levantando-se, caminhou descalça pelo chão de madeira polida até as cortinas. O toque do tecido aveludado era quase reconfortante sob os dedos. Segurou as extremidades e, c