REALIDADE BIDIMENSIONAL
Ela olha para ela em vez de olhar para ti, e por isso não te conhece.
Durante as duas ou três pequenas explosões de paixão que ela se permitiu a teu favor, ela, por um grande esforço de imaginação, viu em ti o herói dos seus sonhos, e não tu mesmo como realmente és. - Stendhal, Le Rouge et le Noir✺ ✺ ✺
Respirando pausadamente com uma mistura de agitação e ansiedade, Maggie atravessou o pátio e se deparou com uma placa que dizia: Quartos SM, siga mais a frente. Além de um pequeno texto explicando que esses quartos abrigavam pacientes com os transtornos mais graves.
SM significava duas palavras que todos os internos de David Williams temiam. Essa era a trégua para que eles pensassem duas vezes antes de fazerem algo contra as regras. SM significava segurança máxima, onde os pacientes não tinham privacidade. Eram tão perigosos que não podiam nem tomar um banho sozinhos pois suas mãos estavam constantemente amarradas. Isso, certamente era contra a lei, porém Maggie ainda não tinha essa noção.
Quanto mais andava, mais escuro e fechado parecia ficar. O ar que ela respirava era úmido, como se pudesse asfixiá-la a qualquer momento. Enquanto andava, com os pensamentos "como alguém pode viver aqui?", ela se deparou com um pequeno facho de luz, dando destaque a "SM-1". Deu uma espiada em um único vidro que tinha para que os pacientes pudessem ver além do pequeno recinto e aparentemente o quarto estava vazio. Ficou por um tempo, parecendo uma curiosa e intrometida até ter a certeza de que não havia ninguém naquele quarto. Pela primeira vez olhou para o lado e viu o outro quarto. "SM-2". Era lá o seu próximo destino. Sem precauções nenhuma andou em direção, seu medo e ansiedade para o primeiro dia de trabalho se dissipou. Era como se ela estivesse acostumada a estar lá, como se realmente fosse o seu trabalho, a sua vida.
Observou pela pequena fresta. Ao início ela achou não haver ninguém, mas limpando o vidro embaçado pôde vê-lo. Suas expectativas falaram alto porém o quarto estava banhado em treva. Seu coração acelerou. Havia uma silhueta sentada na cama com os braços amarrados a uma espécie de corda de aço. Maggie engoliu em seco pegando sua chave e se perguntando se ele ficava assim o dia inteiro. Girou a chave na fechadura e viu que ele a olhou. Ela se viu pensando nele como se fosse um animal e se sentiu mal por isso. Mas não tinha culpa, ele era tratado como tal.
Abriu a porta do quarto com uma calma questionável e se viu dentro daquele pequeno cubículo que denominava quarto. Mesmo estando a poucos metros dele seu rosto estava na escuridão, e não deu para ver nada. Um sentimento de culpa brotou nela como se com alguma razão ela tivesse feito parte quando o amarraram ali como um animal selvagem. Maggie conseguia sentir seus olhos encarando-a, mas não se sentia com medo. A verdade era que sentia pena dele e se odiou por isso.
Dando um passo mais a frente ela finalmente tomou coragem e disse:
- Olá - Em quase um sussurro o saudou com receio de falar demais ou algo que não fosse profissional. - Sou sua nova doutora. - Depois de um breve momento que ele não disse nada, ela continuou: - Quero conversar com você, tem um lugar para que eu possa sentar? - Mexeu um pouco com as pernas e percebeu que estava muito cansada, seus pés doíam intensamente. Soltou um suspiro de frustração, ele ainda não a respondera e o pior era que Maggie ainda não conseguia ver seu rosto, apenas uma parte dos seus lábios.
Apertou os olhos e por um rápido minuto ele parecia estar sorrindo. Não um sorriso de boas vindas, mas um sorriso doentio e maníaco, que declarava a preço justo os profundos abismos do inferno. Springsteen apertou seus olhos novamente e aquele possível sorriso não estava em seu rosto. Ela pediu aos deuses que fosse só a sua mente confusa e cansada que lhe pregara uma peça.
- Maggie Springsteen? - Pela primeira vez ela ouviu sua voz, um tanto rouca e serena. Maggie deu um sorriso e sem se perguntar como ele sabia seu nome, disse em tom amigável:
- Sim, sou eu. Posso sentar ao seu lado? - Ele não fez nem respondeu nada, Springsteen tentou enxergar como um sim. Caminhou até aquela pequena cama e enfim sentou-se. - Obrigada.
Agora que estava a pouca distância, Maggie conseguiu observar claramente seu rosto. Seus cabelos caíam pelos ombros, desgrenhados e sujos, com um par de olhos negros, suplicantes e selvagens. No canto esquerdo dos seus lábios havia uma cicatriz profunda, mas pequena. Seu nariz era fino e delicado, a única marca feminina que havia em seu rosto. Por alguma razão ele se encontrava sem camisa, seu peito e abdômen todo tatuado, com desenhos que no escuro se tornavam rabiscos. Seu pulsos estavam amarrados fortemente a uma corrente de aço proveniente da própria parede. Como se tivesse sido construída para deixar eternamente alguém amarrado a ela. Seus pulsos estavam vermelhos e as juntas dos seus dedos pareciam sangrar. Tão grotesco, que até na escuridão era possível ver as profundas marcas. Ele usava calças brancas como todos eles, porém estava encardida e suja. Maggie olhou horrorizada para ele, que tinha uma expressão que ela não soube identificar.
- Eu... eu tenho que fazer algumas perguntas, pois quero saber mais sobre você. Vou direto ao ponto. - Mexeu em sua bolsa, pegando um bloco de notas. Maggie estava gaguejando e tremendo, sentindo-se escandalizada com a situação que um paciente do David Williams se encontrava. Ninguém havia lhe contado, nem mesmo seu próprio pai. Todos falavam bem do hospital, que todos os pacientes estavam limpos, bem servidos e até felizes. Ela posicionou sua caneta ao bloco de notas. Respirou com calma, não queria fazer perguntas bobas e idiotas. Queria perguntar algo que provavelmente ninguém o perguntara. Tinha de ser sensata. - Gostaria de saber, o que você sente quando as pessoas lhe demonstram carinho ou até mesmo afeto? - Ela sorriu.
- E o que você sente? - Narcisse perguntou, parecia querer desafiá-la. Sua sobrancelha esquerda estava arqueada em um verdadeiro gesto de superioridade.
- Oh, perdoe-me. Não quis parecer impertinente. Eu apenas tenho que saber para cuidar de você. Não vou perguntar coisas muito idiotas, só gostaria de fazer diferente dessa vez.
- Diferente como?
- Bom, primeiramente não quero que fique amarrado aí. E está congelando, o clima não está um dos melhores, ainda mais aqui dentro e você está sem camisa. Suas roupas estão sujas...
- Nunca trabalhou em um lugar desses. - Céleste afirmou e esboçou um sorriso de sarcasmo, como se sentisse prazer em rir dela. Maggie se sentiu ridícula fazendo essas perguntas. Ele era uma pessoa normal e ela o tratava como um estrangeiro que não falava sua língua. Springsteen estava embaraçada e uma revolta cresceu dentro dela. Ela prometera a si mesma que nunca mais permitiria que alguém a diminuísse. É claro que era nova no trabalho, estava confusa ainda, mas precisava dificultar tanto as coisas?
- Nunca mesmo e acho que já deu para perceber. Não vou deixar ninguém nesse estado, então por favor, preciso que responda perguntas que eu for fazer. Quero apenas ajudá-lo, facilite esse processo.
- Não sente medo?
- Não foi isso que eu perguntei. Eu perguntei: O que você sente quando as pessoas lhe demonstram carinho ou afeto? - Sua respiração não era a mesma e essa frase soou descontroladamente acusatória. Sua raiva já a dominava como toda vez que alguém a humilhava.
- Por que a pergunta?
- Eu perguntei: O QUE VOCÊ SENTE...
- Nada.
- Como assim nada? Aqui consta que um dos seus diagnósticos é afefobia. Você sabe o que é isso? - Ela apontou com raiva para o caderno marrom que ela acabara de abrir em sua ficha. - Os diagnósticos não mentem! Agora responda a pergunta! - Ela gritou, batendo na cama com raiva.
- É tão engraçado uma novata tentando expressar a raiva.
- Responda a pergunta! - Ela gritou mais ainda, sua voz estridente fez um pequeno eco.
- Está brava porque se sente inferior a um doente mental que precisa da sua ajuda? Se sente intimidada, não é?
Ela deu um tapa em seu rosto. Pareceu tão errado que o momento passou-se em câmera lenta. Ela odiava sentir-se inferior, ridicularizada, dominada. A cicatriz profunda em sua perna pareceu queimar e sangrar, como se seu corpo a lembrasse o motivo do trauma da humilhação.
- Pare! - As mãos de Maggie foram ao seus ouvidos, os zumbidos foram ficando mais altos, tudo a sua volta estava girando como uma montanha russa. Sua perna direita estava ardendo, queimando. E percebeu que todos os acontecimentos de um terrível e traumatizante dia estava voltando do fundo da sua mente para atormentá-la. Ela olhou desesperadamente para baixo e viu que estava sem a calça e sem a roupa íntima. De novo não, pensou. Seu machucado estava sangrando muito, sua perna quase toda vermelha, enquanto o ferimento encontrava-se aberto e jorrando mais e mais sangue. - Pare! - Sua voz rouca de tanto berrar estava fraca agora, as cordas vocais provavelmente prejudicadas. Os zumbidos ficaram tão altos que seus gritos e berros desapareceram, até que um clarão envolveu seus olhos desesperados e angustiados.
O FRIO DO INFERNOSeus olhos piscaram demoradamente, a confusão era tudo o que ocupava sua mente. Onde estou? O que aconteceu? Ela se viu pensando e se perguntando enquanto com muita dificuldade abriu seus olhos. Com um flash as lembranças anteriores voltaram com uma fúria inestimável. Em um gesto de precaução seus olhos correram até suas pernas, pois lembrara que a uns momentos atrás estava sem nenhuma roupa de baixo.- O que aconteceu? - Ela perguntou, olhando em volta e vendo que o local parecia uma sala de consulta médica.- Você está bem querida? - Uma enfermeira perguntou, ela tinha a aparência de uma vovó das crônicas do lobo mal - Os médicos pediram para que logo quando você acordasse, respondesse a umas perguntas. Eu sei que não está em situação para isso... pobre coitada! - Ela deu um suspiro e olhou dramaticamente par
NJIP OU DAJJAL?05/11/1978 (Um ano antes)O New Jersey State Police -, ou para quem preferir (NJSP) - se reuniu naquela tarde de 1 de setembro junto com o FBI. O caso estava tão controverso e escandaloso que o BOPE (que havia sido criado nesse ano, 1978) fez questão de se encontrar com os agentes. Eram muitas questões para resolver e mesmo que o Brasil fosse comparado com Portugal, aquele país que não se envolvia em nada e ficava sempre de fora, estava ali presente. O comissário da USMS, Richard McKellen comandava a Agência Subterrânea de New Jersey. Se fosse para considerar, O FBI, o BOPE, o NJSP e a USMS estavam todos reunidos para discutir sobre os fugitivos. Há mais de cinco meses New Jersey estava sob forte ameaça de uma possível histeria coletiva. Ou quase beirando à isso. Três bancos do centro de New Jersey foram assaltados sem que nenhum alarme disparasse convocando a polícia. Mais de 15 agentes da polícia americana haviam sido mortos da forma mais cruel e audaci
ANTES DO COLAR DO OCEANO"As vezes a mente humana se ocupa de pequenas ilusões e distrações para atrair a pobre Alma perturbada, para diante à mais límpida verdade não dita"Enquanto Maggie dirigia rumo ao hospital, suas mãos quase congelavam ao volante. De repente uma chuva caíra do céu, deixando à sua volta uma neblina sórdida. Havia algo na neblina naquela manhã, ou talvez havia algo na cabeça de Maggie. Seja lá o que for, aquela brisa trazia uma sensação alucinante, como se ao meio daquela fumaça da natureza, o pecado e a liberdade declarasse sua presença. Era como uma noite sem estrelas, uma loucura sem remédio.A rua estava pouco movimentada, os carros passavam preguiçosamente no asfalto, como se compartilhassem do sono e tranquilidade de Maggie. Sua realidade não era lá muita coisa, nem mesmo uma aventura ela sabia que teria. Springsteen sabia que teria uma vida pacata em uma cidade chamada New Jersey. Dona de um hospit
DEVIL'S GOD25/09/1979 (Atualmente)Um tiro certeiro no alvo fez o xerife ter a certeza de que estava pronto para encontrar A dupla. Ele retirou os óculos e olhou para os outros companheiros que faziam a mesma coisa. Com a mesma prontidão e profissionalismo. Era para sentir orgulho, não fosse pela demora e lentidão com que parecia que a USMS estava trabalhando. Haviam tido uma boa ideia, a criação da NJIP havia sido de bom proveito, porém de que adiantava, se não estavam conseguindo encontrar o alvo certo?Ele estava com raiva. Muita raiva pois estava sacrificando a segurança de toda New Jersey e a sua própria para com seu emprego. Por que era tão difícil encontrar fugitivos? Por que a United States Marshals Service não podia agir e fazer seu trabalho? O pior de tudo é que ele
DAVID WILLIAMSDesespero. Era isso que ela sentia quando saiu e trancou Narcisse em seu quarto. A ala SM não fazia parte do hospício. Não, não fazia parte do mundo em que ela estava acostumada a viver. Por mais que era escuro, sombrio e louco, planejado unicamente para uma parte desumana do hospital, somente naquele canto imundo ela conseguia sentir como se fosse afogar em desalento. Era como se não houvesse um único remédio que curasse o vazio que ela sentia e era naquele local, um passo a frente à uma cela de um doente qualquer que ela soube que estava perdidamente no controle. Não havia jeito de se controlar, então sua mente achara um jeito para fazê-lo: se perder. E era isso que ela sentia, talvez não tão doente quanto um paciente do hospício, mas doente no ponto mais humano possível.
O SORRISO DO CURINGAMaggie trabalhou até o meio dia, dando os devidos rémédios ao seu paciente. Sua manhã passou rápida, pois a maior parte do tempo, ela usou para entender e aprender - sozinha - o sistema de arquivos do hospital. Narcisse não respondera nenhuma de suas perguntas, limitando-se a olhá-la de vez em quando. A anotação diária que ela fez foi que "O paciente não respondeu nenhumas de suas perguntas e demonstrou-se apático". Apenas isso. Quando deu seu horário, Maggie se lamentou por não ter conseguido usar do seu tempo para marcar uma reunião e decidir a estadia social de Narcisse. Foi embora sentindo que esse objetivo estava mais longe do que parecera. &
A MORTE ENTRA SORRATEIRAMENTENo próximo dia Maggie fez as mesmas coisas que estava habituada a fazer de manhã e foi rapidamente até o seu carro e dirigiu até o hospital. Ao chegar ela deu as devidas saudações à mulher da recepção e foi até a cela de Narcisse com os medicamentos. Ele toma sem dizer nada e ela sai de seu quarto dizendo poucas palavras. Sorrateiramente ela entra na sala do diretor e diz:- Já pensou a respeito?- Já considerei e conversei com Céleste Narcisse ontem a noite - Diz ele sem olhar para ela, com os olhos no seu computador - Ele pareceu bem animado e esperançoso com essa proposta - Fez uma pausa e olhou para Maggie - Eu decidi que não há nada de mal em fazer uma tentativa - Termina ele por fim.- Sério mesmo? - Pergunta Springsteen animada com a perspec
FUGITIVA Maggie acordou cedo e ficou em sua cama durante um tempo considerável, pensando sobre as coisas que estavam acontecendo e que perturbava a sua mente. Ela tinha muito o que pensar e aceitar, mas esse momento não parecia ser agora. Enfim ela levantou-se da sua cama e seguiu sua rotina matinal. Tomou café da manhã e logo partiu para a estrada, rumo ao hospital. Quando chegou lá foi direto fazer suas obrigações. Pegou os remédios de Narcisse e foi até o seu quarto.- Aqui estão os seus remédios - Diz ela rapidamente em um tom seco.Narcisse tomou prontamente sem dizer nem uma palavra. Ele a encarou esperando que ela dissesse algo, como se tivesse notado que algo terrível acontecera.- Não está sendo tempos fáceis - Comenta Maggie pe