Capitulo 03: Descobertas

O silêncio da casa parecia gritar para Jade. Cada passo seu ecoava nas paredes imponentes, envoltas por um luxo que nunca lhe pareceu tão sufocante. O chão de mármore frio sob seus pés descalços não era nada comparado ao vazio que crescia dentro dela — um vazio faminto, insaciável. Era como se sua própria existência estivesse fora de sintonia com o mundo ao seu redor, como se ela fosse uma sombra, flutuando sem propósito. A angústia apertava seu peito com cada respiração, tornando o ar denso e pesado.

Após a discussão com Viktor, Jade vagou pela mansão sem um rumo definido, sentindo-se uma estranha em uma vida que deveria ser sua. As paredes altas e as portas pesadas escondiam segredos que ela sabia que precisava desvendar. Estava perdida em pensamentos quando um homem alto e de postura rígida surgiu no corredor. Vestia um uniforme impecável, o olhar neutro, mas havia algo nele que fez o estômago de Jade revirar — um reconhecimento súbito, uma memória esquecida que se escondeu nas sombras da sua mente.

Ele parou à sua frente, inclinando levemente a cabeça em um gesto de respeito.

"Senhorita Belrose, Viktor me pediu para que a acompanhasse até seu novo quarto."

O nome dela na boca dele soou estranho, como se não pertencesse mais a ela. Jade o seguiu em silêncio, mas sua mente estava distante, navegando por lembranças vagas e desconcertantes. Foi quando, ao observar o perfil dele sob a luz suave do corredor, a lembrança veio como um raio. Uma memória que ela não sabia que ainda guardava.

Há alguns anos atrás, em uma noite de nevasca, dia em que se opôs ao seu casamento com Viktor, que nem mesmo tinha lembranças na época, após o jantar em família, ela decidiu fugir. Desesperada, com apenas uma pequena mala em mãos, saiu pela janela de seu quarto e deslizou pelo telhado, até que caísse na neve fofa. Ela correu até o lago perto de casa, para atravessar a ponte até os estábulos da família, planejando roubar um dos cavalos de seu pai.

Ela caminhou sobre a madeira molhada, rangendo como se estivesse prestes a quebrar, quando de repente sentiu uma mão em suas costas, a empurrando contra o lago congelante. Seu corpo afundou sob a água, enquanto tentava voltar à superfície em desespero. A água penetrava em seus pulmões, congelante, fria.

Sua consciência estava por um fio quando sentiu alguém a agarrando e puxando para fora do lago. Enquanto cuspia toda a água para fora, Jade tentou enxergar o rosto do seu salvador abaixo das lágrimas em seus olhos. No entanto, tudo que pôde ver antes de desmaiar foram os cabelos encaracolados e a cicatriz em seu olho esquerdo.

Assim como agora, a luz refletia o dourado escuro dos cabelos encaracolados do homem e sua cicatriz no olho esquerdo era viva como sangue. Um frio subiu por sua espinha, a lembrando que talvez Viktor estivesse intrinsecamente ligado a tudo de sua vida, desde quando nem eram casados. O peso da revelação ameaçava esmagá-la.

O homem abriu uma porta pesada, revelando um quarto vasto e luxuoso, com janelas cobertas por grossas cortinas de veludo, móveis antigos e uma cama grande demais para uma pessoa só.

"Este será seu quarto a partir de agora, senhorita."

"Espere…" Antes mesmo que ela terminasse de falar, o homem virou-se e foi embora, a deixando só.

Jade ficou ali, parada, sentindo o cheiro suave de madeira envelhecida e um perfume amadeirado familiar. Suas pernas finalmente cederam, e ela caiu de costas na cama macia, soltando um longo suspiro. O teto parecia girar acima dela enquanto sua mente tentava processar tudo: a traição de Helena, o olhar enigmático de Viktor, a carta misteriosa, e agora, o vazio crescente dentro dela. Cada pedaço de sua vida parecia uma mentira, uma trama que não entendia.

"O que caralhos está acontecendo?"

Decidida a clarear a mente, Jade levantou-se e foi até o banheiro anexo. O lugar parecia saído de uma revista de decoração: mármore escuro, espelhos enormes, e uma banheira que poderia acomodar facilmente três pessoas. Mas o que chamou sua atenção foi o espelho. Ela parou diante dele, ofegante, encarando seu próprio reflexo.

E então, o choque.

Seus olhos, antes de um azul cristalino, estavam negros como a noite, profundos, quase hipnotizantes. Sua pele, outrora rosada, agora era pálida, quase translúcida, como porcelana fria. O contraste com seus cabelos, mais escuros do que jamais se lembrava, criava uma imagem que não era dela. Não podia ser.

"Que porra é essa?" Jade sussurrou, a voz tremendo.

Ela se aproximou do espelho, observando cada detalhe. Suas mãos trêmulas subiram até o rosto, tocando a pele fria. O coração martelava no peito, mas não por vida — por pânico. Jade começou a tirar a roupa apressadamente, como se pudesse encontrar respostas gravadas em sua pele.

E encontrou.

No ombro esquerdo, uma marca de mordida roxa e vermelha, perfeitamente delineada, estava ali. O mais estranho era que não doía. Não havia dor, apenas a marca. Ela tocou o local com dedos trêmulos, sentindo o arrepio subir pela espinha.

O desespero tomou conta. Ela correu de volta ao espelho e abriu a boca, inspecionando os dentes. E lá estavam — presas alongadas, afiadas, como se tivessem sido esculpidas para rasgar carne.

O ar parecia faltar. Sua respiração ficou ofegante, irregular.

—"Não. Não, não, não…" Ela repetia, negando o que via.

E então, o grito veio. Um grito rasgado, desesperado, ecoando pelas paredes luxuosas da mansão. Um grito de horror, de perda, de raiva. O som reverberou, atravessando portas fechadas, alcançando corredores vazios.

Ela estava viva… mas não era mais a mesma.

Jade caiu de joelhos no chão frio do banheiro, lágrimas quentes escorrendo pelo rosto pálido, misturando-se ao pânico em sua respiração descompassada. O vazio em seu peito se tornou um abismo. Um abismo faminto.

E ela não sabia o que mais poderia perder.

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