O dia seguinte amanheceu com uma pequena nevasca, a longa planície esbranquiçada despontava ao horizonte e a tensão dentro da base militar chegava a ser palpável. Depois do que aconteceu naquele laboratório, nenhum dos dois conseguia mais confiar em ninguém naquele lugar além deles mesmos. E, tentando não se prender nesse assunto, a cientista decidiu começar o dia fazendo uma bateria de exames nas duas jovens hibridas.
Lyns estava tensa, apertava com preocupação as luvas cirúrgicas que retirara minutos antes enquanto fitava Joan diretamente. Aos poucos, a consciência do que ocorrera começava a lhe assolar e naquele momento o que mais a preocupava era a possibilidade de ser afastada do projeto ou até mesmo que os espécimes fossem eliminados.
Suspirou preocupada com Joan. As células da “irmã” começavam a restaurar seu DNA, mas era um processo lento, e precisavam de resultados rápidos. Ergueu os olhos em sua direção e sentiu o aperto no peito aumentar ao vê-la arrumar as pastas, suas mãozinhas pálidas e delicadas moviam as folhas cuidadosamente. Era tão graciosa.
– Bom dia! Uma voz grossa ecoou por suas costas, chamando sua atenção. – Creio que seja a doutora Sakurai, sou o tenente Williams e serei responsável pelo projeto a partir desse momento.
– Desculpe, pode me explicar o porquê? Lyns questionou tentando se manter firme, sabendo que algo estava errado naquela situação, e engoliu em seco. Algo extraordinário acontecera naquele momento e Joseph havia sido substituído e não ela, por mais que suas ações não condissessem com aquele resultado.
– Ontem às 23:12h, o General Joseph Taylor sofreu um acidente automobilístico vindo a óbito em seguida! O recém chegado explicou friamente, suas feições duras e sérias deixavam claro que ele poderia ser mais desumano que Joseph.
E, enquanto a doutora preocupava-se com as circunstancias nas quais Joseph morreu, John tentava segurar o riso, se perguntando como poderiam ter tanta sorte. A situação era tão inesperada que chegava a ser cômica, mas não estava tranquilo pois, o decorrer daquela conversa ainda iria definir os rumos que a vida de Joan tomaria.
– Uma última pergunta. – Williams comentou ainda estreitando os olhos enquanto retirava de uma pasta de cor parda, alguns documentos e os colocou sobre a bancada cirúrgica, apresento-os à doutora fitando-as sério. – Pode me explicar porque há dois espécimes, sendo que o tenente documentou apenas um?
Lyns voltou-se temerosa para John, sabendo que ele precisaria reportar tudo o que acontecia dentro das instalações a respeito dos espécimes e dela como médica, apertou as luvas látex ainda mais e prendeu a respiração, esperando pela resposta dele, sabendo que poderia não ser a seu favor.
– O espécime acordou nesta madrugada, senhor! John narrou tão sério quanto o outro homem, uma expressão impassível, não deixando margens para mais perguntas e com as partes mais prejudiciais omitidas.
Quando ouviu aquelas palavras, a doutora, sentiu o nó em sua garganta se desfazendo e pode respirar mais aliviada, percebendo como seus ombros tensos começavam a relaxar lentamente. Fitou o soldado pelo canto do olho enquanto fingia ler os documentos dados pelo novo general, e permaneceu em silencio, apenas esperando o decorrer daquele encontro assustador.
– Entendo! O tenente exclamou observando as meninas de soslaio enquanto guardava os documentos na parte interna de seu terno, voltou novamente seus olhos a doutora, ainda desconfiando de seu comportamento estranho, mas preferiu deixar a posteriori. – Prossigam com os exames e comecem os testes de sociabilidade, providenciarei condições melhores para a estadia deles...
Em seguida, o homem que ainda os fitava com olhos analíticos, aproximou-se das pequenas hibridas, mantendo uma distância segura enquanto as observava. As fitou com atenção, parecendo conferir as informações apresentadas nos documentos, em seguida voltou seus olhos fixando-os em Raniya que o encarou de volta, e mantiveram o contato por alguns minutos até que parecendo satisfeito com a visão que tinha, deu as costas e saiu do laboratório, deixando os dois sozinho após aquela conversa tão esquisita.
– Preciso resolver algumas coisas! John sussurrou depois de se certificar de que o general já não estaria mais no corredor, colocou sua jaqueta de couro e rapidamente, saiu do laboratório sem dizer mais nada, deixando a doutora imersa em curiosidade.
Mesmo que estranhamente tivessem se livrado da ameaça que Joseph representava, ainda precisava destruir qualquer arquivo que pudesse os prejudicar em relação aos espécimes, sabendo que precisava fazer aquilo o mais rápido possível. Caminhou pelos corredores, cumprimentando vez ou outra, algum agente que encontrava e respirando fundo, entrou na sala central de controle. Havia apenas um soldado jovem ali dentro, trabalhando na manutenção de alguns cabos.
– Pode me mostrar onde ficam os arquivos dos computadores do laboratório? O backup falhou e se perderam alguns documentos importantes. – Comentou com a voz firme, inventando a primeira coisa que passou por sua cabeça, tentando ao máximo não transparecer sua mentira. Era a primeira vez que fazia algo ilegal e estava ficando nervoso, mas sabia não haver volta.
– Bem... Creio que precisarei do IP para recuperar esses dados! O rapaz que parecia ser novato, murmurou remexendo em algumas gavetas de sua mesa de trabalho e rapidamente, voltou com um pen-driver preto. – Vou procurar assim que terminar essa manutenção.
– Ora! Preciso disso agora! John exclamou fingindo irritação como forma de esconder seu nervosismo. – Me entregue esse pen-driver e eu mesmo farei isso.
– Mas senhor... – O jovem tentou intervir, mas calou-se tímido após receber um olhar “glacial” do mais velho. E então, colocou a senha para que o outro tivesse acesso aos arquivos que quisesse e afastou-se trêmulo.
O trabalho foi rápido, a quantidade de arquivos relacionados a Joan era pequena e nada constava sobre a irmã. O que realmente o fez demorar em deletar os arquivos foi o tremor em suas mãos e os olhos fixos nas câmeras que o fitavam todo o tempo, precisava ter cuidado.
Quando retornou ao laboratório, aproximou-se sério de Raniya que estava sentada sobre uma maca, puxou uma cadeira e sentou-se diante dela, encarando-a seriamente. A menina retribuía seu olhar tão séria quanto o dele, os grandes orbes cinzentos encobertos por cílios albinos, as vezes piscava demoradamente como que para hipnotizar o soldado.
– Como você fez isso? Questionou levemente irritado com aquela possibilidade, apertando os punhos e olhando-a fixamente. – Estivemos aqui a noite inteira, você não saiu em momento algum...
– Espera, você a está culpando pela morte daquele homem? Lyns perguntou intervindo, estranhando o comportamento do soldado e colocando-se entre os dois, tentando apaziguar a situação que julgava absurda mesmo sabendo que a menina era perigosa. – Não tinha como...
– Eu não precisava! Raniya respondeu cortando a doutora, fazendo-a fitá-la com incredulidade. – Um dos estilhaços ficou preso em uma de suas artérias, estava meio entupida então foi fácil causar um infarto...
– Meu Deus! Você realmente o matou! John quase gritou ainda mais tenso, fazendo um esforço para não a agarrar pois, sua vontade era a sacudir pelos ombros. – Como pode falar isso tão friamente?
– Você sabe o que ele faria assim que tivesse a oportunidade, eu apenas agi primeiro! Raniya sussurrou aproximando-se do rosto do soldado, ficando cara a cara com o homem, a disparidade nas alturas era gritante, mas a menina encarava-o sem pestanejar.
Depois daquela revelação assombrosa, levantou-se da maca e caminhou em direção a Joan, sentou-se ao seu lado, farejando o pote plástico com frutas que a menina abria e após confirmar algo, deixou que comesse. Parecia estar verificando a qualidade do alimento, ou algo parecido.
John e Lyns observavam tudo impressionados com suas bocas abertas, entreolharam-se e logo, a doutora começou a andar pela sala, murmurando palavras incompreensíveis. Parecia estar calculando a lógica de tudo o que aconteceu e o que ainda poderia fazer dentro das possibilidades.
– Ela está certa! Lyns murmurou séria, ainda falando mais para si do que para o soldado e a prova disso era que falava fitando o nada. – Se não estiverem procurando por algo, não poderão encontrar a causa com facilidade!
John a fitou sério, seus músculos tensos e os olhos fixos na hibrida de cabelos albinos que os ignorava propositalmente. Raniya era tão pequena quanto a “irmã”, mas fazia questão de deixar bem claro o quanto era perigosa. De repente, um pensamento passou pela mente do soldado que arregalou os olhos ao finalmente entender o que ela estava fazendo: marcando território. Ela sabia que era perigosa e estava impondo-se diante deles, que via como possíveis ameaças.
– Preciso que entenda uma coisa... – John resmungou olhando a menina diretamente nos olhos, se ela queria ser tratada como adulta, seria assim que ele a trataria. – Somos as únicas pessoas que não representam ameaça a vocês, e iremos protege-las, mas você não pode fazer tudo o que te vier na telha, ou ira fod* com tudo! Estamos compreendidos?
Lyns queria interferir, não estava gostando da forma grosseira com que ele falava com sua espécime perfeita, sabendo que ela claramente não estava gostando e que rapidamente nutriria ódio pelo soldado, mas para a sua surpresa, era não apresentou nenhum sinal de irritação por ser repreendida, e depois de dar uma olhadela na irmã que observava a cena com seus olhos azuis arregalados, balançou a cabeça positivamente, concordando com a opinião de John.
Aquele não era um bom momento, devido a situação envolvendo Raniya, mas depois de muito refletir e não chegar a um consenso sobre o que fariam com ela, decidiram por ignorar momentaneamente sua periculosidade e assim, a ideia de observá-las em sociedade veio à mente da doutora. Os espécimes se desenvolviam rápido, ao ponto de no decorrer de poucas horas distraídos, poderiam ter perdido algo grandioso. Então, precisavam fazer os testes o mais rápido possível antes que a sociabilidade se tornasse um problema.Poderiam sair um pouco das instalações, colocar as meninas em contato co
Enquanto caminhavam pelo parque, pelo canto do olho, podia ver os olhos azuis da “irmã” a fitando magoados, era obvio que ela queria se aproximar mais daquelas meninas, mas não poderia permitir tal coisa, seria muito arriscado. Era instintivamente protetora e mesmo que tivesse o sofrimento de vê-la chorar, preferia isto ao ter a possibilidade colocar sua segurança em perigoQuando reencontrou com os “pais”, seus orbes acinzentados fixaram-se imediatamente na menina de longos fios encaracolados que conversava com um homem mais velho, sua visão estreitou-se e apertou a mão da “irmã” com força, pressentindo que algo não estava como deveria ser.
Um novo dia amanhecia, os poucos raios solares tentando aquecer o ambiente, soldados com seus fardamentos verde chumbo, andavam de um lado para o outro, retirando suprimentos de dentro dos jipes de trabalho, pouco conversavam entre si e mantinham o ritmo constante, concentrados em suas próprias funções. Dentro do laboratório principal, duas pequenas espécimes dormiam em suas camas improvisadas, uma delas, de semblante mais sério, parecia estar tendo sonhos agitados e remexia-se lentamente, mas aos poucos, acalmava-se ao sentir as pequenas mãos da outra enroscando-se em seu corpo, era fofinha e carinhosa, desarmando a irmã irritadiça. Tal cena podia ser vista somente por duas pessoas no mundo, seus responsáveis, que se derretiam ao vê-las daquela forma, esquecendo-se completame
Depois daquela conversa, o clima entre o casal tornou-se taciturno e rapidamente, começava a afetar o trabalho de ambos, vez ou outra trocavam olhares significativos, mas não conseguiam transformar seus pensamentos conturbados em palavras. A tensão era palpável e tendo seus sentidos ampliados, as duas pequenas hibridas logo perceberam que algo estranho estava acontecendo. Enquanto dirigiam em direção a pequena cidade, a médica começava a pensar no que fariam a partir daquele momento e a cada minuto que passava, ficava ainda mais assustada com o sangramento no abdômen de John, assim como a estranha inconsciência das meninas que permaneciam adormecidas no banco de trás do carro.– Há uma pessoa que pode nos ajudar... – John murmurou arfando com a dor, estava tentando sentar-se em uma posição mais confortável e que não forçasse suas costelas fraturadas, mas não parecia estar conseguindo. – Ele mora nas proximidades, é de confiança. A morena concordou balançando a cabeça positivamente e apertou o pé no acelerador, passando da velocidade permitida naquela rodovia à noite, mas não estava se importando cUm recomeço...
Em poucos meses a vida deu uma guinada surpreendente na vida daquela estranhafamília, de repente, as duas pequenas hibridas viram-se com a estatura e corpos de adolescentes. E, mesmo que nenhuma delas se lembrassem de nenhum resquício de suainfância, conseguiam lidar razoavelmente com seus novos problemas.Naquela manhã, os grandes olhos azuis cobalto de Raniya observavam atentamente a sua volta enquanto caminhava pela calçada ao lado de Joan que tagarelava animadamente sobre algum documentário da vida marinha em cartaz nos cinemas, e que queria assistir. A loira estava cheia de expectativas para a nova institui&cce
O rapaz ruivo estudava na mesma sala em que as gêmeas e logo, enturmou-se com Joan, levando Raniya a aproximar-se a seu modo, mesmo que inicialmente fosse apenas para proteger a irmã do mundo exterior. Desde pequenas eram só elas duas então, inconscientemente, qualquer aproximação estranha lhe parecia uma ameaça.Pelo canto do olho, podia ver a irmã ao longe, parada enquanto observava um rapaz encolhido próximo ao muro de pedra, parecia estar sendo intimidado por um rapaz loiro e mais velho vestido em um casaco do time de futebol. E, mesmo estando de longe, as irmãs podiam ouvir a conversa dos rapazes.&
O carro aproximava-se rapidamente, o ruído daquele grande aglomerado de metais cortando a massa de oxigênio ecoava em seus ouvidos como um lembrete do que estava prestes a acontecer. A cena parecia em câmera lenta, aumentando seu desespero e o cheiro dos pneus tentando frear no asfalto quente produziam um cheiro insuportável que impregnava-se em suas narinas. Quando sentiu o impacto do para-choque em seu corpo, jogando-a a alguns metros de distância, pode ouvir o som característico dos órgãos se rompendo e dos músculos partindo-se, horrorizando-a. Seu estômago revirou-se e um gosto de sangue encheu sua boca, aos poucos a inconsciência o tomo